‘Nosso modelo econômico é o vilão da crise ambiental’


                                 

O enfrentamento das mudanças climáticas é uma luta que a humanidade está travando contra si mesma na busca de um modelo de desenvolvimento sustentável. E, por enquanto, não está se saindo muito bem nisso. "Estamos contra as cordas e atordoados", diz o advogado de Direito Internacional Eduardo Felipe Matias, autor do livro A Humanidade Contra as Cordas (Paz e Terra), lançado nesta terça-feira, 8, em São Paulo. A boa notícia é que não vai ser fácil, mas ainda dá tempo de virar o jogo, diz ele.

 

A entrevista é de Herton Escobar, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 07-04-2014.

 

Eis a entrevista.

O título do livro faz uma analogia com uma luta de boxe. Em que estágio estamos dessa luta, e como estamos nos saindo?

A analogia é exatamente essa; estamos contra a cordas e atordoados, especialmente porque fomos nós mesmos que nos colocamos nessa situação complicada. Se você parar para pensar quem é o vilão nessa história, ele é todo o nosso modelo econômico de sociedade. Estamos diretamente inseridos nisso, e não há como fugir (dessa responsabilidade). Há uma inércia muito grande que precisa ser combatida. A tendência é que essa inércia prevaleça e a gente continue a fazer as coisas do mesmo jeito, até porque isso favorece os grupos já dominantes nessas circunstâncias.

 

Qual é a responsabilidade dos indivíduos nessa luta?

Cada indivíduo é importante como uma parte desse sistema no qual estamos inseridos, seja como eleitores, como consumidores ou simplesmente como cidadãos. Então, nossa participação é fundamental. Nesse ponto eu faço um paralelo entre duas crises: a financeira e a ambiental. Uma conclusão que permeia todo o livro é que o principal problema que vivemos é o dos incentivos equivocados; incentivos de curto prazo, voltados para o lucro imediato. O consumidor tem o papel de pressionar as empresas e também de persuadi-las, porque a partir do momento que ele ganha consciência e começa a privilegiar empresas sustentáveis, ele manda uma mensagem para as outras empresas que aquilo é importante.

 

E as empresas?

As empresas têm um funil pela frente. Seja pela escassez de recursos seja pela pressão do consumo consciente, as empresas que saírem na frente e passarem primeiro por esse funil da sustentabilidade sairão na frente, com vantagens, enquanto que as passarem por último correrão risco até de perecer.

 

O senhor vê isso acontecendo já? Essa mudança de atitude em favor da sustentabilidade?

Sim, acho que está acontecendo, mas de forma ainda muito insipiente, se pensarmos no tamanho do problema – que o novo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) mostra ser grande. Deveríamos estar muito mais adiantados. A imagem que eu uso no livro é de um círculo virtuoso da sustentabilidade; o objetivo é mostrar quais são os atores e quais são os instrumentos que esses atores têm para tentar reverter essa situação. Não vai haver uma bala de prata e não é um grande ator ou um grande acordo internacional que vai resolver o problema; a gente tem de acionar todos esses atores ao mesmo tempo, agora.

 

Como o Brasil se encaixa nesse círculo virtuoso? O País está fazendo um bom papel?

Acho que o Brasil está perdendo a oportunidade de se tornar um Estado líder nessa área. Do mesmo jeito que as primeiras empresas que passarem pelo funil da sustentabilidade vão se beneficiar, os Estados também vão. Os países que criam incentivos na direção correta, investem em pesquisa e desenvolvimento, e que entendem essa tendência de sustentabilidade, vão sair na frente. O Brasil tem tudo para ser um país de ponta nessa área, por conta de suas atribuições ambientais e até pelo pioneirismo em certas áreas que, infelizmente, estão sendo deixadas de lado, como a do etanol. Então, vemos que pode ser uma oportunidade perdida.

 

A atual crise da água em São Paulo tem relação com isso?

Com certeza. No livro, falo dos limites do planeta que não podem ser extrapolados, e o da água é o mais evidente. Nesta segunda, vi uma estatística que o desperdício de água potável no Brasil supera 38%. É um absurdo, que mostra com a gente age de maneira imediatista, como se os recursos fossem infinitos, ignorando completamente a necessidade de preservação a longo prazo.

 

E o novo relatório do IPCC confirma tudo isso?

Sim, confirma com 95% de certeza que nós somos os culpados (pelas mudanças climáticas), e que as consequências são graves e já começaram a aparecer. Então, está mais claro do que nunca que quem nos colocou contra as cordas fomos nós mesmos, e que para sair delas precisamos mudar nossa atitude nessa luta.

 

Ainda dá para ganhar a luta?

Dá, mas vai exigir um esforço considerável. Temos de continuar lutando e ganhar a luta, ou seremos nocauteados, mas não podemos ignorar o fato de que o prejuízo causado já foi grande, e por isso há a necessidade de se adaptar a esse mal que já foi causado.da violência e inimigas da cidade".

 

Fonte: IHU – Unisinos