Por um modelo agrícola que não destrua o Cerrado


Foto: Divulgação / Clic Camaqua

Evento de lançamento de estudo sobre o Matopiba reforça a importância do bioma para combater as mudanças climáticas.

A reportagem é de  Mariana Campos, publicada por Greenpeace, 14-11-2018.

Região brasileira onde está Matopiba | Foto: Wikipédia

desmatamento no Cerrado não é um “custo inerente e necessário” ao progresso e a elevação da produção agrícola não se traduz em melhorias econômicas e sociais para a região. Essa foi a principal mensagem passada no evento de lançamento do relatório “Segure a Linha – A Expansão do Agronegócio e a Disputa pelo Cerrado”, nesta segunda-feira, na Livraria da Vila, em São Paulo. O estudo inédito, apoiado pelo Greenpeace, analisa as dinâmicas socioeconômicas na região de Cerradodenominada Matopiba, que reúne municípios do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.


Estados que compõe Matopiba (Foto: Florestal Brasil)

Os resultados da pesquisa mostram que existe mais pobreza e injustiça do que riqueza e bem-estar no Matopiba, e que o crescimento econômico decorrente da expansão do agronegócio é de curto prazo apenas. Dos 337 municípios do Matopiba, somente em 45 os indicadores de produção e bem-estar superam a média dos respectivos estados. Dos 10 maiores municípios produtores de soja no Matopiba, apenas três fazem parte do grupo classificado como “rico”, com bons indicadores sociais.

“Trata-se de um modelo de produção que praticamente esteriliza o tecido social da região”, afirma o Professor Arilson Favareto, autor do estudo, sociólogo e doutor em Ciência Ambiental da Universidade Federal do ABC. Ele explica que o aumento da produção e da produtividade gera uma riqueza bastante concentrada, ampliando as desigualdades sociais.

Esse modelo de expansão do agronegócio acaba por limitar ou impedir o desenvolvimento de um projeto para o Cerrado que vá além dessa lógica, não degrade os recursos naturais, respeite os modos de vida das populações tradicionais e amplie as oportunidades para o país não exportar apenas commodities. Mas há quem vislumbre alternativas.

Para Eduardo Assad, professor e pesquisador da Embrapa, o Cerrado é uma janela de oportunidade para nos prepararmos para as mudanças climáticas e, por isso, precisamos estudá-lo. Durante o debate, ele defendeu a necessidade de aprendermos com a extraordinária resiliência das espécies vegetais do bioma – que somam mais de 13 mil – quanto à adaptação à variação climática ao longo do tempo. “Há uma biodiversidade gigantesca no Cerrado que estamos perdendo. Mas a maior riqueza da região no futuro não será a soja e sim a diversidade. Não conheço supermercado que venda um produto só”.

Preservar as espécies nativas do segundo maior bioma brasileiro é também garantir a sobrevivência das comunidades que lá habitam. “A defesa da biodiversidade do Cerrado é a possibilidade de minha família continuar existindo”, pontua com emoção Fátima Barros, da Rede Cerrado e remanescente quilombola na Ilha de São Vicente, em Araguatins (TO). A família de Fátima, que está na ilha há 130 anos, faz uso da agroecologia, em equilíbrio com o ecossistema local. “Estou à frente da luta de meu povo porque compreendo a necessidade de continuar existindo. É resistir para existir”, afirma ela, que já sofreu quatro tentativas de despejo de seu território por conta do agronegócio.

“Precisa desmatar mais? Não precisa”

A importância de se combater o desmatamento no Cerrado foi um dos pontos levantados no debate durante o lançamento do relatório, que contou com a mediação da jornalista Amália SafatleAdriana Charoux, da campanha de Amazônia do Greenpeace, afirma que a proteção da vegetação nativa é essencial para assegurar a manutenção dos serviços ecossistêmicos, incluindo a produção agrícola. “O Cerradoé uma grande caixa d’água. É lá que nascem diversos rios vitais para as regiões por onde passam, como o Paraná e o Tapajós”.

Diferentemente dos produtores rurais na Amazônia, que precisam preservar 80% de suas propriedades como reserva legal, no Cerrado esse percentual é de apenas 20%. Assad, no entanto, questiona: “Ainda que o Código Florestal permita o desmatamento no Cerrado, a questão é: precisa desmatar mais? Não precisa”.

Economicamente, o Cerrado de pé também é muito mais interessante. “Diminuir o combate ao desmatamento faz com que o Brasil perca competitividade econômica, o que pode prejudicar a geração de empregos”, alerta Charoux, lembrando que o compromisso das empresas de zerar o desmatamento em suas cadeias produtivas é essencial e urgente para a sobrevivência do bioma. “As escolhas de agora determinarão nossa vida no futuro. Não temos tempo a perder”.

IHU