Aumento do lixo no mar é sintoma de um problema social


Desde o pós-guerra, quando a sociedade começou a perceber os impactos do derrame de petróleo no mar e os peixes ficaram contaminados com poluentes, “os problemas com os oceanos não pararam, ao contrário, se diversificaram, e cada vez que pesquisamos e estudamos esses ambientes, percebemos novos tipos de poluentes que se agregam aos já existentes”, informa o oceanógrafo Alexander Turra à IHU On-Line.

Na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp, Turra adverte que a capacidade da sociedade em lidar com os resíduos gerados é inferior à produção desses resíduos que são lançados nos oceanos. “Como exemplo, posso citar alguns poluentes que ganharam destaque mais recentemente, a partir dos últimos 15 anos, que são os resíduos sólidos e os novos fármacos que acabam sendo detectados no ambiente, como antidepressivos, anticoncepcionais, antibióticos, que por meio da nossa urina vão parar no ambiente marinho. Essas são descobertas novas que fazem com que entendamos que a qualidade dos oceanos vem sendo afetada por uma série de poluentes”, relata.

Apesar de os estudos demonstrarem o crescente acúmulo de lixo no eixo do Pacífico Norte, Turra explica que atualmente não existe um diagnóstico global sobre a quantidade de lixo depositada nos oceanos. “Em termos de lixo no mundo como um todo, não temos um diagnóstico global que possa nos informar onde tem mais ou menos lixo e em que regiões ele está aumentando ou diminuindo. O que temos hoje são apenas estimativas feitas a partir da produção de plástico e do manuseio errado do lixo, o que nos dá uma projeção do lixo dos países. Esse é o único dado global que temos, mas ele não é um dado empírico, apenas uma estimativa”.

O biólogo frisa ainda que o despejo de lixo no mar tem uma raiz social e está diretamente relacionado às condições de vida das pessoas. “Na minha opinião, é nisto que temos que pensar, ou seja, refletir sobre onde está o grande problema. Aí perceberemos que o grande problema está na pobreza, na distribuição de renda muito desigual, no fato de ainda existirem pessoas morando em regiões onde não há serviços públicos e uma coleta e destinação de resíduos adequadas. A raiz dessa questão é social. Existe uma diferença muito grande entre países e localidades que têm estrutura, informação, organização da ocupação do solo, de modo que as pessoas, ainda que mais pobres, possam ter uma condição de vida melhor, minimamente decente e digna. Esse é um ponto importante”.

Na entrevista a seguir, Turra informa também que a partir de junho do próximo ano o Brasil irá lançar seu Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar, em decorrência do compromisso voluntário assinado pelo país na Conferência dos Oceanos, que ocorreu no ano passado em Nova York. “Esse plano está sendo estruturado e os arranjos institucionais e financeiros para dar base para esse plano já estão sendo pensados; eu estou atuando diretamente nesse plano e dando a visão estratégica dele em termos de participação popular. A ideia é que a partir de setembro seja feito o lançamento desse processo, que levará a uma consulta ampla na sociedade para identificar quais são os problemas que existem, quais as possíveis soluções, quem está fazendo o que, para organizarmos esse esforço que já existe para uma ação mais efetiva. (…) A ideia é que o plano seja construído de baixo para cima com a participação e sugestão das pessoas. É óbvio que um plano dessa magnitude vai trazer grandes orientações para que as coisas aconteçam, como orientações para os municípios e estados, e imagino que eles terão que se comprometer em elaborar seus planos de combate ao lixo no mar”, conclui.

Alexander Turra é graduado em Ciências Biológicas, mestre e doutor em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. É professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo – IOUSP. Membro do Grupo de Trabalho do GESAMP (Grupo de Peritos sobre Aspectos Científicos da Proteção do Ambiente Marinho). Atua no grupo de assessoramento para estudos sobre lixo nos mares e microplásticos do Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente.

