Divergência maior torna mais difícil acordo climático


Há anos este fórum de negociação opõe os países desenvolvidos, mais industrializados e com um histórico de emissões, ao mundo em desenvolvimento. Os países ricos, à exceção dos Estados Unidos, têm compromissos obrigatórios de corte nas suas emissões de gases-estufa previstas no Protocolo de Kyoto. Os países em desenvolvimento só têm metas voluntárias – essa é uma diferença fundamental e sempre definiu dois eixos políticos nos encontros de clima. Em Doha pode ser diferente.

 

Os países-ilha e as nações mais pobres do mundo formam alianças próprias, mas sempre negociaram dentro do grande bloco dos países em desenvolvimento, conhecido por G-77+China, e que reúne mais de uma centena de nações tão diversas como Haiti ou Índia. Mas na Rio+20, a conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável que aconteceu em junho, no Rio, as pequenas ilhas e muitos países africanos defenderam propostas da União Europeia. A mais famosa delas era a de transformar o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em uma agência ambiental mundial – ideia que saiu derrotada por pressão dos EUA com apoio (ou omissão) de China, Índia e Brasil, por exemplo.

 

Esse novo contorno de alianças pode ressurgir em Doha. As pequenas ilhas são os países mais afetados pela mudança do clima. Já sofrem com o avanço do mar sobre seus territórios. Costumam pedir que os países emissores façam cortes mais ambiciosos e mais rápidos de gases-estufa. Defendem, por exemplo, que a CoP-18 comece a negociar o novo acordo climático internacional, que tem que estar pronto em 2015 – ideia que economias emergentes como Índia, China, Brasil e África do Sul não defendem para o encontro no Qatar.

 

Os emergentes querem que os desenvolvidos se comprometam, em Doha, com metas mais ambiciosas de cortes de emissão para o segundo período do Protocolo de Kyoto, a partir de 2013.

 

Para fazer frente a essa aliança entre países-ilha, nações mais pobres do mundo e União Europeia, um novo grupo com cerca de 35 nações ganha força dentro do G-77+China. Reúne Índia e China, Arábia Saudita, Sudão, Egito, Argentina e Malásia entre outros e se chama "Like Minded Group" (algo como "grupo que pensa da mesma forma"). É uma aliança política para o novo tratado climático internacional, que deve começar a funcionar em 2020. Brasil e África do Sul não fazem parte deste bloco.

 

"O G-77+China saiu muito fortalecido da Rio+20 e está muito unido para a CoP-18", disse ao Valor o chefe dos negociadores brasileiros, embaixador André Corrêa do Lago. "Mas, claro, como sempre há opiniões divergentes sobre certas questões", reconhece.

 

Doha mostrará, também, que há muitas divergências no bloco dos países desenvolvidos. Os EUA, por exemplo, estão fora de Kyoto, deixando sozinha a União Europeia. Japão, Nova Zelândia e Rússia estavam dentro do primeiro período de compromissos de Kyoto, de 2008 a 2012. E de acordo com todas as regras que definem compensações de emissões entre países, licenças para emitir e créditos de carbono. Agora será diferente.

 

A pauta principal do encontro em Doha é definir o segundo período do Protocolo de Kyoto: seu prazo – de 2013 a 2017 ou de 2013 a 2020 -, quais países ricos estarão dentro e quanto irão cortar. Mas o Japão, a Nova Zelândia e a Rússia não devem fazer parte dessa nova fase. A União Europeia, a Noruega, a Suíça e a Austrália, por sua vez, já se comprometeram com o novo período de Kyoto. O Canadá estava dentro do Protocolo no início, mas desistiu no meio do caminho. Ou seja, aqui também há muitas divisões. Antes havia os países ricos dentro de Kyoto e os EUA fora. Agora não é mais assim.

 

Os negociadores sentirão, em Doha, pressão de ambientalistas e também de entidades empresariais, que querem cenários mais claros. "Doha tem que definir, no mínimo, uma agenda de trabalho que viabilize o que os cientistas recomendam e como chegaremos a 2015", diz Carlos Rittl, coordenador do programa de clima e energia do WWF-Brasil, mencionando a data em que o acordo global deve estar fechado.

 

Segundo ele, os governos deveriam definir, em Doha, qual a natureza do instrumento que será negociado – um protocolo ou um acordo, por exemplo – e um calendário claro para 2013. "Estamos caminhando para um mundo com aquecimento de 4°C", diz. "É hora de conseguirmos evitar isso."

Fonte: Jornal Valor