Leilão de Libra: O petróleo não é nosso?


Em meio a intensos protestos e um esquema de segurança que envolveu mais de mil homens do exército, força nacional de segurança e outras dezenas de policiais, o governo realizou na ultima segunda feira, dia 21, o leilão da maior área de petróleo da história do Brasil, o primeiro no novo regime de partilha. A área de Libra, como foi denominada, no pré-sal da Bacia de Santos, recebeu apenas uma oferta, do consórcio formado pela multinacional Petrobras, Shell, a francesa Total e as estatais chinesas CNOOC e CNPC.

                         

A forte participação das empresas privadas gerou surpresa entre especialistas. Como não houve concorrência, o governo vai receber o mínimo exigido, 41,65% de lucro em óleo, e apenas 15 Bilhões pela assinatura do contrato nos próximos trinta dias. Valor que se torna irrisório se comparado a quantidade de petróleo que será extraído da área ao longo dos anos, estimados entre 8 e 12 bilhões de barris de petróleo (alguns especialistas acreditam que podem chegar a 15 bilhões), o equivalente a toda produção de petróleo já realizada no Brasil (do campo de Lobato à bacia de Campos), bem como ao total de reservas comprovadas para exploração futura. É muito petróleo e cujo valor de mercado supera US$ 1 trilhão (40% do PIB nacional). O acesso a esta riqueza foi concedido ao valor de pouco mais de R$ 15 bilhões, ou 0,6% do valor total. Claro que há o pagamento de 15% de royalties (a serem aplicados em educação -75%- e saúde -25%), os impostos e custos de produção, estimados em R$ 650 bilhões. Há também a exigência de conteúdo nacional na produção de componentes e plataformas, estimulando a cadeia produtiva do petróleo e gerando 500.000 empregos (conforme estimativa do governo) e a exploração, que deve ser executada pela Petrobras. Depois de amortizado este custo é que haverá a partilha do excedente de petróleo, na ordem de 41,6 para a União e o restante para os concessionários, em que a Petrobras ficará com 40% e as empresas estrangeiras (Shell, Total e estatais chinesas) com os 60% restantes.

Na mesma noite da realização do leilão de concessão, em que só houve um consórcio participante, que arrematou o campo de LIBRA pelo preço mínimo, a presidente Dilma foi à televisão comemorar os resultados. Segundo ela os interesses nacionais foram resguardados porque as empresas estrangeiras ficarão com “apenas” 15% do total do petróleo. Mas o que ela não disse?

A presidente não disse que em um modelo de “Partilha” cada parte poderá fazer o que quiser com o petróleo que lhe couber, sem a necessidade de beneficiamento ou refino no Brasil. O resultado já é conhecido pelos brasileiros, que há 500 anos convivem com a exportação de matéria prima bruta (atualmente chamadas de commodities) de suas riquezas naturais. É assim desde nosso primeiro ciclo econômico, o Pau Brasil, quando se exportava toras de madeira para extração de tintura vermelha, que depois voltavam na forma de pano tingido. E assim se foi a árvore que batizou o nome desta terra. No ciclo do açúcar, ao menos havia o beneficiamento da cana de açúcar nos engenhos; com o modelo de partilha do pré-sal, nem isso.

Também não foi dito que para o esforço de prospecção no Pré-Sal, a Petrobras tem reduzido sistematicamente seus investimentos em refino e áreas de valor agregado. Como resultado, o Brasil, que há 50 anos havia alcançado a autossuficiência na produção de gasolina, agora é importador do produto, enquanto exporta óleo bruto. Neste caso os números apresentados pela Petrobras são sempre nebulosos, mas já se sabe que o Brasil importa anualmente ao menos US$ 6 bilhões em gasolina, o que tem afetado nossa balança de pagamentos e onerado o preço dos combustíveis, gerando defasagem entre o preço do produto importado e o preço de venda ao consumidor (o que não aconteceria se o país importasse petróleo e o refinasse no país). Ou seja, o modelo adotado leva a uma escancarada reprimarização e subalternização da economia nacional. Isso não foi dito no discurso da presidente.