Confira a entrevista.

Qual a situação dos oceanos no que se refere à poluição marinha? A partir de quando a poluição marinha passou a ser perceptível ou um tema de maior atenção para os biólogos marinhos e oceanógrafos?

Alexander Turra – A preocupação com a poluição dos oceanos começou a movimentar o interesse da sociedade depois da 2a. guerra mundial, porque nesse período começou a se perceber o impacto do pós-guerra no ambiente marinho. Um dos principais fenômenos que levou a essa preocupação foi o derrame de petróleo no mar e o consumo de peixes com poluentes, no Japão, contaminados por mercúrio, e esse consumo fez com que as pessoas tivessem o sistema nervoso comprometido. Esses episódios graves que ocorreram no pós-guerra deram origem a uma série de convenções, a partir dos anos 1970, que trataram desse fenômeno, como a Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e Outras Matérias, mais conhecida como Convenção de Londres.

Desde então, os problemas com os oceanos não pararam, ao contrário, se diversificaram, e cada vez que pesquisamos e estudamos esses ambientes, percebemos novos tipos de poluentes que se agregam aos já existentes. Ou seja, a nossa capacidade enquanto sociedade em lidar com os resíduos que geramos é inferior à velocidade com que geramos esses resíduos e ao modo como eles impactam os oceanos. Como exemplo, posso citar alguns poluentes que ganharam destaque mais recentemente, a partir dos últimos 15 anos, que são os resíduos sólidos e os fármacos que acabam sendo detectados no ambiente, como antidepressivos, anticoncepcionais, antibióticos, que saem da nossa urina e vão parar no ambiente marinho. Essas são descobertas novas que fazem com que entendamos que a qualidade dos oceanos vem sendo afetada por uma série de poluentes.

O senhor atuou no grupo de assessoramento para estudos sobre lixo nos mares e microplásticos do Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente entre 2015-2016. O que os estudos sobre lixo nos mares demonstram sobre a poluição dos oceanos? Além dos resíduos de fármacos, o que mais caracteriza e compõe o lixo marinho e como são feitos os estudos sobre poluição marinha hoje, a fim de verificar grandes extensões de lixo no oceano?

Alexander Turra – Ainda estamos estudando esses novos poluentes, mas é difícil lidar com eles porque esses produtos saem na urina e não são facilmente eliminados nas estações de tratamento de esgoto e acabam indo para o mar.

Diversos estudos estão sendo feitos por pesquisadores do mundo todo para entender o problema do lixo no mar. Portanto, está havendo uma quantidade muito grande de estudos, principalmente em relação aos microplásticos, que são aquelas partículas inferiores a cinco milímetros, menores que uma ervilha. Essas partículas estão dispersas no mundo todo e nós ainda precisamos entender quais são suas fontes, onde elas estão se acumulando e quais são seus impactos. Isso gerou dois relatórios mundiais — dos quais eu participei — elaborados pelo Grupo de Peritos sobre Aspectos Científicos da Proteção do Ambiente Marinho – Gesamp, que é um grupo de assessoramento da ONU. Nesses dois relatórios foram levantadas várias informações atuais sobre essas partículas.

Mas o problema é mais embaixo, porque em termos de lixo no mundo como um todo, não temos um diagnóstico global que possa nos informar onde tem mais lixo ou menos lixo e em que regiões o lixo está aumentando ou diminuindo. O que temos hoje são apenas estimativas feitas a partir da produção de plástico e do manuseio errado do lixo, o que nos dá uma projeção do lixo dos países. Esse é o único dado global que temos, mas ele não é um dado empírico, apenas uma estimativa.

Que informações esses relatórios geraram sobre o microplástico? Por que o microplástico é prejudicial ao ambiente marinho? Pode nos dar alguns exemplos das implicações do microplástico para a fauna e flora marinhas?

