Manejo do pirarucu é caso de sucesso no uso sustentável dos recursos naturais


Turistas navegam na floresta amazônica inundada na Reserva Mamirau, a maior área protegida do Brasil. (AFP)

Apesar de colossal, o pirarucu (Arapaima gigas) quase desapareceu dos rios e lagos amazônicos. Podendo chegar a 3 metros de comprimento e 200 quilos de peso, o peixe, conhecido como ‘bacalhau da Amazônia’, foi vítima da sobrepesca e ameaçado de extinção.

Mas graças a um programa de manejo, realizado por cientistas do Instituto Mamirauá com base no conhecimento das comunidades tradicionais, o peixe voltou a ser abundante na região das reservas Mamirauá e Amanã, a 500 km de Manaus, no coração da Amazônia.

Com o declínio de atividades como a exploração da borracha, no início do século XX, a pesca se tornou um importante meio de subsistência para as populações ribeirinhas. A intensificação da atividade e os incrementos tecnológicos em embarcações e na produção de gelo, que permite armazenamento prolongado do pescado, aumentaram a pressão sobre as espécies, em especial o pirarucu.

Diferentemente de outros peixes, o pirarucu tem um sistema respiratório complexo, dotado de brânquias e uma bexiga natatória adaptada como pulmão. Suas características fisiológicas o obrigam a subir à superfície a cada 20 minutos para respirar ar atmosférico.

É neste momento de ‘boiada’, como chamam os pescadores, que ele é percebido e capturado. Mas também pode ser contado, uma estratégia importante no plano de manejo.

Prática tradicional com aval científico

“Os pescadores sempre contavam o pirarucu. Quando a pesquisa (do instituto de desenvolvimento sustentável Mamirauá) entrou, foi criado o grupo de contadores. Eles treinavam a pessoa, ao mesmo tempo em que aprendiam com os pescadores, que se dividiam em grupos para contar os peixes quando sobem para respirar”, explica à AFP Maria Luzilene de Castro, de 48 anos, que mora há 37 anos na comunidade Jarauá, uma das que aderiram ao manejo.

“Esse plano de manejo tem 20 anos. O pirarucu voltou em abundância. Hoje, eles (pescadores) dizem que tem mais pirarucu do que outros peixes”, continua, enumerando o tambaqui (Colossoma macropomum) entre as outras espécies pescadas na localidade.

Josué de Castro, de 43 anos, foi um dos contadores treinados pelo instituto. Ele lembra que, antes do manejo, quase não havia mais pirarucus no Jarauá.

Em 1995, receberam a visita de pesquisadores do instituto, mas estes não acreditavam que era possível contar o pirarucu porque não existia técnica científica similar, embora os pescadores já o fizessem por causa de sua experiência com a pesca.

Demonstrada a habilidade, foi a vez de aplicar a metodologia científica para certificá-la.

“Na metodologia de contagem, você conta (o pirarucu) a cada 20 minutos. Ele (o peixe) vem na superfície, fica fácil de você ver. A gente ia fazer a contagem em todos os (332) lagos da reserva. Depois da contagem, (os pesquisadores do instituto) passavam o arrasto e você via tudo que tinha ali dentro”, lembra Josué.

“Se você contou cinco e tem cinco grandes, você é capaz de contar. Nem toda vez você acerta, mas existe uma percentagem de 30% para mais ou para menos”, explica.

Hoje, a pesca do pirarucu, é feita de forma sustentável na área das reservas, com base em cotas estabelecidas a partir do total de peixes contados no ano anterior, e respeito ao defeso (período reprodutivo), sendo liberada anualmente de julho a novembro e proibida nos outros meses.

Segundo relatório do Instituto Mamirauá, em 2018 o manejo do pirarucu rendeu R$ 1.566.309,50 em Mamirauá e Amanã, valor distribuído entre mais de 700 pescadores. Com a pesca sustentável, a população do peixe saltou de 2.507 espécimes em 1999 para 190.523 em 2018.

“A história do pirarucu resume esse casamento entre conhecimentos, resume bem Mamirauá. Um pesquisador vem de fora para fundamentar o manejo de uma espécie ameaçada, o pirarucu, que é de interesse local também. Esse conhecimento tradicional, validado pela ciência, permitiu que a gente fizesse contagem com dez pescadores em um lago de grande extensão em um único dia”, afirma Emiliano Ramalho, diretor técnico-científico do Instituto Mamirauá.

“Levaríamos meses se fôssemos fazer marcação e recaptura, único método científico possível para esse tipo de contagem”.

AFP