Ouro ou água? O dilema que se impõe aos indígenas dos Andes equatorianos


Indígena posa ao lado de cartaz que proíbe a entrada à concessão mineradora em Quimsacocha, na província de Azuay, Equador. (AFP)

“Temos que decidir entre o ouro e a água. O que preferimos, companheiros?”, pergunta o líder indígena Yaku Pérez. “Água”, gritam em uníssono uns ativistas que se opõem à mineração em Quimsacocha, nos Andes equatorianos.

A água cristalina corre por vertentes serpenteantes na região. Desce o ‘páramo’, um frágil ecossistema de alta montanha típico de zonas equatoriais, e abastece os afluentes em sua passagem. Indígenas e camponeses alertam para uma ameaça: a mineração.

Na província de Azuay, no sul do Equador, metade dos 20 mil hectares do páramo de Quimsacocha (“três lagoas”, em quéchua), que se conserva em estado natural, está outorgada em concessão à canadense INV Metals Inc.

Esta mineradora desenvolve um projeto considerado estratégico pelo governo equatoriano. Está em fase de exploração, com reservas de 2,2 milhões de onças de ouro, 13,3 milhões de onças de prata e 88 milhões libras de cobre, segundo cifras oficiais.

“Bem-vindos. Projeto Loma Larga. A nova mineração”, diz um grande letreiro colocado em uma trilha em Quimsacocha, a mais de 3 mil metros de altitude.

Ao fundo, vê-se uma das muitas cachoeiras que abastecem rios de Cuenca, capital de Azuay, situada 80 km ao norte deste ‘páramo’, que retém a água como uma espécie de esponja natural gigante.

Neste campo desabitado, onde os ventos gelados movimentam a vegetação e o sol mais queima a pele que aquece, a INV Metals prevê construir uma mina subterrânea e iniciar em 2021 a produção de concentrado de ouro.

“Podemos viver sem ouro”

Em março passado, uma histórica consulta popular local resultou na proibição das atividades de mineração em toda Quimsacocha, considerada reserva da biosfera e onde apenas 3,2 mil hectares eram protegidos.

“Podemos viver sem ouro, mas sem água jamais”, disse à reportagem Pérez, cujo pré-nome, Yaku, significa “água” em quéchua, e foi eleito governador de Azuay em eleições recentes.

O homem, de 50 anos, indígena do povo cañari kichwa, lidera a “resistência” de uma parte de aborígenes e camponeses contrários ao extrativismo e em defesa das fontes de água.

“Aonde chega, a mineração leva à espoliação dos territórios, à violência na comunidade, desestabiliza a democracia, gera corrupção institucional, contamina as águas, envenena os rios”, afirma, às margens da cachoeira Tasqui, enquanto aproveita para matar a sede com suas águas cristalinas.

Pérez, que promove consultas populares para vetar a mineração inclusive em todo o país, acrescenta que as mineradoras “tiram a carne e deixam o osso, mas o osso contaminado”.

O Equador, que em julho iniciou a exploração em larga escala de metais e conta com projetos que se situariam entre as principais jazidas do mundo, receberá US$ 554 milhões da Loma Larga, de acordo com dados oficiais.

“A mineração é como uma miragem. Nos dão um dinheiro por um tempinho e esse dinheiro depois se evapora, vira fumaça. Ou seja, pão para hoje, fome e desolação para amanhã”, diz Pérez, taxativo.

Ouro para ostentação

Este advogado defende Quimsacocha até as últimas consequências e faz de tudo para eludir os cercos que o impedem de chegar ao ‘páramo’. Seus seguidores cortam com uma serra as correntes que mantêm fechada uma estreita passagem para veículos no alto das montanhas.

Na lateral da passagem, vê-se uma placa de letras brancas, pintadas sobre um fundo azul, que diz “Propriedade Privada. Proibida a entrada”.

“Isto não é propriedade privada, isto é propriedade comunitária. Temos escrituras de 1893, os avozinhos compraram toda este matagal gigante e não queremos as terras para cultivar, mas para reserva e recarga hídrica”, diz o prefeito, enquanto os elos da corrente caem.

Aqui “não vamos permitir os mineiros”, reforça quase simultaneamente Maria Dorila Fajardo, aborígene de 60 anos, vestindo uma saia vermelha e com um gorro de lã cobrindo-lhe a cabeça.

Pérez vê nas consultas populares, que devem ser avalizadas pela Corte Constitucional, o caminho para que “o Equador seja declarado território livre de mineração metálica e suas fontes de água e seus ecossistemas, frágeis”.

Além de ambientalistas, indígenas e camponeses, já conquistaram sua primeira vitória legal, ao blindar o páramo de Quimsacocha.

No entanto, o governo confia em que a entidade Constitucional impeça novos plebiscitos como demonstração de que o país oferece segurança jurídica para poder atrair mais investimento estrangeiro à mineração, que até 2021 receberá capitais da ordem de US$ 2,252 bilhões, impulsionando o PIB a crescer de 1,61% em 2018 para 4%.

Depois de ter sido preso quatro vezes por “defender a água”, Pérez enfatiza que “o mundo está tão louco. Ouro para se enfeitar. Para que? Ouro para guardar e se gabar de que é rico”.

AFP