Primeira licitação para exploração do gás xisto no Brasil ocorre em meio a polêmicas


                     

Em meio a acusações de ausência de dados, discussões e necessidade, a primeira rodada de licitação para a exploração do gás xisto no país será realizada nesta quinta e sexta-feira, 28 e 29 de novembro. A exploração do combustível enfrenta oposição até mesmo dentro do governo.

Um parecer técnico do Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção (GTPEG), formado por membros do Ibama, Ministério do Meio Ambiente e ICMBio, entregue a Agência Nacional de Petróleo (ANP) antes do leilão,  concluiu que há ausência de dados para garantir a segurança da exploração do gás xisto no País.

Os técnicos ressaltam que a geologia das bacias brasileiras ainda é pouco conhecida até mesmo para a exploração de gás convencional, impossibilitando segurança em relação ao isolamento ou à conectividade de importantes camadas sedimentares.

A 12ª. Rodada de Licitações da ANP será realizada nos dias 28 e 29 de novembro, no Windsor Hotel, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Serão ofertados 240 blocos exploratórios terrestres com potencial para gás natural em sete bacias sedimentares, localizados nos estados do Amazonas, Acre, Tocantins, Alagoas, Sergipe, Piauí, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Maranhão, Paraná, São Paulo, totalizando 168.348,42 Km².

A ausência de dados aprofundados sobre os possíveis impactos da técnica de exploração levaram a organizações ambientalistas e comunidades científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), à Academia Brasileira de Ciência (ABC) e o Instituto Socioambiental, solicitarem uma moratória por tempo indeterminado.

Riscos

O gás natural é considerada uma alternativa fóssil mais "limpa", por não emitir tantos gases do efeito estufa (GEEs) como o petróleo. No entanto, o impacto ambiental da nova técnica utilizada para sua extração ainda é desconhecido. O fraturamento hidráulico não convencional, ou fracking, obtém gás natural ao liberar água misturada a uma série de substâncias na camada rochosa, em alta pressão e grande quantidade, podendo ultrapassar 10.000 m3 em apenas um poço. Por essa camada geralmente estar situada abaixo das reservas de água, há grande possibilidade de contaminar o aquífero.

Nos Estados Unidos, onde é empregada há dez anos, a técnica se consolidou com um meio mais barato de obter combustível fóssil, mas não sem custos ambientais. A técnica suscitou uma série de denúncias de contaminação de aquíferos e águas superficiais nas redondezas dos poços em exploração. A possível contaminação levou a migração de centenas de famílias das regiões de exploração e alguns estados chegaram a proibir o alastramento da técnica.

Na Europa, recentemente foi divulgado um estudo elaborado para a Comissão Europeia do Meio Ambiente que diz, explicitamente, que o risco de contaminação de água é muito alto. Alguns países, como a França, chegaram a proibir a exploração em seu território.

Segundo Agência Internacional de Energia, o Brasil pode ter seis trilhões de metros cúbicos de gás de folhelho recuperáveis. Já a ANP estima mais outros quatro trilhões de metros cúbicos em folhelhos. Assim, as reservas brasileiras ocupam ao sexto lugar em volume no mundo, abaixo somente da Rússia, Irã, Qatar, Turcomenistão e EUA.

Para o professor Heitor Scalambrini Costa, que é doutor em energética e leciona na Universidade Federal de Pernambuco, a exploração do gás xisto representa um último sopro na longa vida da utilização dos combustíveis fósseis no Planeta. Ele explica que a indústria do xisto está sendo impulsionada principalmente pelo lobby norte-americano de uma “nova era de energia barata”. 

 "Aquecimento global, mudança climática provocada pela influência do modo de vida (consumir e produzir) e seu modelo predador não existem para esta parte tão influente da sociedade mundial. O que existe são simplesmente os interesses econômicos, os negócios. Mesmo que para isso se coloque em risco a vida do planeta e de todos seus habitantes", opina.

Injustificado

O principal argumento para adiar a exploração do gás xisto no Brasil é a ausência de dados mais contundentes sobre os impactos da exploração. No entanto, reclama-se sobre ausência de diálogo do governo e a definição prioridade energética, uma vez que o Brasil é um dos países que mais tem potencialidade no campo das energias renováveis.

É um caso complexo de decisão, que faz invocar o princípio da precaução, sempre desprezado pela indústria e algumas vezes abusado pelo ambientalismo e pelos ministérios públicos da vida. A probabilidade de dano pode ser mínima, mas o impacto seria tão grave que é caso de parar para discutir", afirmou em seu blog a geóloga Cláudia Chow.

Em uma das bacias a ser explorada, está o Aquífero Guarani, considerado um dos maiores sistemas de mananciais de água doce subterrânea do mundo. Ele passa por sete estados brasileiros, abastecendo principalmente São Paulo e o Paraná 

O coordenador de política e direito do Instituto Socioambiental, Raul do Valle, também alerta para a necessidade de novos estudos. "É, no mínimo, temerário se permitir a exploração desse tipo de gás sem antes uma avaliação e reflexão profunda por parte da sociedade brasileira acerca de seus custos e benefícios".

Segundo ele, a "pressa" em licitar os blocos exploratórios do gás xisto é injustificada. "Estamos cientes de que o gás natural é uma fonte importante na matriz energética atual e de médio/longo prazo. No contexto brasileiro, porém, não se justifica que sua exploração ameace os reservatórios de água, pois nossa dependência desse combustível é mínima".

Emissões

"Essa coisa de usar uma tecnologia ou outra depende muito da matriz energética. Como o Brasil é um país que tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, usar qualquer tipo de combustível fóssil, seja gás xisto, seja petróleo, carvão, é sujar sua matriz. No caso dos Estados Unidos, eles estão deixando de usar termoelétrica à carvão e isso gera um benefício global", afirmou ao EcoD o coordenador do Observatório do Clima, André Ferratti. Ele ressalta, contudo, que para o país norte-americano é uma opção a curto prazo. "É preciso que eles corram atrás de tecnologias que não utilizem combustíveis fósseis".

O físico Délcio Rodrigues, especialista em mudanças climáticas e energia e membro do conselho diretivo do Vitae Civilis, também acredita que o Brasil está aderindo equivocadamente ao lobby norte-americano: "Ainda temos uma das matrizes energéticas mais renováveis do mundo. Nesta, a entrada de grandes volumes de gás natural para geração elétrica, a qual aparenta ser o destino mais provável do gás a ser extraído, aumentará nossas emissões, as mesmas que prometemos reduzir em mais de 35% até 2020. Com os investimentos no pré-sal e, agora, na exploração do gás natural em terra, ficará difícil cumprir as metas e contribuir para a mitigação da crise climática global"

Fonte: EcoDesenvolvimento

Laísa Mangelli