‘O Brasil não é coerente desde a Eco-92’, afirma diplomata


Segundo o diplomata que coordenou a Eco-92, o país resolveu se distanciar de um consenso sobre meio ambiente e direitos humanos. (Jody Amiet/AFP)

O Brasil tem mais a perder do que ganhar ao adotar uma postura diferente em relação ao meio ambiente, pauta cuja defesa consolidou a imagem do país como um dos líderes globais dessa discussão nas últimas décadas, em especial em foros internacionais. “Houve a ruptura de um equilíbrio”, afirmou o diplomata Marcos Azambuja.

Azambuja coordenou a Conferência da ONU sobre Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92, realizada no Rio, com 108 chefes de Estado para conciliar desenvolvimento econômico com conservação dos recursos naturais, há 27 anos. “O Brasil era visto como um sócio necessário e natural de uma causa comum e, agora, inspira desconfiança. O país não está sendo coerente com sua política ambiental desde a Eco-92”, disse o diplomata.

O Brasil se consolidou como protagonista, nos últimos anos, da defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. O país estará agora diante do mundo na tribuna das Nações Unidas e enfrenta questionamentos por causa dos incêndios na Amazônia e da política ambiental. Como chegamos até aqui?

Houve a ruptura de um equilíbrio. Há muitos anos, o Brasil não era mais alvo de nenhuma reação mundial. Pelo contrário, era parte de um consenso. Agora, passamos a ter um comportamento permissivo demais e acusamos ONGs e países de conspiração. Depois de tantos anos de harmonia, temos uma relação conflituosa. O Brasil era visto como um sócio necessário e natural de uma causa comum, mas agora inspira desconfiança. Resolveu se distanciar de um consenso sobre meio ambiente e direitos humanos. Ainda que o Brasil tivesse suas especificidades, estava de acordo com o ideário global, tinha uma ideia de atenção sustentada sobre desenvolvimento sustentável. O mundo aceitava que o Brasil estava agindo com prudência, embora quisessem que fôssemos mais velozes.

O que fazer para mitigar possíveis danos na Assembleia-Geral das Nações Unidas?

No momento, desconfio da filosofia do nosso representante. Em condições normais, o objetivo seria restabelecer a confiança, já que a política externa é construída sobre confiança recíproca. Há uma repartição de responsabilidades, por isso é preciso diálogo e entendimento. Mas não vejo esses ingredientes. Minha impressão é de que a situação, diplomaticamente, tende a piorar antes de melhorar.

Que ganhos e prejuízos essa mudança em relação ao meio ambiente pode trazer?

Os prejuízos são mais fáceis de antever. Ganhos, não vejo nenhum. Vejo perdas na confiança internacional e na credibilidade. O Brasil deveria oferecer credibilidade para ter acesso a órgãos mais importantes e a mais mercados. A desconfiança é terrível, afeta investimentos, o turismo, a parte cultural. É bom ser visto como pacífico, construtivo, como um país que contribui para a criação de um consenso internacional. O Brasil é naturalmente um país multilateralista, tem 10 vizinhos. Nossa vocação é o convívio, o diálogo, a integração, e temos de manter isso. Então, em termos de política externa, não é um bom momento.

Um dos marcos do país na defesa ambiental foi a Eco-92, da qual o sr. foi coordenador.

O mérito da Rio-92 foi encontrar no desenvolvimento sustentável uma fórmula salvadora. Ela foi marcada por grande otimismo. E dali surgiram muitos instrumentos que consagraram a ideia do desenvolvimento sustentável. Ela leva ao Protocolo de Kyoto, ao Acordo de Paris. Era uma fórmula que parecia boa para todos. O que não se imaginou é que a degradação do meio ambiente fosse ser potencialmente tão veloz e tão ameaçadora. Depois de Kyoto, há uma divisão: aqueles que pensavam que alterações climáticas tinham poucos anos para serem remediadas e os que acham essa visão um imenso exagero.

E no Brasil, o que mudou?

O país incorporou no seu ideário nacional a proteção do meio ambiente. Deixou de ser uma ‘ideia estrangeira’ para ser uma causa nacional. O Brasil começou a cuidar do meio ambiente não porque fosse bom para a Dinamarca, mas porque uma floresta queimada é ruim para nós. Então, se alinha com uma boa causa, participa de todas as COPs, da Rio +10, da Rio+20, até que assinamos as convenções do Acordo de Paris. O país ia navegando de maneira tranquila em harmonia com o mundo. Mas, agora, o Brasil não está sendo coerente com a sua política ambiental desde a Eco-92.

Agência Estado/Dom Total