Deputado diz que nova lei não inviabiliza mineração e elogia iniciativa de mestres da Dom Helder para apoiar vítimas


‘Mar de Lama Nunca Mais’ teve a participação de vários órgãos (MPMG)

Por Rômulo Ávila
Repórter Dom Total

A Lei 3.676/16, conhecida como ‘Mar de Lama Nunca Mais’, não inviabiliza a atividade minerária em Minas Gerais e deve servir de modelo para outros estados e União. A avaliação é do deputado estadual João Vítor Xavier (PSDB), um dos responsáveis pela elaboração do projeto. Em entrevista ao Dom Total, o parlamentar falou sobre a nova legislação, sancionada pelo governador Romeu Zema (NOVO) na última segunda-feira (25).

João Vítor também elogiou a criação do Serviço de Assistência Jurídica Ambiental (SAJA), iniciativa desenvolvida por egressas da Dom Helder Escola de Direito com objetivo de auxiliar pessoas que necessitam de informações e orientações na área do Direito Ambiental, como as vítimas de Brumadinho. “Acho a ideia desse serviço fantástica e especial, porque temos a responsabilidade social de amparar essas vítimas”, disse o deputado, que destacou também participação de docentes, como Márcio Luís, professor da Dom Helder, na elaboração de projetos em defesa do meio ambiente

“Acho que é fundamental para construção de qualquer legislação absorvemos tudo aquilo de bom que todos temos para contribuir. E uma pessoa com a capacidade do professor Márcio Luís tem muito para contribuir, hoje no governo do estado, para que legislações como essa sejam colocadas em prática e que outras ideias possam vir”.

Confira a entrevista concedida ao Dom Total:

1 – O senhor avalia que a lei chegou tarde, já que poderia ter evitado centenas de mortes?

Certamente a lei deveria e poderia ter sido aprovada antes. Tivemos essa oportunidade há um ano atrás. Se ela tivesse sido aprovada estaríamos bem à frente no processo de segurança de barragens de Minas Gerais. Não dá para dizer de maneira textual que a tragédia de Brumadinho teria acontecido ou não por um motivo simples: nós sabemos que as barragens são inseguras, sabemos que há um processo de erros de muitos anos e que isso não se resolve do dia para noite. Mas, muitas coisas que estão no projeto e que agora estão na lei poderiam ter diretamente impacto na questão de Brumadinho e, talvez, poderia ter evitado a tragédia. Mas isso nós só saberemos ao final das Investigações, quando o Ministério Público e as polícias civil e Federal chegarem à conclusão do que levou àquela ruptura de barragem.

Mas, de toda forma, mesmo sabendo que a lei poderia ter sido aprovada antes, temos que celebrar o fato de ser aprovada e sancionada na íntegra agora. Senão podemos corrigir o passado, podemos pelo menos mudar o futuro e corrigir casos muito similares aos de Brumadinho para que não venha acontecer na frente. Nós temos dezenas de barragens desse tipo de Minas Gerais e precisamos mudar. Esse é o primeiro passo para que isso mude no futuro.

2-Quais os pontos da lei o senhor destaca?

A lei traz uma revolução nesse processo minerário no estado de Minas Gerais. O ponto mais importante é o que obriga as empresas a trabalharem com que há de mais moderno na tecnologia de mineração e não mais com o que há de mais barato, que é como as empresas sempre trabalharam.  Sempre fizeram as barragens de rejeito porque é o jeito mais barato de se acumular o que sobra da mineração. E nós não podemos permitir que aquilo que é mais barato seja usado apenas para aumentar o lucro das empresas, sendo que aumenta de forma dramática o risco para a sociedade.  Nó precisamos que as empresas estejam alinhadas com o que há de mais moderno e sabemos que, até o momento, o que há de mais moderno é o rejeito a seco.Então, a legislação determina que as empresas usem aquilo que há de mais moderno.

Temos outros pontos importantes, como a proibição das construções de barragens a montante;  a obrigatoriedade das empresas, no prazo máximo de 3 anos, de fazerem um descomissionamento e descaracterização das barragens;  o aumento da fiscalização e o aumento da responsabilidade por parte do Governo do estado para fiscalizar;  aumento do rigor para o licenciamento dos empreendimentos minerários. Todas essas medidas tomadas trarão muito mais segurança para o setor em Minas Gerais.

3-Até que o ponto o senhor considera que a lei pode contribuir para evitar tragédias com as de Brumadinho e de Mariana?

É fundamental para evitar que novas tragédias como de Mariana e Brumadinho aconteçam. Não estou dizendo que nós não temos mais o risco de presenciarmos novas tragédias, porque nós já temos 400 barragens construídas no estado e o processo de desativação vai ser paulatino, gradual. Mas, a cada dia que se passa com as medidas sendo implementadas, o risco diminui.  Até chegar a um ponto, em médio e longo prazo, que esse risco será extinto no estado de Minas Gerais, porque não teremos mais barragens desse modelo (a montante) em atividade. Então, é fundamental que o processo seja implementado para que nós, de médio a  longo prazo, resolvamos esse problema. É uma situação que vem de 400 anos, de uma exploração danosa no estado, e que não vai ser resolvida em 40 dias. Vamos demorar um prazo para resolver esse problema, mas toda caminhada começa no primeiro passo. E esse passo que nós demos é fundamental para que possamos cumprir a caminhada ao final.

4-O senhor acha que a lei servirá de modelo para outros estados?

