“As águas subterrâneas são um recurso pouco entendido e ainda pouco apreciado”


Entrevista especial com Ricardo Hirata

“Nos aquíferos é que se encontra reservada a maior parte da água do mundo — 97% das águas doces e líquidas do planeta. Quando vemos problemas de estiagem, que serão agravados pelas mudanças climáticas, podemos supor que é no recurso subterrâneo que está a possibilidade de superação”, destaca o hidrogeólogo.

 
 
Foto: iThirst

“O usuário não tem ideia dos custos de extração das águas e, sobretudo, de que problemas advindos da falta de controle afetam a sua extração. Ele está pagando mais pela água sem saber que muitas vezes é a irregularidade dos poços do seu vizinho que está provocando esse incremento de gastos. Isso ocorre também com grandes usuários, incluindo as companhias municipais de água. É um conflito não percebido pela população, que não tem ideia de causa e efeito nesse ambiente. Mesmo os técnicos do estado têm muitas vezes uma percepção bastante restrita desses problemas, ainda mais em áreas urbanas. As empresas, os condomínios e mesmo as concessionárias poderiam economizar muito se medidas simples, mas bem equacionadas, fossem implementadas em suas captações”, aponta o hidrogeólogo Ricardo Hirata.

O pesquisador lidera o Centro de Pesquisas de Água Subterrânea – CEPAS, instituição vinculada à Universidade de São Paulo – USP e que há mais de dez anos investiga os índices de nitrato em águas subterrâneas no estado de São Paulo. “O nitrato é o contaminante mais comum encontrado nas águas subterrâneas no Brasil e no resto do mundo”, enfatiza Hirata. As principais fontes de contaminação são o esgoto urbano, proveniente de fossas sépticas ou negras ou mesmo do vazamento das redes de saneamento que sofrem com a falta de manutenção, e o uso excessivo de fertilizantes nitrogenados no meio rural. As pesquisas do CEPAS vêm demonstrando aumento na concentração de nitrato nas águas subterrâneas, mesmo naquelas áreas em que há redes antigas de saneamento — o que é indicativo da existência de vazamentos nos canos de esgoto.

“As águas subterrâneas são um recurso pouco entendido e ainda pouco apreciado pela população, embora elas sejam utilizadas por mais de 35-40% da população brasileira. No estado de São Paulo, mais de 70% de seus municípios são total ou parcialmente abastecidos pela rede pública com águas de aquíferos. Isso é mais notável em cidades de médio e pequeno porte, onde os recursos subterrâneos são comparativamente mais vantajosos que os recursos superficiais. Cidades como Ribeirão Preto – SP, Porto Alegre – RS, Manaus – AM, Natal – RN, Brasília – DF, São José dos Campos – SP, Jales – SP, Marília – SP dependem fortemente das águas subterrâneas”, ressalta o pesquisador.

Foto: bloggeografiaf

Ricardo Cesar Aoki Hirata é diretor do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas – CEPAS da Universidade de São Paulo – USP e professor do Instituto de Geociências da mesma instituição. Possui graduação em Geologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, mestrado e doutorado em Geociências com área de concentração em Recursos Minerais e Hidrogeologia pela USP e pós-doutorado pela Universidade de Waterloo, no Canadá. É consultor da UNESCO e da International Atomic Energy Agency – IAEA, tendo atuado também como consultor da Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS/OMS.

Confira a entrevista.

Ricardo Hirata. Foto: arquivo pessoal

IHU On-Line – Que relação há exatamente entre os índices de nitrato e a contaminação de aquíferos por infiltração de esgoto urbano?

Ricardo Hirata – O nitrato é o contaminante mais comum encontrado nas águas subterrâneas no Brasil e no resto do mundo. As suas características de alta mobilidade e grande persistência nas águas subterrâneas fazem com que plumas de nitrato sejam encontradas em quase todos os aquíferos urbanos no Brasil. Nesse caso, a principal fonte é o esgoto proveniente de fossas sépticas ou negras ou mesmo do vazamento da rede de esgoto, que carecem de manutenção.

