Discriminação dos animais por seu aspecto ameaça sua proteção


A imagem dos animais não é neutra no interesse que eles geram. (strikers/Pixabay)

Certos animais de aspecto repulsivo normalmente geram reações viscerais de repugnância. Mas um verme merece menos proteção do que um panda com olhos tristes? A imagem dos animais não é neutra no interesse que eles geram.

O tamanho, sua raridade, sua semelhança com o ser humano, uma forma estranha, sua inteligência, comportamento ou perigo em que se encontram são alguns dos múltiplos fatores que influenciam na reação de um ser humano diante de um animal.

“Mas um dos mais importantes é sua aparência. Características físicas como olhos grandes ou feições doces despertam nossos instintos parentais porque nos lembram um bebê humano”, explica Hal Herzog, professor de psicologia na universidade americana West Carolina.

Esse especialista em relações entre homem e animais dá como exemplo a comparação entre um panda, com sua máscara preta ao redor dos olhos, e outra espécie asiática que corre ainda mais perigo, a salamandra chinesa gigante. “Este animal parece um grande saco de 65 quilos de gosma marrom com pequenos olhos penetrantes”.

Os vermes, sem olhos ou pernas, “parecem mais uma vida extraterrestre primitiva do que um animal com o qual um humano pode se identificar”, acrescenta.

No entanto, embora sejam fundamentais para a vida dos solos, despertam asco assim como os ratos e cobras. Um sentimento “provavelmente transmitido social ou culturalmente dentro das famílias”, diz Graham Davey, especialista em fobia da Universidade de Sussex.

Alguns se assemelham a “coisas primárias repugnantes como muco ou matéria fecal” e outros estão ligados à transmissão – real ou imaginária – de doenças.

Há muito mais riscos de sofrer de uma doença do que de ser pego por um animal selvagem, o que explica por que não sentimos rejeição aos leões ou ursos, grandes predadores, mas também por mamíferos cobertos de pelos que muitos usam como bichos de pelúcia.

Em geral, as pessoas têm menos tendência a se preocupar com o que pode “representar um problema”, diz Jean-François Silvain, presidente da Fundação Francesa para Pesquisa em Biodiversidade.

Assim, “uma barata tem uma expectativa de vida muito curta, se não estiver escondida no fundo de um armário”, comenta o entomologista.

No entanto, ele celebra a “consciência” promovida pelos estudos recentes que mostram uma queda sem precedentes das populações de insetos no mundo, espécies fundamentais para ecossistemas e economias.

“Expelindo gosma”

Mas a imagem de um animal também pode ser influenciada pela cultura popular, especialmente pelo cinema.

Enquanto “Free Willy” criou uma onda de simpatia pela proteção das orcas, “Aracnofobia” não ajudou as aranhas, ou “Tubarão” os tubarões.

Mas de acordo com Graham Davey, “Alien” causou ainda mais danos. É verdade que não se trata de um animal. Mas “ver as garras de um extraterrestre expelindo gosma em um filme” torna as pessoas “mais sensíveis a coisas desagradáveis”.

E o público não é o único afetado: um estudo da Scientific Reports mostrou em 2017 uma correlação entre as preferências sociais e espécies mais estudadas pelos cientistas.

“Talvez porque é mais fácil de conseguir dinheiro” para estes estudos, diz um dos autores, Frederic Legendre, pesquisador do Museu Nacional de História Natural da França.

Também é mais fácil levantar fundos, diz Christo Fabricius, da ONG WWF, que usa há meio século um panda em seu logotipo. “Os répteis, por exemplo, não vendem muito”, comenta.

Enquanto alguns podem se incomodar que o dinheiro e a atenção se concentrem nos pandas e outors mamíferos carismáticos, favorecê-los não é absurdo.

“Quando se protege espécies emblemáticas, seu habitat é protegido e, portanto, os organismos encontrados neles se beneficiam”, destaca Frédéric Legendre.

Mas ser um elefante ou um tigre também não é garantia de sobrevivência.

De acordo com um estudo publicado em abril na revista PLoS Biology, a presença maciça “virtual” destas espécies carismáticas em nossas telas, em livros infantis, camisas ou caixas de cereal faz a população acreditar que também são comuns na natureza. Mas a maioria está em perigo.

E quanto mais raros “maior o seu valor para a medicina tradicional, para a caça de troféus e, portanto, são mais caçados, como os rinocerontes”, diz o principal autor Franck Courchamp, do CNRS.

Então, seja feio ou bonito, conhecido ou não, para evitar que algum animal seja deixado de lado há somente uma solução, de acordo com cientistas: proteger a todos.

AFP