Alexander Turra – Estou revisando um capítulo de livro sobre os efeitos tóxicos e toxicológicos dos microplásticos, os quais têm um efeito principal: eles podem ser ingeridos por uma gama muito maior de organismos do que os itens maiores, por isso atingem um número grande de espécies e organismos. Ao serem ingeridas, essas partículas podem causar, dependendo do tamanho do animal, o entupimento do tubo digestivo, levando o animal à morte. Mas dependendo do tamanho das partículas, se elas forem muito pequenas, podem passar para dentro do sangue ou da hemolinfa e dos tecidos, de forma que podem ficar no organismo por um tempo e depois sair pelas fezes ou urina. Esses processos ainda são muito pouco compreendidos, mas o que sabemos, até hoje, é que essas partículas não se acumulam no organismo do animal.

De outro lado, e essa é uma situação mais crítica, essas partículas têm a capacidade de absorver poluentes que estão no ambiente, como derivados de petróleo. Nesse caso, ao atingirem os tecidos dos animais, há comprovação de que esses poluentes podem ser passados para as células adiposas e para as partes que têm gorduras dentro do corpo dos animais. Com isso, os animais podem ter um outro vetor de contaminação para os poluentes químicos que já estão no entorno, mas de uma forma mais concentrada. Esse efeito dos microplásticos é muito forte quando pensamos na ingestão das partículas e no efeito que essas partículas podem ter nos animais.

O senhor comentou que não existem dados empíricos sobre quais locais concentram mais lixo marinho, mas qual é a situação dos giros, conhecidos popularmente como ilhas de lixo oceânico? Fala-se muito da enorme poluição concentrada nas ilhas de lixo no Pacífico. Pode nos dar um panorama sobre a situação desses giros?

Alexander Turra – Esses grandes acúmulos de lixo flutuante nos giros dos oceanossão um fenômeno característico e já estão bem descritos. Existem cinco grandes giros e o que mais acumula lixo é o do Pacífico Norte, que também é o mais estudado. Esses giros não são uma ilha. É importante desmistificar essa informação, porque eles são grandes acúmulos de lixo, que parecem mais uma sopa de letrinhas, mas não dá para andar nesses ambientes, como numa ilha. O pessoal confunde esses giros com ilhas porque, no Pacífico, existem algumas ilhas que estão cheias de lixo que se acumulou ao longo do tempo e não foi retirado dali. Esse acúmulo acontece por conta da força dos ventos e das correntes, e ali o lixo sofre ação das ondas, do sol, dos ventos e fica se degradando em partículas menores.

Um estudo recente feito neste ano sobre o giro do Pacífico Norte ilustrou a possibilidade de vermos quase dois trilhões de partículas flutuando na água, principalmente partículas de tamanhos pequenos, menores que cinco milímetros. Então a grande quantidade de partículas está relacionada às partículas pequenas, mas o peso desse resíduo todo está associado a redes de pesca, que são perdidas ou descartadas propositalmente no ambiente. Esse estudo foi publicado há um mês na Nature Scientific Reports, e ilustra essa situação.

Segundo o governo do Reino Unido, até 2025 os oceanos do planeta estarão três vezes mais poluídos com plástico. Esse prognóstico tende a se concretizar? O plástico é o grande poluidor dos oceanos?

Alexander Turra – Essas estimativas são difíceis de se fazer, mas a tendência é de piora por conta do aumento da produção de plástico prevista para os próximos anos e a não melhora dos sistemas de gestão e da forma como as pessoas lidam com esses produtos. Esses produtos não vão parar no mar sozinhos; eles são efeito da sociedade e precisamos entender qual é esse efeito, o efeito do indivíduo, da prefeitura, do governo, da educação. Se não existir uma ação que se contraponha a esse cenário, nada vai mudar.