Acho que a lei pode servir, sim, de exemplo para outros estados. Ouvi do superintendente do Ibama em Minas , o senhor Júlio Grilo (exonerado nesta quinta-feira), que nós aprovamos a melhor legislação para o setor no Brasil e a melhor legislação ambiental em Minas Gerais nos últimos 30 anos. Poucas vezes na história do nosso estado tivemos oportunidade de aprovar uma legislação que pudesse trazer tantos impactos positivos e benéficos para o meio ambiente e para nossa sociedade. Então, esperamos que a médio e longo prazo esses impactos sejam decisivos para que não voltemos a ter mais tragédias. E que sirva de modelo para ser implementado em outros estados e também pela união.

5-De alguma maneira, a lei pode inviabilizar a mineração em Minas?

De maneira nenhuma a lei inviabiliza a mineração. Isso foi um discurso elaborado pelo setor da exploração mineral no estado apenas para não diminuir a sua margem de lucro, que já é altíssima.  O impacto é muito pequeno. Para se ter ideia, os especialistas falam em torno de 3% de impacto, quando houver. Em alguns casos não haverá impacto considerável . Você pega uma empresa como uma Vale, que teve R$ 42 milhões de lucro líquido ano passado. Como é que 3% de impacto vai inviabilizar uma empresa desse tamanho, com capital desse tamanho e que distribuiu R$ 7 bilhões de lucro líquido para os seus acionistas no mundo inteiro? O que inviabiliza a mineração em Minas é o modelo que vinha sendo mantido, que é irresponsável, agressivo, violento e cruel com a nossa sociedade. A mineração perdeu a credibilidade e o respeito da nossa sociedade por não abraçar normas e técnicas mais rigorosas nos últimos anos. Isso sim tem feito mal à nossa sociedade.

Tenho traçado um paralelo com a indústria da aviação: nunca vi ninguém defender que, para ter voos mais baratos, as empresas abram mão da margem de segurança. Olha, vamos passar dois anos sem fazer manutenção no avião, porque nós vamos economizar. Isso não existe. Ninguém brinca com segurança na aviação civil, onde a queda do avião pode matar 200 pessoas. Por que se brinca com a segurança no setor como a extração mineral, onde a queda de uma barragem pode matar, como matou, mais 300 pessoas, sem contar o dano ambiental incalculável?  Temos barragens na Região Metropolitana (de Belo Horizonte) que se romperem nós perdemos a água do Rio das Velhas e do Rio São Francisco. Como se pode tratar com negligência uma coisa dessa seriedade? Se uma barragem dessa é rompida perdemos a condição de viver em Belo Horizonte, porque não teremos água para beber e nem dar aos nossos filhos. Isso não é metáfora e nem modo de dizer. É um fato.

6- O Brasil é conhecido por ter boas leis no papel que não são aplicadas na prática. Há risco de isso ocorrer com o ‘Mar de Lama Nunca Mais’?

Acho pouco provável.  Até porque os impactos das tragédias recentes são muito grandes e a sociedade civil está muito atenta para cobrar  do poder público o cumprimento da lei. Então, é um instrumento muito poderoso para o trabalho do Ministério Público, da Assembleia Legislativa, do Poder Executivo do estado, para que as mineradoras trabalhem de maneira mais responsável. Acredito que será uma enorme oportunidade de termos uma lei boa colocada em prática e que ajude o estado.

7-  Mestres da Dom Helder criaram o SAJA, iniciativa que tem objetivo de auxiliar pessoas que necessitam de informações e orientações na área do Direito Ambiental, como vítimas de Brumadinho. Como o senhor avalia o projeto?

Acho a ideia desse serviço fantástica e especial, porque temos a responsabilidade social de amparar essas vítimas. Me incomoda muito o fato de as vítimas terem psicólogos oferecidos pelas empresas, médicos oferecidos pelas empresas, advogados e orientadores oferecidos pelas empresas. Não tem jeito de você colocar a pessoa que causou o dano para amparar a pessoa que sofreu dano. Então, esse serviço teria que ser prestado pela sociedade ou pelo governo, de forma independente, para que as essas pessoas pudessem ter orientações em benefício das pessoas,  da sociedade e não orientações apenas para buscar mitigar os danos para as empresas.  É uma iniciativa louvável e muito importante.

8 – Nesse mesmo sentido, qual a importância de professores, como o Márcio Luís, no esforço para criar mecanismos legais como ‘Mar de Lama Nunca Mais’?

O Mar de Lama foi fruto de uma construção absolutamente horizontal, na qual envolvemos pesquisadores, professores, cientistas, advogados, juristas, ambientalistas, parlamentares, membros do Ministério Público, da Promotoria, da Procuradoria do Meio Ambiente, de áreas como criminal, defesa do patrimônio público, cidadãos comuns, que nem diploma tem mas com grande conhecimento prático da realidade dessas comunidades .

É fundamental para construção de qualquer legislação absorvemos tudo aquilo de bom que todos temos para contribuir. E uma pessoa com a capacidade do professor Márcio Luís tem muito para contribuir, hoje no governo do estado, para que legislações como essa sejam colocadas em prática e que outras ideias possam vir. A legislação é sempre fluida. De quando apresentamos o projeto no ano passado para quando aprovamos este ano,  já implementamos novas regras, porque, infelizmente, com a dor de Brumadinho tivemos ainda mais aprendizado.  Certamente, o professor Márcio Luís poderá, dentro do governo ou na academia, contribuir para que a lei seja, em muito pouco tempo, ainda mais aprimorada, trazendo novos avanços e colaborando ainda mais pela sociedade.

Redação Dom Total