IHU On-Line – Este cenário é também verificado no meio rural? Qual a incidência de contaminação das águas por fertilizantes e agrotóxicos?

Ricardo Hirata – O nitrato também é bastante comum no meio rural, pois em áreas agrícolas o excesso de fertilizantes nitrogenados, que é bastante comum, acaba chegando até o aquífero, contaminando-o. Neste caso, não temos muitos estudos no Brasil e, portanto, temos ainda pouca ideia de sua extensão. Mas, a partir da experiência em outros países, é de se acreditar que haja problemas no Brasil, atingindo-se grandes áreas, sobretudo pela sua grande vocação agrícola, de alta técnica.

IHU On-Line – Quais são os principais riscos da ingestão de nitrato para a saúde humana?

Ricardo Hirata – O nitrato é um contaminante de média toxicidade. Assim, em concentrações acima de 10mg/L (como nitrogênio-nitrato; e 45mg/L, como nitrato), pode provocar a meta-hemoglobinemia, que afeta bebês. Há igualmente suspeitas de que, em concentrações bastante menores, ele também seja carcinogênico [que pode provocar câncer].

IHU On-Line – Que outros contaminantes nocivos à saúde humana são encontrados nas águas subterrâneas? Que riscos provocam?

Ricardo Hirata – Há uma infinidade de compostos que podem, em concentrações excessivas, provocar problemas à saúde humana. Um grupo de contaminantes bastante preocupantes são os solventes sintéticos clorados. Esses apresentam grande toxicidade e são bastante persistentes e móveis em aquíferos. O interessante é que, devido a sua grande volatilidade, esses contaminantes não têm a mesma importância para as águas superficiais. Isso faz com que os órgãos de controle ambiental do Brasil não deem atenção a eles em programas de monitoramento regular nas águas subterrâneas. Metais pesados formam outro grupo bem importante e nocivo às águas subterrâneas, embora eles não apresentem a mesma mobilidade que o nitrato ou os solventes clorados nos aquíferos.

IHU On-Line – Nesta perspectiva, quais foram os principais resultados encontrados pelas pesquisas realizadas pelo CEPAS?

Ricardo Hirata – Os resultados que o CEPAS tem acumulado ao longo desses 10 anos no estudo do nitrato fez concluir que esse contaminante tem sido detectado cada vez mais no estado de São Paulo, permitindo afirmar que todas as cidades paulistas apresentam, em variados graus, problemas com esse contaminante. A rede oficial de monitoramento do estado, operada pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – CETESB, tem inclusive mostrado aumentos nas concentrações desse contaminante em seus poços, corroborando com os resultados de nossas pesquisas.

Outra importante constatação que não era considerada pelos gestores ambientais é que grandes plumas de nitrato estão sendo detectadas em aquíferos urbanos, mesmo que a área já tenha há muito tempo rede de esgoto. Embora a existência de rede de esgoto diminua substancialmente a carga contaminante ao subsolo (comparativamente a fossas sépticas e negras), a falta de manutenção da rede pública e os seus vazamentos são suficientes para criar importantes plumas contaminantes. O que preocupa nesse cenário é que simulações em computador feitas pelo nosso grupo com as plumas observadas em cidades (mesmo com rede de esgoto) têm mostrado que estas levariam, caso cessadas completamente as fugas de esgoto, mais de 60 anos para ter os seus aquíferos novamente limpos, mostrando claramente que evitar o problema é a melhor e mais barata solução para o nitrato. Neste caso, o que se conclui é que a rede de esgoto moderna, com tubos plásticos, deve anteceder a qualquer ocupação do terreno urbano.

IHU On-Line – Estes resultados servem de parâmetro para outras realidades regionais e/ou para um cenário nacional?

