Ensaio sobre a teoria do risco de Ulrich Beck


                                    

Artigo por Cristiano Weber¹.

A teoria do risco foi desenvolvida pelo sociólogo alemão Ulrich Beck² e publicada paralelamente ao acidente nuclear que ocorreu, em 1986, em Chernobil (coincidência?). É uma obra (ou melhor: um alerta) dirigida à sociedade que vive em constantes riscos e que, por sinal, são produzidos por ela própria. Esta é a sociedade globalizada, pois os riscos descritos por Beck não respeitam limites fronteiriços (território), tampouco culturas (povo) e sistemas econômicos ou políticos (poder). Tais riscos tiveram sua origem na chamada sociedade industrial que passou à sociedade pós-industrial e hoje se tornou a sociedade de risco. Nesta, o conhecimento científico não possui mais controle dos riscos que ajudou a criar e também não tem a certeza sobre os efeitos que suas descobertas podem gerar na saúde humana e no meio ambiente.

Em sua teoria, Beck tem como objetivo geral demonstrar a transição da sociedade industrial (que produzia e distribuía bens) à sociedade de risco (que produz e distribui riscos ecológicos, químicos, nucleares, genéticos, militares, políticos, terroristas e financeiros). Segundo Beck, “a modernidade iluminista deve enfrentar o desafio de cinco processos: a globalização, a individualização, o desemprego, o subemprego, a revolução dos gêneros e os riscos globais da crise ecológica e da turbulência dos mercados financeiros”.

Os riscos a que Beck se refere são os riscos irreversíveis (característica muito típica da sociedade moderna), ligados às decisões humanas e muito diferente dos perigos (que estão presentes em todas as épocas e remontam, mais precisamente, à navegação comercial intercontinental). Todavia, devido ao desenvolvimento tecnológico e ao consumismo voraz que impregnou a sociedade contemporânea (e de risco), o que se julgava previsível e passível de administração na sociedade industrial, tornou-se uma ameaça sem rumo e de difícil gestão pela sociedade de risco. Importante dizer que a clássica sociedade industrial permanece em atividade, porém, em um potencial muito maior de ofensividade, proporcionando uma verdadeira sociedade de risco.

O sociólogo alemão explica que a palavra risco, na época das grandes navegações e descobertas, tinha uma conotação de coragem e aventura. Hoje, devido à instabilidade  política, econômica e tecnológica, o significado já é outro, sendo o termo risco sinônimo de autodestruição da vida na Terra. 

Neste viés, pode-se afirmar que a principal característica desta nova sociedade (de risco) é a incerteza dos efeitos que os novos processos econômicos poderão ocasionar na saúde humana e no meio ambiente. Como o próprio Beck assinala, “o conceito de risco designa a invenção de uma civilização que busca tornar previsíveis as consequências imprevisíveis das decisões tomadas, controlar o incontrolável, sujeitar os efeitos colaterais a medidas preventivas conscientes a aos arranjos institucionais apropriados”. Nesse sentido, os riscos produzidos pela sociedade de risco preocupam porque são invisíveis (ou abstratos) e só são perceptíveis quando já há a ocorrência de um dano, ao contrário dos riscos da sociedade industrial que eram previsíveis (ou concretos) e gerenciáveis.

Relevante dizer que quem mais sofre com isso tudo é a camada mais pobre da população, eis que a mesma não possui alternativa a não ser aceitar as regras que são ditadas pelo novo capitalismo tecnocientífico³. Nas palavras de Beck, “estamos às voltas com uma separação radical entre os que geram riscos e os que são obrigados a suportar suas graves consequências”. Porém, isso não quer dizer que os ricos estão totalmente livres dos riscos, pois nesta nova sociedade até quem produziu o risco sofre as consequências e um exemplo muito claro disso é o acidente nuclear de Chernobil (1986) e de Fukushima (2011). Mas, o certo é que são os pobres que instalam suas moradias ao lado das grandes indústrias poluidoras, expostos ao perigo.

Portanto, não é nenhuma surpresa o fato de que tais riscos possam se manifestar somente no futuro, desencadeando inúmeros problemas a nossos descendentes, pois suas características (invisibilidade e imperceptibilidade) já trazem consigo esta preocupação. Por isso, cada vez mais se faz necessário a presença de um Estado de Direito Ambiental que deverá se mostrar forte e presente na sociedade de risco, adotando medidas de proteção com ênfase preventiva para que as presentes e futuras gerações possam usufruir um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. 

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¹ Desenvolvido a partir da obra: BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós Surcos, 2006.

² Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (2009). Especialista em Direito Ambiental pela UNISINOS (2013). Mestrando em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. É membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RS. Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Penal e Direito Ambiental. Atua como advogado e consultor jurídico. Página pessoal: www.cristianoweber.com.br

³ Segundo Beck, “as indústrias com risco têm se mudado aos países com salários baixos. Isto não é causalidade. Há uma ‘força de atração’ sistemática entre a pobreza extrema e os riscos extremos. Na estação de manobra de partilha dos riscos são especialmente apreciadas as paradas em ‘províncias subdesenvolvidas’. E seria um tolo ingênuo quem ainda aceitar que os manobreiros não sabem o que fazem. Em favor disto, também fala a ‘maior receptividade’ da população desempregada frente às ‘novas’ tecnologias (que acreditam ser trabalho)” [tradução livre] (BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós Surcos, 2006. p 59).