Movimento Ecos e suas experiências de sustentabilidade


Por Willio Campos Anselmo

Em 1987, a partir do relatórioNosso Futuro Comum” emitido pela Organização das Nações Unidas (ONU), o termo sustentabilidade passou a ser relacionado com as causas ambientais, tendo em vista a noção de desenvolvimento sustentável que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas necessidades. A preocupação ambiental que era emergente nos anos 60 e 70 tornou-se então consolidada na fala internacional da Comissão da ONU.

No Brasil, a preocupação com o meio ambiente foi regulamentada pela Constituição da República de 1988, no art. 225, que dentre alguns objetivos para a realização efetiva da proteção ao meio ambiente, deu destaque na educação ambiental nos seguintes termos: VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.

Especializada em Direito Ambiental, a Dom Helder Escola de Direito, no ano 2000, implementou como projeto da área de extensão o Movimento Ecos a fim de levar à comunidade de Belo Horizonte a educação ambiental como elemento de transformação sustentável. O sucesso do projeto era inevitável, já que num contexto de necessidades e carências ambientais, ele veio suprir uma lacuna com excelência de ensino e educação. A Dom Helder e depois a EMGE Escola de Engenharia passaram juntas a trabalhar e desenvolver o que devemos entender por sustentabilidade.

Sustentabilidade: uma palavra multidimensional

A noção de ecologia como área do conhecimento humano, proposta por Ernest Haeckel, em 1870, admitiu como objeto de estudo os seres vivos para além do nível individual. Nessa perspectiva, as interações dos seres vivos em comunidade, ou biocenose, sob a relação e influência do ambiente físico e de fatores químicos e físicos, denominados como biótopo, formam o que conhecemos como ecossistemas.

Um ecossistema sustentável, nesse sentido, consistiria em uma comunidade de seres vivos que vivem em equilíbrio e impulsionam a manutenção de seus componentes e de gerações futuras no ambiente que habitam. Portanto, sustentabilidade é condição de sobrevivência de qualquer sistema vivo na natureza.

No entanto, sustentabilidade é um conceito humano, fruto de uma atividade do intelecto e da condição cultural de linguagem e comunicação. Uma palavra (signo) criada para atribuir uma compreensão passível de ser transmitida (significado) de uma ideia ou coisa que se concebe materialmente (significante). Por ser um fenômeno linguístico e conceitual, o significado do termo não é fechado e estático, permanecendo restrito no campo sintático. Há variações semânticas e pragmáticas, na medida em que modificamos o contexto de análise.

Como a sustentabilidade de um ecossistema admite a leitura da atividade biológica e da sua atuação na comunidade pertencente, as dimensões de compreensão do termo se ampliam na medida em que reconhece a sua aplicação em outros espaços. Essa evolução no entendimento sobre a temática, hoje, admite sua ressignificação sob seis enfoques: sustentabilidade ambiental, econômica, social, política, cultural e territorial.

Por Sustentabilidade Ambiental compreende a conservação e o manejo racional dos recursos naturais disponíveis à sobrevivência e desenvolvimento humano na natureza. Muito embora a sedimentação do homem no planeta, pela descoberta da agricultura e da pecuária, permitiu maior controle e segurança sobre o seu destino, isso não afasta a possibilidade de seu perecimento do Globo. Isso porque, toda perpetuação de espécie não pode permitir o perecimento de seus recursos destinados a sua sobrevivência. O controle da produção de alimentos não é garantia para de alimentação a todos os integrantes do planeta.

A primeira objeção que se percebe para a ideia é o fato de, mesmo com capacidades de produção agrícola sempre em alta, há no mundo uma crise histórica de fome e de desnutrição. Portanto, a má distribuição de alimentos impacta a saúde e a segurança mundial, na medida em que reproduz a competitividade intraespecífica e abala a sustentabilidade social. O segundo ponto dessa objeção é que o grau de produção de alimentos cresce na mesma proporção que o desperdício, ou seja, a fome existente no mundo é responsável pela má distribuição e desperdício do que se produz.

Para toda forma de se produzir há gastos de recursos naturais, que, consequentemente, recai na segunda objeção a ideia de controle e capacidade produtiva. Para cada pé de alface cultivado são necessários 25 litros de água consumível para sua produção final. O uso excessivo de água para a agricultura é um vetor preocupante, pois altera os microssistemas fluviais, rebaixa o lençol freático, causa desertificação de áreas nativas e prejudica o ciclo hidrológico normal.

