José Eli da Veiga: O debate sobre o Código Florestal continuará


                           

O professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP), José Eli da Veiga, 63 anos, acompanhou cada debate relacionado ao “novo” Código Florestal publicando uma série de artigos na imprensa brasileira. A compilação desses textos está em seu mais novo livro, dos 20 que já tem publicado: “Os Estertores do Código Florestal”, da Armazém da Cultura. A seguir, acompanhe sua entrevista exclusiva sobre Código Florestal, Cadastro Ambiental Rural (CAR) e propriedades rurais.

Como podemos usar o “novo” Código Florestal ou as ferramentas legais para resguardar as áreas e até recuperar outras?
Não existe mais Código Florestal. Essa lei é um desastre, não houve respeito nenhum às Áreas de Preservação Permanente (APPs), um prejuízo legitimado. Tenho impressão que qualquer agrônomo concordaria que a conservação de área de APP deveria ser considerada indiscutível. Já a Reserva Legal (RL), que toda propriedade precisa ter, é mais discutível. Deveria ser possível fazer a compensação dela. Outro problema do Código Florestal, na tentativa de dizer que estava tentando ajudar o agricultor familiar, foi usar a ideia de imóveis rurais em módulos. Isso favoreceu a especulação imobiliária, pois sítios de lazer se enquadram nesses módulos.

O que se aproveita da Lei Florestal?
Só o CAR, se for implantado com rigor. É um escândalo as propriedades ainda não terem cadastro. No Brasil, praticamente, não se paga imposto por se ter propriedade rural. O CAR ajudará nessa questão, por isso notamos certa resistência a ele. Infelizmente, houve uma derrota de quem era pela sustentabilidade, por conta das contradições e da dificuldade de explicar o problema da Lei Florestal à opinião pública. Por exemplo, uma das coisas mais chocantes, acho que nem citei no livro, é que o empresariado brasileiro meio que quis lavar as mãos.

Por que isso aconteceu?
Ainda hoje me pergunto. Na lista dos 200 maiores grupos, do Valor Econômico, apenas cerca de dez têm agronegócio. Embora não atue na área, o empresário pode ter algum tipo de ligação. Às vezes, ele mesmo é fazendeiro. Outra possível explicação é a complexidade do assunto. Mais grave é o fato de algumas empresas terem conselho de meio ambiente e, mesmo assim, acho que eles nem chegaram a discutir o tema.

Como os negócios no campo podem existir em harmonia com a preservação ambiental?
Planejando. A primeira coisa é procurar respeitar as aptidões da propriedade. Não adianta plantar algo exigente em uma terra que não corresponde. Aliás, estas áreas deveriam ser preservadas, como é o escandaloso caso do cerrado. O mecanismo, neste caso, seria a compensação.

Qual a sua opinião sobre pagamento por serviços ambientais (PSA)?
Estou ainda à procura de experiências concretas que me deem mais clareza. Ainda não acredito que tenha se tornado um incentivo econômico como era a intenção.

Há um questionamento de ordem ética sobre o PSA afirmando que a pessoa vai ser paga para simplesmente cumprir a lei. O que o senhor acha?
É um raciocínio bacana se não estivéssemos em uma sociedade capitalista. Muitos casos só vão andar se assumirem essa lógica de mercadoria. Se for de interesse público, que vire reserva. Como o estado não é capaz de viabilizar a desapropriação de várias áreas, você fica de mãos atadas se for purista.

Muitos autores dizem que para conseguir recompor é necessário tornar a floresta financeiramente viável dentro do capitalismo. O senhor concorda?
Algum tipo de rentabilidade o proprietário deve ter. Agora, se o local é muito importante para sociedade, ele pode deixar de ser privado. Ninguém paga para as reservas florestais, ecológicas e indígenas serem preservadas. São áreas que fogem dessa lógica.

Os jovens estão deixando o meio rural para morar na cidade. Que impacto isso causa na agricultura familiar?
Não é necessariamente negativo que alguém saia do meio rural. Os jovens são forçosamente atraídos a irem para as cidades para estudar e sair de um ambiente familiar geograficamente isolado com a família. A procura por locais com mais escolhas é um progresso. A discussão é se a família rural teve condições de prepará-lo para que possa fazer essa opção. Se ele teve acesso à educação e, além disso, se gosta de agricultura, provavelmente vai procurar algum meio de voltar ou atuar no campo. Não necessariamente no mesmo lugar e nem diretamente.

O desmatamento é pouco palpável para moradores urbanos. Só com educação poderíamos mudar isso?
Eu discordo dessa palavra “só”, porque educação é uma condição absolutamente necessária. E é um processo sociocultural complexo mudar essa situação. Pesam muito as pressões que a sociedade faz sobre o estado como, por exemplo, esse debate todo sobre o Código Florestal. Havia visões estratégicas completamente diferentes e acabou predominando a mais predatória. Temos que ter paciência porque não vai demorar muito para sociedade se dar conta da grande besteira que foi feita, dessa mudança no código. Os especuladores de terra que se disfarçam de agronegócio tiraram vantagem. Vai chegar esse momento, tenho certeza disso e vamos ter outra vez esse debate. Os que perderam, vão ganhar.

 

*Entrevista publicada na revista Plantando Águas, patrocinada pela Petrobras. Baixe a publicação neste link.

Fonte: Iniciativa Verde