Ainda assim há que reconhecer uma substancial entrada de renda extra para o país: R$ 1 trilhão. Conforme palavras da presidente em cadeia nacional: “um fabuloso montante de mais de R$ 1 trilhão; repito: mais de R$ 1 trilhão!”. De fato, quando eu era criança só encontrava esta cifra em estórias do Tio Patinhas. Como são cifras fabulosas, com 13 dígitos, por vezes nos confundimos. Este valor que o governo deverá receber (englobando royalties, impostos e partilha) será arrecadado ao longo de 30 ou 35 anos e só começará a entrar nos cofres do governo em 5 ou 6 anos, dividido por 30 anos, resulta em R$ 33 bilhões por ano. Ou seja, continua sendo um bom dinheiro, mas não tanto quanto vendido na televisão.

Outro aspecto a levar em conta é o pagamento do bônus de R$ 15 bilhões para assinatura do contrato, que será utilizado exclusivamente para compor o superávit primário da União, sem que seja transformado em um único lápis para a Educação ou aspirina para a Saúde. E deste valor, R$ 6 bilhões sairão do caixa da Petrobras, uma empresa do governo. Mas se toda a pesquisa e prospecção na identificação do petróleo no pré-sal foi resultado de investimentos da Petrobras (apenas para perfurar um único poço de pesquisa há um custo de US$ 250 milhões), por que a empresa teve que pagar ao governo? Apenas para aumentar o superávit fiscal, esta é a única resposta possível. E o que a Petrobrás poderia fazer caso investisse esses R$ 6 bilhões no interesse da própria empresa e do Brasil? Exemplo: seria possível construir uma refinaria de gasolina, de porte médio para grande, no Centro Oeste, que abasteceria toda região, além da Amazônia Ocidental, que pagam o mais alto preço de combustíveis no país; com isso diminuiríamos o déficit na balança de pagamentos, reduzindo significativamente a importação do produto e o preço baixaria para o consumidor, resultando em diminuição no índice nacional de inflação (pois também incidiria no custo de produção e transporte de alimentos e mercadorias produzidas no Norte e Centro Oeste), além de uma menor pressão cambial, permitindo uma taxa Selic em níveis mais civilizados.      

       Por fim, voltando à análise da parte que caberá às empresas estrangeiras. Como a presidente disse, será de 15% do total extraído. Há controvérsias e diversos estudos apontam um lucro maior, em meus cálculos cheguei ao índice de 18%, outros apontam até 25%, mas vamos admitir que o cálculo do governo está correto. Esta porcentagem representa uma quantidade de um e meio bilhão de barris de petróleo (estimando-se a reserva em 10 bilhões – pode ser mais) e tem um valor de mercado de US$ 150 bilhões (estimando-se ao preço de US$ 100 o Barril – pode ser mais), sendo que o custo de investimento, seja da Petrobras ou parceiras estrangeiras, será 100% coberto com o petróleo explorado; ou seja, estes 15% constituem-se em lucro líquido. Apenas como comparação: este valor é equivalente ao pagamento de todas as aposentadorias do Brasil pelo período de um ano, sejam públicas ou privadas; também permitiria a construção de 750 quilômetros de metrô (São Paulo conta com 72 km); ou 4 anos do orçamento total do Ministério da Saúde (R$ 80 bilhões em 2014);  ou 8 anos do orçamento total do Ministério da Educação (R$ 40 bilhões em 2013). Quanto estas empresas pagaram por esta fabulosa transferência de riqueza? R$ 9 bilhões ou US$ 4 bilhões. Um fabuloso (aí sim, fabuloso) lucro de 37.500%! Não à toa, a manchete da revista alemã Der Spiegel foi: “O Brasil vende um tesouro por uma pechincha”. De fato.

Fonte: Revista Fórum – Brasil Vivo ; Jornal de Londrina

 Laísa Mangelli