Atualmente uma série de ações estão sendo planejadas, como os Planos de Combate ao Lixo no Mar, que já existem em vários países do mundo. Na região do Mediterrâneo, do Pacífico Sudoeste, do Mar do Norte, por exemplo, alguns planos já estão sendo implementados e serão cada vez mais elaborados em nível de países. Essa é uma das coisas que estão sendo pensadas como resultado desse processo internacional do qual eu participo, que você mencionou anteriormente. Cada vez mais os estados membros da ONU serão incentivados a fazer ações e a elaborar planos de ação para combater o lixo no mar. Com isso os diagnósticos locais serão realizados e ações serão pensadas nesse nível. É claro que as perspectivas são alarmantes, mas com essas ações do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, existe uma possibilidade grande de os países se mexerem para reduzir o lixo no mar. Essas ações já estão acontecendo: Indonésia, China, Filipinas estão fazendo seus planos para reverter essa situação.

Sobre a segunda parte da questão, não só o plástico, mas também os resíduos sólidoscomo um todo são um problema para os oceanos. Existem vários tipos de resíduos sólidos que chegam ao mar e que têm suas especificidades. Muitas vezes pensamos apenas no plástico como um problema, mas não pensamos na sua origem. Então, temos que pensar quais são os caminhos que o resíduo A, B ou C percorreu até chegar ao oceano. Vou dar três exemplos: o cotonete vai parar no mar pelo esgoto, porque as pessoas usam cotonete no banheiro e depois o jogam na privada; as redes de pesca são lançadas diretamente nos oceanos; e os itens que encontramos na praia, como, por exemplo, o canudo plástico ou a bituca de cigarro, também são lançados no oceano. Para resolver esse problema temos que fazer uma discussão intensa e profunda sobre como lidar com esse tipo de produto, ou seja, como consumir e descartar conscientemente, e como fazer com que os diferentes atores da cadeia de valores — aqueles que produzem resina, extraem petróleo, fabricam e vendem a garrafa plástica — se responsabilizem e façam com que a “torneira se feche”. É nesse aspecto que temos trabalhado no sentido de atacar as fontes de onde esse resíduo vem.

Para resolver essa questão, muitas pessoas propõem o banimento de alguns produtos, como o dos canudos, das sacolas plásticas, mas essa é uma situação que tem que ser colocada em um contexto. Por exemplo, um dos grandes itens que encontramos nas praias brasileiras, como na região de Búzios, no Rio de Janeiro, e que correspondem a 80% dos itens encontrados ali, são as bitucas de cigarro. Como se combate isso? Se formos usar a lógica do banimento da sacola plástica e do canudinho, que é o que se discute hoje, teríamos que propor o banimento do cigarro. A lógica é a mesma. Em Bali, por exemplo, baniram o uso de sacola plástica e proibiram as pessoas de fumar, ou seja, é uma forma diferente de ver a questão. Nessas discussões, há sempre uma série de interesses por trás, os quais é preciso tentar entender para não entrar de gaiato numa discussão e servir como massa de manobra.

Tanto no Brasil como em Bali, que é uma ilha, as sacolas plásticas vão parar no mar, mas como isso acontece? Em Bali, isso acontece porque o lixão está do lado do mar, num local que venta bastante, então, quando o lixo seca e a sacola se fragmenta, o vento leva os resíduos da sacola para o mar. No Brasil, via de regra, as sacolas que pegamos no supermercado são usadas para embalar o lixo; além disso, em algumas situações nas quais as pessoas moram em áreas invadidas ou em áreas não passíveis de ocupações, como encostas e manguezais, onde não há coleta de materiais, é comum deixar o lixo na rua; com isso, ele é carregado pela água da chuva e chega ao mar. Então, a discussão sobre o banimento da sacola é uma medida pouco efetiva no caso brasileiro, por exemplo.

