Condenação da Vale na Tragédia de Brumadinho independe da causa do rompimento


A empresa ser condenada civilmente em valor que corresponda ao dano ambiental que causou. Foto (Isac Nóbrega/PR)

Por Élcio Nacur Rezende*

Muito se tem discutido sobre quais os fatores desencadeadores do rompimento da barragem de minério de ferro do Córrego do Feijão na cidade de Brumadinho que vitimou centenas de pessoas e causou um enorme dano ambiental.

Embora a curiosidade inerente ao ser humano seja propulsora da pesquisa das causas que proporcionaram o rompimento da barragem, devemos ressaltar, veementemente, que para fins de responsabilidade civil pelos danos ambientais essa pesquisa é desnecessária.

Se foi abalo sísmico, antiguidade da barragem, método ultrapassado de contenção, obras que estavam sendo realizadas no momento, ausência de controle, licenciamento equivocado, excesso de chuvas, enfim, nada, nada mesmo, importa para fins de imputação de responsabilidade civil ambiental.

É importante dizer que a perquirição das causas que levaram ao rompimento da barragem e causaram a tragédia humana é importantíssima para vários motivos jurídicos, bem como, para fins de pesquisa de engenharia evitando-se novos rompimentos.

Com efeito, para fins de responsabilização criminal ou mesmo para fins de responsabilização civil pelos enormes danos materiais e morais causados em centenas de pessoas (não ambientais), é fundamental se saber os motivos fáticos e subjetivos que induziram o rompimento da barragem.

Todos sabemos, por exemplo, que a pena de natureza criminal por homicídio culposo, ou seja, onde se mata sem intenção, é menor que a do homicídio doloso, vale dizer, quando existe a intenção de matar.

Todavia, como dito acima, a tragédia para além da perda da vida humana, certamente a maior das dores, causou um incalculável dano ao meio ambiente.

Inexoravelmente, as pessoas envolvidas, mormente as que auferiam lucro com a atividade de exploração do minério de ferro na região, responderão civilmente pelos danos ambientais causados.

Para além da indenização pecuniária que deverá ser fixada em altíssimo montante, outros deveres deverão ser arcados pela empresa, tais como a reparação e a restauração das áreas degradadas.

Rompimento de barragem da Vale em Brumadinho (MG) destruiu 269,84 hectaresRompimento de barragem da Vale em Brumadinho (MG) destruiu 269,84 hectares

O importante dentro da Ciência Jurídica é que se entenda que a Responsabilidade Civil em sede de Danos Ambientais é objetiva, vale dizer, independe da demonstração de culpa ou dolo. Em outras palavras, ainda que não se tenha agido intencionalmente, ou ainda, que não se demonstre imprudência, negligência ou imperícia, todos que de alguma forma possuem ligação com os danos ambientais, respondem civilmente.

Ressalte-se, como dito, ainda que se comprove o fortuito, força maior ou fato de terceiro, todas as pessoas que exerciam atividade que potencialmente tem nexo com os danos narrados, respondem civilmente. Portanto, qualquer alegação de eventos da natureza como abalos sísmicos, atitude de terceiros, forças inevitáveis, nada excluirá a responsabilidade daquele que tenha contribuído pela efetivação dos danos ao meio ambiente.

No caso concreto a questão se agrava.

Afinal, como cediço, a atividade de mineração é de grande risco ambiental.

Afirma a Constituição Federal:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

 

Conclui-se, pois, que o Meio Ambiente é objeto de preocupação constitucional.

Nesse sentido, a Lei 6.938/81 que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente:

Art. 14 – Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

Washington Alves/ReutersWashington Alves/Reuters

§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Para além dos textos legais, o Superior Tribunal de Justiça já fixou a tese que a responsabilidade civil ambiental é regida pela Teoria do Risco Integral em vários julgados como por exemplo nos processos AC 2002.34.00.033143-9/DF, EDcl no REsp 1346430⁄PR, REspnº 1.175.907- MG e REsp 1.374.284/MG,  vale dizer, ainda que um degradador comprovasse que o evento danoso decorreu de fato exclusivo de terceiro, fortuito ou força maior, ainda assim seria imputada as obrigações civis pelos danos ambientais que se relacionam com sua atividade.

Subsidiando o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, grandes juristas como Antônio Herman Benjamin, Jorge Alex Nunes Athias, Marcos Mendes Lyra, Edis Milaré, Rodolfo Mancuso, Paulo Affonso Leme Machado, também sustentam que neste caso a Teoria do Risco Integral deva pautar a responsabilização civil.

Pelo exposto, quando estivermos discutindo a responsabilidade civil pelos danos ambientais pela tragédia que a todos entristeceu enormemente, devemos parar, sob pena de perda de tempo e energia, de discutir a causa do rompimento da barragem.

A questão é simples: deve a empresa ser condenada civilmente em valor que corresponda ao dano ambiental que causou.

* Doutor em Direito e professor da Dom Helder Escola Direito. Procurador da Fazenda Nacional

 

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