Eficiência no uso da água


Em meio à crise hídrica, regiões assumem riscos e melhoram a eficiência no uso da água

Com a seca e as temperaturas mais altas, é necessário reavaliar os sistemas de abastecimento. Na Austrália, o consumo urbano de água foi reduzido graças ao investimento de bilhões de dólares em medidas de conservação, educação e melhoria na eficiência da rede. Após anos de resistência, a Califórnia também tornou as medidas obrigatórias

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Peter Essick

No início de 2014, a represa Rye Patch, no Rio Humboldt, em Nevada, não recebeu nem uma gota de água. Para o escritor Mark Twain, o Humboldt não passava de um "riacho decrépito", mas os agricultores do árido porém fértil vale Lovelock dependem do rio para irrigar as plantações de alfafa e milho.

 

 

No princípio deste ano, enquanto a Costa Leste dos Estados Unidos tremia de frio, a Califórnia fervia. No ano passado, incêndios florestais destruíram casas em subúrbios, um reservatório esvaziado deixou expostas as ruínas de um vilarejo da época da corrida do ouro e, na primavera, a cachoeira do Yosemite estava reduzida a um fio d’água. Enquanto a seca alcançava recordes históricos, as disputas políticas retomavam rotinas conhecidas.

Os agricultores conclamaram o Parlamento a revogar a proteção a espécies de peixes ameaçadas. Os moradores urbanos lembraram que, em média, 41% da água na Califórnia é usada na agricultura, ao passo que menos de 11% abastece as cidades (e quase 49% permanece nos rios). Prevaleceram as frases de efeito, e ao menor sinal de chuva as discussões silenciavam por completo.

"E sempre ocorria que, nos anos de seca, as pessoas mal se lembravam dos anos de abundância", escreveu John Steinbeck em seu épico romance de 1952, A Leste do Éden, que mostrava a tragédia de uma família no Vale de Salinas no início do século 20, "e durante os anos chuvosos perdiam toda lembrança dos anos de seca".

Tal capacidade de esquecimento é quase uma característica inata no Oeste americano. Mas não há motivo para isso. Basta, por exemplo, ver o que ocorre na Austrália, um país com situação bem similar à existente hoje na Califórnia e no Oeste americano. Tanto na Califórnia como na Austrália, há zonas desérticas na área central, ao passo que as bordas do território são temperadas e urbanizadas. Ambas dependem de complexos sistemas de dutos para mover a água. Na verdade, os dois irmãos canadenses que, no final do século 19, construíram alguns dos primeiros sistemas de irrigação na Califórnia também ajudaram a planejar os sistemas de água na árida bacia hidrográfica australiana dos rios Murray e Darling.

Australia: solução para reduzir o consumo urbano

Na Austrália, a chamada Grande Seca, que se prolongou por uma década na virada do século 21, desencadeou no princípio o mesmo tipo de escaramuça política que toma conta da Califórnia. No entanto, depois de anos de destruição ambiental, crise de falta de água nas cidades e enormes prejuízos por parte dos agricultores, os políticos australianos – e os produtores rurais – tiveram de assumir riscos consideráveis.

"No auge da seca, tornou-se evidente que não tem como dissimular a verdade do meio ambiente", diz o professor Mike Young, da Universidade de Adelaide, que participou da reação do país à seca. A Austrália conseguiu reduzir o consumo urbano de água graças ao investimento de bilhões de dólares em medidas de conservação, educação e melhoria na eficiência da rede. O país adotou um esquema que assegurava um suprimento mínimo de água para o ambiente, com o restante sendo dividido em parcelas que podiam ser rapidamente negociadas – ou guardadas. Embora tenham lutado contra as mudanças, os produtores rurais, graças aos estímulos financeiros, logo passaram a usar a água de maneira mais criativa e eficiente. O consumo diminuiu.

"O sistema de manejo da água na Califórnia – cujos custos anuais superam os 30 bilhões de dólares – está muito aquém do exemplo admirável da Austrália", afirma Michael Haneman, da Universidade da Califórnia em Berkeley. "A Califórnia e quase toda a região Oeste do país nada fizeram para facilitar o manejo da escassez de água", diz ele. "Nunca nos mostramos dispostos a realizar, com antecipação, as mudanças indispensáveis para enfrentarmos um futuro mais seco."

 

Peter Essick

Antes de a represa Shasta, com 183 metros de altura, ser finalizada em 1945, as florestas de pinheiros e abetos eram desmatadas por madeireiros. Quando o reservatório encolheu, ano passado, os tocos – preservados sob a água durante 60 anos – ficaram expostos.


Racionamento de água

Todavia, após décadas de exploração desenfreada dos lençóis freáticos na Califórnia, autoridades regionais aprovaram normas para a preservação dos reservatórios subterrâneos de água e o governador, Jerry Brown, anunciou recentemente medidas de racionamento obrigatório. Los Angeles e outras cidades conseguiram melhorar a eficiência no uso da água. "Há muita folga no sistema, e a gente vinha tolerando isso, só porque não havia nenhum tipo de punição", comenta Peter Gleick, presidente do Pacific Institute. "Agora temos de aprender a viver de acordo com os limites impostos pela natureza."

A história da água no Oeste americano não mudou, e ainda é feita de ambição e otimismo, em quantidades perigosas. Mas esta seca da Califórnia, assim como outras que virão, talvez levem à abertura de um novo capítulo.

John Diener pretende fazer parte disso. Ao contrário de muitos produtores do Vale Central, não deixou de morar em sua propriedade. Ele continua a frequentar a igreja na vizinha Riverdale e, quando fica sem tempo, acaba ouvindo a missa em espanhol na igreja que os seus tios ergueram na década de 1940. Embora apegado à terra ocupada por sua família há quase um século, ele é de um pragmatismo a toda prova.

No ano passado, como não recebeu nada de água fluvial, Diener deixou descansando metade das suas terras. Plantou tomates e brócolis, irrigando-os com os eficientes sistemas de gotejamento subterrâneos que adquiriu nos últimos anos. Além disso, está se dedicando a um projeto de parceria público-privada local visando transformar beterraba em etanol. E, claro, continua a cuidar dos 8 hectares de cactos. Ainda não começou a ganhar dinheiro com eles, mas está otimista com a possibilidade de encontrar um mercado: os cactos do tipo figueira-da-barbária são muito conhecidos no México e em outras partes da América Latina como nopales, e valorizados como suplementos alimentícios ricos em selênio. Este é um futuro que o seu pai e o seu tio mal poderiam imaginar. Contudo, se estivessem vivos hoje, esses Diener de uma geração anterior certamente aprovariam a mudança de rumo. Pois foi graças a adaptações assim que também eles conseguiram sobreviver.

 

Peter Essick

No Vale Central, a água em refúgios de fauna silvestre diminuiu cerca de 30%. A caminho do norte, gansos migradores se reúnem na Fazenda Faith, junto ao Refúgio Nacional de Fauna Silvestre do Rio San Joaquin, um raro trecho remanescente do hábitat original no Vale