Indústria e a cultura do desperdício


Indústria e a cultura do desperdício, artigo de Reinaldo Dias

lixo eletrônico

 

[EcoDebate] O conceito de sustentabilidade associado à dimensão tecnologia pode ter diversas abordagens, muitas vezes antagônicas. Duas delas são particularmente relevantes: o sistema de produção industrial linear e o circular.

Por muito tempo a tecnologia foi vista como inimiga do meio ambiente, não só pela exploração maciça de seus recursos, mas como destinação dos resíduos dos produtos tecnológicos. Esta perspectiva, no seu limite, provocou o surgimento de movimentos neoluditas, anti-tecnologia, com vários adeptos em todo mundo e que passam a ser avessos à utilização de produtos de alta tecnologia visando adotar posturas mais amigáveis com a natureza e tendência à demonização da indústria como a responsável pela crise ambiental atual.

No entanto, numa nova abordagem conceitual, a tecnologia e constitui numa ferramenta para o crescimento e o desenvolvimento de países como o Brasil, que almejam alcançar metas sustentáveis de crescimento. Nesta perspectiva a tecnologia deve contribuir, principalmente, através da inovação e alcançar maior eficiência nos processos produtivos sem prejuízos ao meio ambiente. Os avanços tecnológicos devem buscar o baixo custo e altas taxas de retorno na produção.

O sistema de produção atual e vigente na maioria dos países, está fundamentado na extração, fabricação, utilização e eliminação. É um sistema linear que permite converter em descartáveis a maioria dos produtos e incrementar a produção de resíduos. Este sistema linear nada prevê em relação à produção de lixo e, como vemos em nosso país, cada dia são maiores as dificuldades encontradas pelos municípios para sua disposição. Os produtos atuais têm uma vida útil curta, a possibilidade de repará-los é baixa ou pouco rentável para quem executa esse tipo de serviço, o que aumenta, ainda mais, os resíduos sem controle. Também as tendências da moda incentivam a eliminação de artigos de consumo, como resultado desse modelo.

No entanto, isso está mudando. As futuras empresas competitivas serão as que tem ciclos de produção com externalidades negativas mínimas, que em vez de gerar resíduos, os utiliza para devolvê-los ao ciclo e produzir mais e melhor. Isto implica uma mudança de cultura, modo de pensar e de esforços conjuntos entre universidades, indústria, tomadores de decisão políticos, autoridades e dos consumidores, para dar um novo alcance para a sustentabilidade.

Esta nova tendência é um componente importante da “nova revolução industrial” e pode ser vista como uma resposta ao desperdício de grandes somas de dinheiro ao impactar negativamente o meio ambiente. Neste aspecto, os empresários são levados a um outro nível de compreensão de seus processos, basicamente, entendendo melhor o que e como fazem evitando ou diminuindo seus efeitos negativos ao meio ambiente.

Para os empresários é essencial assumir mudanças significativas no uso eficiente dos recursos e promover a aplicação de boas práticas e de conhecimentos já existentes para minimizar os impactos ambientais. Além disso, devem compreender que não é necessário deixar de lado o conceito de “negócio”, para ser responsável com o meio ambiente.

Esta revolução significa que os sistemas de produção devem mudar, alcançar maior eficiência e progredir na aprendizagem, porque alguns podem fazer algumas coisas melhor do que outros, compartilhar, e colaborar com os demais, não produzir resíduos ou lixo, e entender o que realmente significa valor. As empresas inteligentes começarão a partir de agora a acomodar-se nesse novo modelo de produção circular, que resultará na geração zero de resíduos ou perto de zero, porque tudo vai voltar ao sistema produtivo. Mudará a lógica da produção em escala, e serão feitos bons produtos para os consumidores, sem desperdiçar recursos gerando resíduos e lixo prejudiciais ao meio ambiente.

Como país devemos melhorar a compreensão dos impactos da indústria, delinear um amplo programa de pesquisa e educação para a solução de problemas e explorar novos modelos para que o Brasil atinja melhores padrões de sustentabilidade na sua produção industrial. Passar do sistema de produção linear ao circular não é um modismo passageiro, é o inevitável caminho a ser percorrido pelas indústrias para melhorar sua competitividade e sobrevivência no mercado global.

*Reinaldo Dias é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas. Doutor em Ciências Sociais e Mestre em Ciência Política pela Unicamp. É especialista em Ciências Ambientais.

in EcoDebate, 11/02/2016