O mesmo acontece com o canudo plástico: em termos de quantidade do que ele representa no mar, é muito pouco, mas em termos simbólicos, a sua redução é muito importante. Na minha opinião, é nisto que temos que pensar, ou seja, refletir sobre onde está o grande problema. Aí perceberemos que o grande problema está na pobreza, na distribuição de renda muito desigual, no fato de ainda existirem pessoas morando em regiões onde não há serviços públicos e uma coleta e destinação de resíduos adequadas.

A raiz dessa questão é social. Existe uma diferença muito grande entre países e localidades que têm estrutura, informação, organização da ocupação do solo, de modo que as pessoas, ainda que mais pobres, possam ter uma condição de vida melhor, minimamente decente e digna. Esse é um ponto importante. Às vezes falamos que as pessoas não têm educação, invadem encostas, manguezais, mas essa é uma responsabilidade muito grande para colocarmos em cima das pessoas, porque existe uma questão sistêmica de fundo que acaba se refletindo no lixo que vai parar no mar. Costumo discutir que o lixo no mar é um sintoma de um problema social que existe, assim como outros que afetam os oceanos e que demandam uma atuação de fundo na melhora da qualidade de vida das pessoas, na busca da dignidade da sociedade como um todo, mas isso demora e nem sei se um dia será atingido. Mas, enquanto isso, precisamos agir, e agir significa identificar e “fechar as torneiras”, e é aí que surgem grandes oportunidades de inovação tecnológica, de empregos, de negócios, para produzir novas tecnologias, novos processos. Sempre que palestro sobre isso, lembro que essa questão remete a uma grande oportunidade que temos de avançar enquanto sociedade e mudar o modo como nos relacionamos com o meio ambiente.

Alguns especialistas têm afirmado que a última chance de salvar os oceanos é cuidar das bacias hidrográficas. Considerando que os rios desaguam nos oceanos, diria que as cidades são as maiores poluidoras dos mares?

Alexander Turra – Sem dúvida, essa é a grande reflexão, embora ela pareça óbvia, porque todo rio vai para o mar. Embora isso aconteça, as pessoas não lembram que o rio leva para o mar tudo o que pega pelo caminho. Isso significa uma série de coisas, inclusive o lixo. Essa tônica “da fonte para o mar” foi a marca do Fórum da Água que aconteceu no Brasil em março. Nesse encontro tivemos uma discussão profunda sobre como é possível fazer essas conexões na prática da gestão, visando resolver esses problemas.

Por exemplo, São Paulo é uma cidade muito grande, onde existem muitas ocupações, em algumas áreas não existe sistema de coleta de esgoto, muitos rios são cobertos por pavimentação e, quando chove bastante, muito lixo e garrafas ficam boiando na Marginal Tietê. Para onde esse lixo vai? Os rios de São Paulo não correm para os nossos mares, mas correm para o interior do país e depois desaguam na Argentina e no Uruguai. Então, mais cedo ou mais tarde esse material cai no mar, onde se acumula. A princípio todo o material gerado pela humanidade e que já foi lançado no mar, ainda está lá, porque não se degradou. Essa é uma grande linha de pesquisa para entender como ocorre a degradação do material plástico nos oceanos. É uma questão que entendemos parcialmente, porque o que sabemos, por enquanto, é que a degradação ocorre pela luz do sol, pelas ondas, pelo atrito, pela influência dos organismos que crescem em cima dos itens, mas todo o efeito das microbactérias ainda é pouco conhecido. Esse é um caminho interessante para entendermos o que está acontecendo de fato, se há acúmulo ou não, quanto tempo esse material fica no mar e em que ambientes, seja no fundo do mar ou numa praia. Esse é um dos grandes desafios científicos dessa temática.

Além dos planos de combate ao lixo no mar e do programa ONU Ambiente, quais são as preocupações internacionais acerca do lixo no mar? Existe a perspectiva de se elaborar um acordo entre os países para tratar esse lixo, assim como existe em relação às mudanças climáticas?

