Questão econômica é desafio para lei que restringe uso de plástico na Europa e no Brasil


A poluição por plástico tem uma característica importante já que há fronteira quando o assunto é oceano. (Pixabay)

Por Patrícia Almada
Repórter DomTotal

Problema global, o uso excessivo de plástico é um dilema enfrentado por governos de diversos países e, embora seja apontado há anos por organizações ambientais, fez soar um sinal de alerta nas Nações Unidas que, na 4ª Assembleia do Meio Ambiente, realizada em março, em Nairóbi, no Quênia, fechou um acordo provisório para, a partir de 2030, acabar com a poluição marinha por plásticos.

A preocupação é tamanha que estimativas apresentadas durante a edição de 2016 do Fórum Mundial de Davos apontam que os oceanos abrigarão mais detritos que peixes em 2050. Além disso, o sistema de produção, utilização e descarte de plásticos gera prejuízo entre US$ 80 a US$ 120 bilhões por ano com perda de embalagens plásticas.

O avanço dos plásticos nos oceanos também foi tema de reunião dos 28 países da União Europeia, incluindo o Reino Unido. Foi aprovado, recentemente, uma legislação que visa banir produtos plásticos descartáveis. A medida proíbe o uso de materiais descartáveis para os quais já existem alternativas menos poluentes no mercado, como canudos, copos, cotonetes, talheres e pratos. A legislação deve entrar em vigor em toda a União Europeia em 2021. Os produtos incluídos na proposta representam mais de 70% do lixo marinho, cujos materiais são encontrados em tartarugas, peixes, golfinhos e aves.

Para o professor de Direito Ambiental Internacional, André de Paiva Toledo, a medida é importante, mas não suficiente para eliminar a presença de plásticos do meio ambiente. Contudo, ele considera que a decisão pode servir de exemplo para outros países, como o Brasil.

“É um processo paulatino e não comum. Não significa que o plástico será extinguido de maneira absoluta. É possível que o Brasil e outros países se inspirem nessas normas criadas pela União Europeia. Acho interessante o fato de a legislação padronizar os 28 Estados-membros, pois um dos grandes desafios do plástico é ser um material economicamente interessante, que traz vantagens para as empresas que o utilizam. Então, ao determinar a substituição do plástico por outros materiais, é uma medida que tende a criar um empecilho concorrencial para as empresas”,  afirma.

Para André, a decisão da União Europeia visa também a não concorrência desleal dentro do mercado europeu. Porém, a concorrência desses agentes econômicos europeus em relação a outros continentes, onde o plástico ainda não é proibido, pode gerar resistência por parte dos europeus do ponto de vista de disputa de mercado global.

Concorrência de mercado e direito

A legislação aprovada pela União Europeia, de acordo com André, passa por uma análise econômica, pois o plástico é matéria prima e base de bens e mercadorias, tornando alguns produtos mais baratos e gerando acessibilidade. “O número de pessoas que consomem produtos plásticos é maior em virtude dos menores custos de produção na comparação com outros materiais. Se o mercado exige que o fornecedor apresente um produto com determinadas características, é claro que isso tende a forçar o setor produtivo a se adaptar aos consumidores”.

O professor ressalta que, às vezes, não há opção para algumas empresas, pois alguns fornecedores só utilizam plástico.

“Aí entra a força e o papel do poder regulamentador dos Estados, de maneira geral, por meio do direito, obrigando o setor produtivo a se adequar antes de haver uma modificação no padrão dos consumidores. Mas isso, evidentemente, se constrói por meio da opinião pública, do trabalho dos ambientalistas, por meio do trabalho que a ONU faz de alertar para o grau de poluição dos mares. Portanto, temos essa vertente mais política e jurídica que podem contribuir para o fim da utilização do plástico”.

De acordo com André, a poluição por plástico tem uma característica importante já que não há fronteira quando o assunto é oceano. “O mar é uma integralidade e diversos países são banhados por ele. Então, quando um determinado plástico, recipiente ou produto chega ao mar, ele se uniformiza”.

“Existe até um paralelo em relação à poluição atmosférica. Uma vez que os poluentes chegam à atmosfera, eles não se restringem a um determinado território ou espaço. Eles se globalizam. Por isso, a poluição do plástico é um problema global, que tem sido enfrentado internamente pelos países e internacionalmente”, explica.

Brasil

Do âmbito interno, o Brasil tem dado alguns passos para a redução de materiais plásticos, como sacolas, banidas de supermercados em várias cidades. No Senado, vários projetos tratam o tema e tentam restringir o uso de diferentes materiais plásticos.

“O Brasil possui projetos esparsos para reduzir a utilização de alguns plásticos. Esses projetos estão em andamento no Congresso Nacional. Há iniciativas estaduais, como um projeto famoso no Rio de Janeiro, uma legislação municipal, que proibiu a utilização de canudos e copos plásticos. Há também uma lei do Distrito Federal que tem esse propósito da redução de copos, talheres e canudos de plástico”, conta o professor.

Sacolas plásticas em Belo Horizonte

Os interesses econômicos são um importante limitador para se colocar em prática as decisões de restrição do uso de plástico. Um exemplo é a polêmica envolvendo sacolas plásticas em Belo Horizonte.

A Lei Municipal 9.529 /2008, de autoria do vereador Arnaldo Godoy (PT), proibiu, em 2011, o uso de sacolas plásticas feitas de derivados do petróleo. A medida reduziu, naquela época, em 85% o uso das embalagens. Muitas foram substituídas por sacolas biodegradáveis, mais caras e de menor impacto ambiental.

A legislação municipal foi questionada por fabricantes de sacolas e donos de supermercados. Em 2014, a Lei Estadual 21.412 sobrepôs à norma de 2011, como explica o professor.“Houve um conflito de normas (municipal e estadual) e, aparentemente, o setor de embalagens está levando a melhor nessa disputa, que é política. Quando se tem interesses econômicos envolvidos, essas são transformadas em linguagem política. Então, atualmente, em Belo Horizonte, temos o retorno das sacolinhas plásticas que atende a interesses, evidentemente”, diz André.

Apesar de considerar a lei municipal importante, André ressalta que “é uma questão muito marginal”. “A sacola plástica tem importância no total de plástico, mas é uma parte que não traz grandes impactos e repercussões no que diz respeito ao combate efetivo do plástico”, explica.

Questão ambiental

André lembra que toda poluição por plástico que chega aos mares tem como origem fontes terrestres. Há uma interação direta entre mar e terra feita pela existência dos cursos das águas. O lixo produzido, pelo fato de não passar pelo devido tratamento no âmbito terrestre, permanece no ambiente e, pela força da própria natureza, é carregado para os mares.

“Temos danos ambientais sérios que atingem a própria biodiversidade marinha. O mais grave também é que esse plástico entra na cadeia alimentar humana. O homem ainda é muito dependente da proteína pesqueira. Uma vez que esses peixes se contaminam com uma série de plásticos nos mares, esse material acabam voltando para o homem que utilizou o resíduo anteriormente”, alerta.

André explica que, para reduzir o uso excessivo de plástico, é preciso investir em tecnologia. “Além do papel do mercado consumidor para exigir que essa adequação se faça e dos Estados, no exercício do seu poder de regulamentação e soberania na determinação de uma norma jurídica, temos um terceiro elemento que é o financiamento e apoio ao desenvolvimento tecnológico. O plástico precisa ser substituído por outros materiais que sejam mais interessantes do ponto de vista ambiental. Portanto, não podemos esquecer o papel da ciência e tecnologia nessa questão”, conclui.