A experiência do Movimento Ecos, nesse campo de sustentabilidade, é levar ao agente envolvido a compreensão de que os recursos naturais são escassos. Que é preciso valorizar cada gota d’água! Emocionante é ver o entusiasmo de alunas e alunos, professoras e professores no cuidado com cada projeto. O que cria um novo olhar sobre a escola e o equipamento público. Elimina-se o desperdício com pequenas ações e reaproveita o que antes era dispensado como lixo. Em andamento, a campanha Agir Socioambiental, concurso e premiação para as ações socioambientais em época de isolamento social devido à pandemia da Covid-19.

Consequência lógica dessa dimensão, a Sustentabilidade Econômica compreende como desenvolvimento econômico que utiliza de recursos sem prejuízos à manutenção de gerações futuras. Destaca-se a distinção do desenvolvimento e crescimento econômico. Para se desenvolver, as riquezas econômicas produzidas necessitam ser distribuídas e utilizadas de modo mais equilibrado entre os agentes internos de uma determinada comunidade ou população. Quanto maior o índice de desenvolvimento econômico humano, menor é a distância econômica e social entre os indivíduos de uma determinada sociedade.

O crescimento social permite que a concentração de riquezas permaneça dentro de um sistema econômico mono ou oligopolizado, enquanto o desenvolvimento admite maior equidade entre os agentes econômicos. Os impactos sociais desse desenvolvimento são infinitos e podem ser estudados sob diversas perspectivas, tais como: amplitude de índices de desenvolvimento humano; menores taxas de criminalidade e maiores taxas de qualidade de vida, dentre outros.

No Movimento Ecos, o lixo ganha uma destinação econômica na escola e no entorno de sua comunidade. Experiências como o ecoponto, implementado em algumas escolas, permitem a transformação do lixo em recursos para a implantação do projeto, reparos e modernização na estrutura hidráulica e elétrica da escola, cultivo e ampliação de hortas e áreas verdes.

Também como derivada, a Sustentabilidade Social consiste na redução das diferenças sociais, com o fim de alcançar a melhor qualidade de vida a toda a população constituída em um determinado território, através do acesso efetivo de direitos sociais, tais como educação, saúde, moradia, dentre outros. Em um sistema social, o indivíduo não pode ser considerado como um agente isolado, na medida em que as suas interações sociais refletem na vida de toda a comunidade. Uma visão sistêmica de sustentabilidade social exige que um indivíduo tenha a mesma importância que outros.

A realidade social construída historicamente determinou a sociedade segmentada entre classes ou estamentos. Tomando como exemplo Roma antiga, a sociedade era dividida em determinados grupos sociais de mais ou menos privilégios de liberdades e propriedades. Esse modelo, ainda reproduzido pelas sociedades atuais gera o descompasso social de má distribuição de renda e acesso a direitos e equipamentos sociais.

A divisão social alimenta a disputa e acirramento entre os indivíduos, gerando a competitividade intraespecífica com risco predatório. O arrefecimento dessa competição se dá por um processo cooperativo, em que a leitura da estabilidade social determina a compreensão de que cada indivíduo exerce uma função própria e determinante para a vida social.

No sentido de contribuir com essa sustentabilidade, o Movimento Ecos oferece aos seus participantes a possibilidade de bolsas integrais e parciais nos cursos de Direito, Ciências da Computação e Engenharia Civil. Hoje a Dom Helder e a EMGE contam com mais de 400 bolsistas vindos das escolas parceiras, que recebem educação de ponta como resultado de sua participação no projeto.

A Sustentabilidade Política se insere no processo de desenvolvimento e consolidação da democracia como regime político decisório, sobretudo, nos Estados modernos. Tem por fundamento o princípio da participação popular nos atos de gestão ambiental, que condiciona, inclusive, diretrizes de atuação ao Direito Ambiental.

Trata-se de um modelo de sustentabilidade já reconhecido no Brasil, desde 1981, que no processo de redemocratização brasileira, determinou a criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente, pela lei 6.938/81. Esta lei previa a criação do Conselho Nacional de Meio Ambiente, CONAMA, como órgão consultivo e deliberativo de políticas ambientais que é composto por membros da sociedade civil. Simetricamente aos governos estaduais e municipais, também são formados os conselhos deliberativos e consultivos para as políticas públicas ambientais de sua esfera de competência.