Alexander Turra – Em março do ano que vem será realizada a Assembleia Ambiental das Nações Unidas – UNEA, e o grupo do qual participo está dando suporte para que se chegue a algum posicionamento na próxima reunião. Esse grupo vai fazer discussões entre uma UNEA e outra para pautar discussões, e já fizemos uma reunião em Nairóbi para que os países se posicionem em relação ao tema. A próxima reunião será em novembro, antes da UNEA de março, e é de se esperar que venham proposições de ações para que a UNEA as discuta e valide. A UNEA funciona numa lógica diplomática, de chancelaria, através do Ministério de Relações Exteriores, ou seja, tem um rito para discutir e decidir os temas em questão.

Estamos discutindo tecnicamente e até o momento não existe uma proposição concreta. O que sentimos nos bastidores é que há a intenção para se caminhar no sentido de elaborar uma convenção para combater os lixos nos mares, mas se você perguntar para qualquer pessoa, todos vão dizer o que eu disse, porque oficialmente ainda não existe nada. Mas o caminho é esse, o qual levará a ações que terão que ser assumidas obrigatoriamente pelos países. Quais serão essas medidas ainda está em aberto e isso os países terão que definir, mas com certeza entrarão em pauta discussões sobre o banimento do lixo, o design de produtos, produtos que têm sua reciclagem facilitada, a discussão da gestão dos resíduos, como é feito ou como é para trabalhar a coleta e destinação final, quais as tecnologias para reciclar melhor etc. Esse é o meu palpite.

Pensando de uma forma holística e abrangente, se pensarmos na indústria nacional, que tem uma forte pegada na produção de resinas e na transformação de produtos — existem no Brasil 12 mil empresas e 250 mil trabalhadores —, as empresas precisarão entender que esses caminhos estão sendo pensados internacionalmente para orientar seus setores de modo que eles possam participar dessa mudança. Então, é fundamental fazer uma discussão ampla, da qual a indústria possa participar, porque ela terá um papel fundamental tanto na discussão quanto na acomodação dessas mudanças, propondo novas técnicas, desenvolvendo tecnologia e eventualmente ajudando num outro sentido, não deixando de lado a produção de plástico, mas produzindo plástico de outra forma. Essa é uma questão em aberto a ser discutida por todas as inteligências envolvidas, seja na área da biologia marinha, da oceanografia, seja na área de engenharia de materiais e saneamentos.

Como as mudanças climáticas têm impactado os oceanos?

Alexander Turra – O que acontece com os oceanos é o que acontece com os seres humanos: imagina que você está resfriado e pega mais uma doença, aí você ficará mais fragilizado. O que acontece com os oceanos é o mesmo: existem várias fontes de estresse e cada vez o sistema vai ficando com mais dificuldades de lidar com essas pressões. Hoje, além dos poluentes existentes no mar, as mudanças climáticas estão levando os oceanos a uma situação de estresse adicional. As previsões indicam que teremos mudanças nas próximas décadas em relação a vários aspectos: mudança do nível do mar, elevação da temperatura da água do mar, uma maior pluviosidade em alguns lugares e menores em outros. No Sul e no Sudeste já estamos sofrendo com as chuvas e a tendência é de que elas aumentem. Associado a isso, os eventos extremos serão mais frequentes e fortes, o que gera uma série de riscos para as pessoas que moram em áreas costeiras, como inundação, erosão costeira e acidificação, que é um processo relevante e pouco conhecido em relação aos seus reais impactos. Todos esses fenômenos afetam a biodiversidade e colocam as atividades humanas em risco.

No curto prazo, o que pode ser feito para diminuir o problema da poluição marinha, especialmente num país como o Brasil, que enfrenta problemas estruturais, como você mencionou anteriormente? E quais as medidas de maior alcance?

