Uso de combustíveis mais limpos pode encarecer transporte marítimo


Contêineres procedentes da China no porto de Long Beach (Califórnia, Estados Unidos), em agosto de 2019. (AFP/Arquivos)

A obrigação, a partir de janeiro de 2020, de usar combustíveis menos poluentes implica uma revolução que pode aumentar o custo do transporte marítimo, assim como o preço do combustível para os particulares.

Em 2016, a Organização Marítima Internacional (IMO) decidiu que a proporção de enxofre no combustível deve cair para 0,5% a partir de 1º de janeiro do próximo ano, contra o nível atual de 3,5%.

O objetivo é limitar as emissões altamente tóxicas de dióxido de enxofre provocadas pela enorme frota de 80 mil navios que transportam mercadorias, ou matérias-primas, pelos mares do planeta.

O transporte marítimo provoca quase 400 mil mortes prematuras e 14 milhões de casos de asma infantil por ano, segundo um artigo publicado em 2018 na revista Nature.

As transportadoras terão várias opções.

A primeira delas é continuar usando o combustível pesado atual, mas com depuradores de gases – scrubbers. Os sistemas são caros, porém, e alguns despejam no mar a água para lavagem, o que pode ser proibido a médio prazo.

“Há incerteza sobre o futuro da regulamentação”, afirma Nelly Grassin, da Armateurs de France.

A segunda possibilidade é usar combustíveis alternativos, como o gás natural liquefeito (GNL). Esta também é uma escolha limitada, porém, porque o GNL não se adapta a todas as linhas de transporte marítimo e exige uma estrutura de abastecimento específica.

A opção mais óbvia seria adotar combustíveis compatíveis com a nova regulamentação: combustível marítimo com baixo teor de enxofre, ou o diesel marítimo.

O transporte marítimo consome atualmente 3,6 milhões de barris de petróleo por dia. Do total, quase 600 mil devem permanecer com o mesmo combustível usado atualmente, mas com scrubbers, e o restante não cumprirá as novas regras, ao menos no momento.

“Isto deixa quase três milhões de barris por dia que terão que se ajustar à nova norma de 0,5% de enxofre”, disse Chris Midgley, analista-chefe da S&P Global Platts.

Para o mercado, esta é uma revolução. De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), é “a maior transformação até agora do mercado de produtos de petróleo”.

A primeira consequência será um aumento de custo para os armadores, que poderiam repassar parte dos custos para os clientes. Isso teria consequências no preço dos produtos transportados.

Mais sofisticados e mais refinados, os novos combustíveis “são duas vezes mais caros, mas podem aumentar ainda mais com o avanço da demanda”, aponta Nelly Grassin.

Para as empresas petroleiras, é um bom negócio, ao menos em curto prazo, porque suas margens de refino aumentarão.

Ao mesmo tempo, porém, as empresas terão de abrir mão do combustível pesado, cujo excedente pode servir para alimentar as centrais elétricas, entre outros.

O aumento da demanda de produtos petroleiros mais sofisticados também afetará os combustíveis para automóveis e aviões, com um possível aumento dos preços.

“O barril de Brent pode aumentar e se aproximar dos US$ 70 (aproximadamente R$ 288), talvez superar os US$ 70 no fim do ano”, afirma Chris Midgley.

Atualmente, a cotação está abaixo de US$ 60 (aproximadamente R$ 247).

Alan Gelder, analista da empresa de consultoria Wood Mackenzie, acredita que “o público em geral será afetado pela regulamentação da IMO de duas maneiras: no custo do transporte por avião e no preço do diesel para carros”.

AFP