O Movimento Ecos, ao instrumentalizar formas de educação socioambiental, prepara os envolvidos a tornarem cidadãos mais conscientes e responsáveis de seu compromisso social com a realidade política. Os estudantes de hoje serão nossos gestores no amanhã.

Numa sociedade plural, formada pela miscigenação de culturas, não há como falar de sustentabilidade sem que haja o respeito por uma Sustentabilidade Cultural. Sustentabilidade é a manutenção e conservação de uma diversidade. Por essa razão, a interação biológica de um ecossistema não é a única forma a ser preservada ou garantida. A diversidade cultural também deve ser considerada.

Nessa dimensão de equilíbrio, par e passo à dimensão social, busca-se a proteção, respeito e conservação de culturas locais e características identitárias a determinados grupos e comunidades. Sustentar a hegemonia cultural de um povo ou uma única tradição é exatamente o oposto da ideia central de sustentabilidade enquanto equilíbrio. Por essa razão, para se manter a equalização social é preciso de atingir e desenvolver mecanismos próprios que permitam o reconhecimento e a conservação do acervo urbanístico, paisagístico e ambiental, que são próprios às tradições e memórias de comunidades.

Mesmo em centros urbanos, é capaz de destacar comunidades quilombolas e indianistas, que se sentem sufocadas pelo crescimento industrial e verticalização urbana. São nessas comunidades que se destaca a necessidade de manutenção cultural sustentável.

Paralelamente ao projeto central da escola, o Movimento Ecos desenvolve projetos culturais, reconhecendo como manifestações artísticas e criativas as edições de Garota e Garoto Ecos, Dança de Rua e Forró, dentre outros. Estão em andamento os concursos Grafar-Ecos e Redige-Ecos.

Hoje também se reconhece como campo dessa Sustentabilidade a sua leitura espacial ou territorial. Esse modelo de sustentabilidade busca a compreensão de que a realização de um desenvolvimento macro ou global é produto de uma ação local ou microrregional. Indutivamente, são preservadas as interações ambientais direcionando práticas humanas no seu aspecto geográfico. Sabe-se, por exemplo, que a migração é um dos principais fatores de saturação do ambiente urbano e suas nefastas consequências ambientais. A busca da sustentabilidade espacial é alcançar a equalização do espaço geográfico entre a ambiente urbano e o ambiente rural, buscando novas metodologias organização social.

Nesse sentido, o controle da qualidade de vida local, seja ele urbano ou rural, prioriza mecanismos que permitam a diminuição do êxodo migratório, no sentido de buscar práticas sociais e econômicas de modo descentralizado. De certo modo, busca-se eliminar a compreensão do que é urbano e o que é rural, como um sistema próprio e fechado de cada setor. Levar a indústria para o campo; criar postos de trabalho no campo sem a conotação ruralista, tais como o ecoturismo e postos administrativos; descentralização de educação superior; promoção de projetos agrícolas de pequeno e médio porte dentro dos centros urbanos; manejo e reaproveitamento dos recursos naturais disponíveis, tais como captação de água de chuva nas cidades; dentre outras formas de proteção, têm sido formas de manifestação da sustentabilidade territorial.

A produção e desenvolvimento de projetos socioambientais em escolas da rede pública de Minas Gerais extrapolam os muros da escola. Alcançam as casas dos alunos e da comunidade do seu entorno. Modificam o espaço urbano dando-lhe mais contorno ambiental. Irrigar a horta com a água captada pela calha do telhado já é realidade de algumas escolas.

Como se vê, a interação conceitual entre as leituras ou dimensões da sustentabilidade não se excluem. Ao contrário, se completam. No sentido de determinar a criação de mecanismos emergentes para controle e correção das mazelas socioambientais existentes. Igualmente a compreensão sistêmica do conhecimento, tomando como iniciativa epistêmica e científica das últimas décadas, impõe a compreensão que a relação de causa e efeito é determinante ao ambiente, aos seres-vivos e ao homem. Isso é o que o Movimento Ecos preconiza pela sua linguagem de que JUNTOS, PODEMOS!