Alexander Turra – Na lógica das condições que temos hoje no país, a mais imediata seria utilizar o exército de estudantes e professores e transformar o Brasil em um país que pressione os governos, de forma a fazer com que se garantam as condições básicas de vida, que estão ligadas à condição de dignidade humana. Com as ferramentas que temos hoje é possível exercer uma pressão saudável para que se busquem soluções. Precisamos fazer com que as pessoas entendam essas questões e se posicionem como indivíduos e coletividade para promover essa mudança. Temos alguns exemplos bonitos e interessantes em escolas que têm promovido essa transformação na vida das pessoas.

Essa discussão que estamos levantando nessa conversa é um grande disparador dessa mudança que temos que ver na sociedade e na forma como a educação é feita, para que ela traga significado na atuação das pessoas como cidadãos. Se eu tivesse que apostar as fichas, apostaria nesse grande exército de mais de 30 milhões de pessoas que estão nas escolas hoje, promovendo esse ganho de conhecimento e contextualizando isso na mudança do cenário ambiental.

Para além da participação da sociedade civil no processo de despoluir o oceano, como tem sido a postura do Brasil em relação ao controle desse tipo de poluição? Existe algum programa específico para combater esse tipo de poluição?

Alexander Turra – O Brasil assumiu, na Conferência dos Oceanos que aconteceu no ano passado em Nova York, o compromisso voluntário de elaborar um plano nacional de combate ao lixo no mar. Esse plano está sendo estruturado e os arranjos institucionais e financeiros para dar base para esse plano já estão sendo pensados; eu estou atuando diretamente nesse plano e dando a visão estratégica dele em termos de participação popular. A ideia é que a partir de setembro seja feito o lançamento desse processo, que levará a uma consulta ampla na sociedade para identificar quais são os problemas que existem, quais as possíveis soluções, quem está fazendo o que, para organizarmos esse esforço que já existe para uma ação mais efetiva. A previsão de lançamento desse plano é 08 de junho de 2019, dia dos oceanos.

Na prática, como esse plano será implementado?

Alexander Turra – Isso vai surgir de baixo para cima. Tenho várias propostas a partir da experiência de outros países, mas a ideia é que o plano seja construído de baixo para cima com a participação e sugestão das pessoas. É óbvio que um plano dessa magnitude vai trazer grandes orientações para que as coisas aconteçam, como orientações para os municípios e estados, e imagino que eles terão que se comprometer em elaborar seus planos de ação contra o lixo no mar. Teremos que estimular os quase seis mil municípios a pensar sobre o quanto de lixo eles estão gerando, qual é o gargalo na gestão de resíduos nos municípios, e com isso vamos mexendo estruturalmente no sistema.

Também teremos que pensar como incutir isso no ensino de forma mais estruturante, precisamos ver como o MEC vê isso, como esse tema é tratado na Base Nacional Comum Curricular. Enfim, teremos que fazer discussões nessas linhas estratégicas e definir instrumentos que vão facilitar esse plano, o qual tem um caráter adaptativo e terá que ser revisto a cada dois anos e ajustado em função das novidades que forem surgindo. Ele será muito positivo e vai permitir que façamos um exercício coletivo, integrado, pautado nos diferentes atores da sociedade para discutir essa questão e tomar medidas.

O plano pode identificar para um período de dois anos áreas prioritárias para investimento em ciência e tecnologia. Aí se pode fazer com que o CNPq lance editais focados nisso. Hoje tudo é meio solto, mas com um plano a coisa fica organizada e as pessoas podem competir pelos recursos e fazer as inovações necessárias. Inclusive os municípios poderão compartilhar suas boas práticas, porque hoje não existe um sistema de consulta integrado e ninguém sabe o que os outros estão fazendo. A ideia, então, é criar um portal no qual seria possível compartilhar as ações feitas por ONGs, por prefeituras e disponibilizar a legislação etc. Na Câmara Municipal de Florianópolis existe uma frente parlamentar de combate ao lixo no mar. Então, é interessante ter uma plataforma para que outros municípios possam entender isso e criar alternativas parecidas.

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