Uso de agrotóxicos no Brasil


Não existe país economicamente desenvolvido que possua uma população doente, rios poluídos e terras estéreis (Divulgação/Idec/CFN)

Andressa Souza Oliveira*

Uma das notícias que mais repercutiu no último mês foi o registro, e consequente permissão, para uso de mais 63 agrotóxicos, além dos já permitidos no Brasil. O número causou impacto nas manchetes não só por ser maior do que os do mesmo período do ano passado, mas principalmente por ter se dado em virtude de desburocratização do processo de registro, que só tende a aumentar.

Apesar de serem dotados de princípios ativos tóxicos à saúde e ao meio ambiente, a utilização desses produtos é social e legalmente aceita. As justificativas mundiais para seu uso vêm sempre atreladas à necessidade de maior produção de alimentos para atender ao crescimento populacional. Inclusive, recentemente, durante o Fórum Global para Alimentação e Agricultura, representantes da ONU informaram que se o ritmo atual de consumo e progressão populacional se mantiverem, em 2050 será preciso que a produção de alimentos cresça, no mínimo, em 60%.

Nesse contexto, os agrotóxicos sempre aparecem como solução possível devido à promessa de aumento da produtividade com baixo custo. Contudo, é importante salientar que a quantidade de alimentos produzida no mundo hoje é suficiente para que toda a população mundial se alimente e, ainda assim, cerca 820 milhões de pessoas vivenciam a fome. Desse modo, conclui-se que a diminuição da fome e a produção de alimentos não possuem nexo causal direto.

Todavia os dados que realmente deveriam chamar nossa atenção referem-se à força econômica do agronegócio. Atualmente o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos no mundo e o agronegócio é responsável por cerca de 21,6% do PIB. Tendo em vista a grave recessão econômica em que o país se encontra, o agronegócio é um campo promissor para os investimentos, pois mesmo em momentos de recessão há alta demanda devido à sua essencialidade.

As liberações em tela não são de mera casualidade. Um dos objetivos centrais do novo governo é o reaquecimento da economia e o agronegócio é um dos meios escolhidos para tal feito.

Entretanto devemos analisar de maneira realista se esse caminho é realmente o mais interessante para a saída da crise atual. Existem centenas de estudos científicos que apontam o rastro de destruição deixado pelos agrotóxicos. Já restou comprovado que, com o passar do tempo, os reagentes tóxicos afetam a produtividade do solo, contaminam os lençóis freáticos e rios adjacentes, contribuem para poluição atmosférica e afetam significativamente a saúde da população.

Ao colocarmos na balança todos os gastos estatais futuros que deverão ser redirecionados para a despoluição das águas, restauração do solo e saúde pública, a operação já não parece tão vantajosa. Não existe país economicamente desenvolvido que possua uma população doente, rios poluídos e terras estéreis. Ademais, existem alternativas para o aumento da produção agrícola com diminuição dos agrotóxicos, contudo elas não possuem o devido investimento ou atenção do Estado.

Dado o exposto, é preciso que sejam sopesados os lucros imediatos e os custos a longo prazo, principalmente considerando o objetivo do Estado, proporcionar vida digna aos seus cidadãos.

*Bacharel em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Cursando pós-graduação em Advocacia Criminal. Estagiária de pós-graduação na Vara de Inquéritos do TJMG. Membro do grupo de pesquisa CEBID (Centro de Estudos em Biodireito) da Escola Superior Dom Helder Câmara.

Liberação de pesticidas preocupa apicultores gaúchos


A liberação de novos pesticidas é defendida pelo governo como forma de aumentar a produtividade da agricultura do país. (Pixabay)

Com 35 anos de vivência como criador de abelhas, Salvador Gonçalves da Silva teme que seu trabalho como produtor de mel no Rio Grande do Sul chegará ao fim em breve se o uso de pesticidas nas plantações próximas continuar no ritmo atual.

Ele está entre um grupo de apicultores do Estado que perdeu pelo menos 360 milhões de abelhas entre o fim do ano passado e o começo deste ano devido ao uso de agrotóxicos, segundo análise da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

“É bastante preocupante, porque com essa quantidade de agrotóxicos que o governo federal libera lá em cima, tem liberado nos últimos tempos, isso vem preocupando, porque vai para um ponto assim que nós não vamos ter mais (abelhas)”, disse o apicultor.

“Se continuar nesse ritmo, que a gente espera que não, que não morra tanta abelha, que não venham a morrer mais abelhas, e que a gente consiga produzir (o mel)?”, acrescentou.

Desde janeiro de 2019, o governo do presidente Jair Bolsonaro aprovou 410 novos agrotóxicos, elevando para 2.476 o total comercializado no país, de acordo com levantamento feito pela Agência Pública e o Repórter Brasil com base em dados publicados pelo governo no Diário Oficial da União.

Os números são divulgados no Twitter na conta “Robotox”, criada para informar sobre “todos os novos produtos agrotóxicos que forem liberados no mercado brasileiro”, segundo a descrição do perfil.

A liberação de novos pesticidas é defendida pelo governo como forma de aumentar a produtividade da agricultura do país, que é um grande exportador commodities agrícolas.

Em agosto, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse, em resposta a críticas de ambientalistas, que a recente aceleração pelo governo de aprovações de pesticidas não é prejudicial para a segurança alimentar e nem para o meio ambiente. Segundo a ministra, as aprovações mais rápidas dos defensivos agrícolas significam mais tecnologia à disposição do campo.

O próprio presidente Jair Bolsonaro afirmou que os novos pesticidas aprovados pelo governo serão utilizados para substituir produtos antigos, uma forma de a agricultura do Brasil manter a sua competitividade.

“Se nós estivéssemos envenenando nossos produtos, o mundo não os compraria. É simples. Nós somos um país que menos usa agrotóxico na agricultura. Por que novos agrotóxicos? Para substituir os anteriores… Usa-se menos, inclusive”, disse Bolsonaro. Ele ressaltou que não é possível fazer a agricultura em larga escala sem o uso de fungicidas, inseticidas e herbicidas.

As abelhas, no entanto, têm sentido fortemente o impacto.

“O grande vilão da história das mortandades agudas (de abelhas) é o Fipronil. Os neonicotinóides têm uma parte também, mas a mortandade aguda foi do Fipronil”, disse Aroni Sattler, professor de Agronomia da UFRGS, citando um inseticida de amplo uso. “E não é só no Rio Grande do Sul, é praticamente em todo o Brasil.”

Segundo Sattler, somente no Estado foram perdidas 6.000 colmeias devido aos pesticidas, o que representa um total de 360 milhões de abelhas, mas o número real deve ser ainda maior, tanto nas colmeias de produtores como na própria natureza.

Muitos casos não são denunciados porque os apicultores dependem de locais arrendados por produtores rurais, afirmou.

“Esse número pode ser multiplicado por dois e talvez três. Assim mesmo, não temos como avaliar as perdas de colônias em abrigos naturais e nem de abelhas nativas”, disse o professor.

Sérgio Queiroz / Reuters