Direito Ambiental: produção acadêmica deve orientar políticas públicas na Pan-Amazônia


Estudos devem colaborar na normatização e na aplicação de políticas públicas no continente. Foto (Thiago Ventura/DomTotal)

Por Thiago Ventura
Repórter DomTotal

A proteção da cultura dos povos tradicionais e a preservação da Amazônia não podem ficar apenas como temas de trabalhos acadêmicos, mas devem interferir na normatização e na aplicação de políticas públicas no continente. A exortação esteve no contexto do encerramento do V Congresso Internacional de Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, organizado pela Dom Helder Escola de Direito com a presença de pesquisadores do Brasil e da América Latina em Belo Horizonte.

A premissa foi debatida durante dois minicursos realizados no sábado (22), na unidade III da Instituição, em Brumadinho, na Grande BH, o último ato do evento, após reflexão sobre o interesses dos indígenas e as lacunas da legislação, evidentes no caso Brasileiro. No pano de fundo, críticas à Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e proposições em tramitação no Congresso Nacional  que promovem injustiça socioambiental.

Os congressistas presentes ressaltaram a importância da criação da Rede Pan-Amazônica de pesquisa e a ‘Carta de Belo Horizonte’, que cobra providências das autoridades públicas pela preservação do meio ambiente. Além disso, foi instigada a reunião dos pesquisadores com instituições e políticos eleitos afim de expor os alertas sobre o tema revelados na produção acadêmica.

“Obtivemos tantos frutos nesses congresso, que acredito que vamos colhê-los até o ano que vem”, comenta a professora Beatriz Souza Costa, pró-reitora de Pesquisa da Dom Helder e coordenadora do evento. “Nós conseguimos criar uma rede internacional de pesquisa, a realização de um congresso itinerante, que começou em Belo Horizonte e vai rodar outros países da América Latina, vamos publicar os anais do V Congresso em português e espanhol e vamos elaborar um livro com artigos dos professores presentes no evento”, afirma a pesquisadora.

“Temos que inverter essa lógica das políticas públicas. O trabalho produzido pelo  grupo de pesquisa estratégica sobre a Pan-Amazônia deve ser aprofundado, buscando a interlocução com os grupos sociais e políticos que demostrem um mínimo de seriedade, compromisso com a preservação da natureza e respeito aos povos indígenas”, comentou o reitor da Dom Helder, Paulo Umberto Stumpf, SJ, que também ressaltou a importante atuação da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam). O reitor também lembrou que a comunidade científica deve acompanhar a realização do  Sínodo para a Amazônia, que vai reunir os bispos da Igreja Católica em 2019 e será outra frente para a proteção do ambiente.

Autodeterminação dos povos indígenas

No primeiro minicurso, Edson Damas da Silveira, pós-doutor em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra, explanou sobre as diferenças do processo do Direito brasileiro e a autodeterminação dos povos indígenas. Silveira, que é procurador de Justiça em Roraima, contou vários casos de processos penais e cíveis que revelam a tensão entre o ordenamento jurídico estabelecido e as regras ancestrais seguidas pelas tribos indígenas.

O pesquisador defende o respeito às tradições dos povos originários como forma de preservar o que resta da cultura indígena originária no Brasil. Silveira mostrou-se contrário a proposições que concedem a propriedade das terras indígenas às tribos que sejam bens da união, conforme previsto na Constituição.

“Isso será uma outra forma de extermínio dos povos indígenas. Propriedade e dinheiro causam grande descaracterização da cultura tradicional. No dia que regulamentar  a mineração em terra indígena, acontecerá como nos Estados Unidos: o dinheiro das grandes corporações vai desassociar os índios com suas tradições”, defende.

No segundo minicurso, Márcio Luís de Oliveira, professor Adjunto de Graduação e do Mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Dom Helder, pontuou os riscos que a natureza sofre ao versar sobre “Entre o El Dorado e a Terra de Ninguém: a Amazônia pede cuidados”.

Oliveira debruçou-se sobre as incoerências de proposições e organismos que atuam na Amazônia, como a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. O pesquisador ainda relembrou garantias aos povos indígenas previstas na Constituição Federal, muitas contudo sem regulamentação.

“Temos que repensar as instituições no Brasil. A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica copia a institucionalidade da União Europeia, mas sem parlamento que represente os interesses de cada país e seus povos. É um grupo de diplomatas sem nenhum lastro com a realidade com absoluta obscuridade e ineficiência. Em 40 anos, sobretudo nos últimos 10 anos, nada fez nada para proteção da Amazônia”, criticou.

Entre os congressistas presentes no último dia de evento, participaram o reitor da Escola de Engenharia de Minas Gerais (EMGE), professor Franclim Jorge Sobral de Brito, e Valmir César Pozzetti, doutor em Biodireito/Direito Ambiental e professor na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Universidade do Estado do Amazonas (UEA).