Ricardo Hirata – Sim, a presença de nitrato em outros aquíferos fora do estado de São Paulo deve ocorrer, e até em maiores proporções, pois as cidades possuem menor cobertura de rede de esgoto comparativamente às cidades paulistanas. O melhor exemplo disso é Natal – RN, cidade abençoada pela excelente qualidade de suas águas subterrâneas, mas onde a concessionária tem dificuldades de fornecer água sem nitrato (e potável) à sua população. A combinação entre poços mal localizados (dentro da malha urbana densa) e a falta histórica de rede de esgoto tem criado os sérios problemas lá observados.

IHU On-Line – Há fiscalização sobre a potabilidade da água de poços tubulares (artesianos)?

Ricardo Hirata – A legislação que controla o uso da água subterrânea é estadual e em muitos estados há mecanismos para a fiscalização da qualidade das águas extraídas por poços tubulares. O problema é que essas leis são pouco seguidas, foram daqueles instrumentos que não “pegaram” ainda. O usuário não vê importância na regularização de seu poço e nos benefícios que isso pode trazer para ele e para toda a comunidade, e, por extensão, ao ambiente. De outro lado, o estado não tem oferecido nenhum dos serviços pelos quais ele é responsável, como o de implementar a sustentabilidade do recurso, fazendo com que o controle evite a contaminação e os problemas de superexploração.

A falta de um controle das demandas de água pode levar a importantes problemas, muitas vezes desconhecidos pelos usuários, incluindo:

a) redução dos níveis aquíferos, encarecendo o bombeamento das águas subterrâneas pelo aumento do consumo de energia ou necessidade de aprofundamento do poço;

b) redução dos fluxos de base a corpos de água superficial, como rios e lagos, causando problemas de vazão durante, sobretudo, as estiagens;

c) indução de contaminação e salinização das águas;

d) indução de problemas geotécnicos, como afundamentos do terreno;

e) exaustão do recurso e sua perda.

Outra área de pesquisa do CEPAS está concentrada na gestão dos recursos hídricos subterrâneos e tem concluído que o usuário não tem ideia dos custos de extração das águas e, sobretudo, de que problemas advindos da falta de controle afetam a sua extração. O usuário está pagando mais pela água sem saber que muitas vezes é a irregularidade dos poços do seu vizinho que está provocando esse incremento de gastos. Isso ocorre também com grandes usuários, incluindo as companhias municipais de água. É um conflito não percebido pela população, que não tem ideia de causa e efeito nesse ambiente. Mesmo os técnicos do estado têm muitas vezes uma percepção bastante restrita desses problemas, ainda mais em áreas urbanas. As empresas, os condomínios e mesmo as concessionárias poderiam economizar muito se medidas simples, mas bem equacionadas, fossem implementadas em suas captações.

IHU On-Line – Qual é a relevância dos poços tubulares para o abastecimento de água no Brasil?

Ricardo Hirata – Muito maior que a percepção que o brasileiro e seus gestores têm. As águas subterrâneas são um recurso pouco entendido e ainda pouco apreciado pela população, embora elas sejam utilizadas por mais de 35-40% da população brasileira. No estado de São Paulo, mais de 70% de seus municípios são total ou parcialmente abastecidos pela rede pública com águas de aquíferos. Isso é mais notável em cidades de médio e pequeno porte, onde os recursos subterrâneos são comparativamente mais vantajosos que os recursos superficiais. Cidades como Ribeirão Preto – SP, Porto Alegre – RS, Manaus – AM, Natal – RN, Brasília – DF, São José dos Campos – SP, Jales – SP, Marília – SP dependem fortemente das águas subterrâneas. Mesmo na Bacia do Alto Tietê, as águas subterrâneas são o quarto mais importante manancial, fornecendo mais de 10 metros cúbicos por segundo de água, superando os outros cinco mananciais superficiais operados pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP. Na agricultura, o censo agrícola do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE computa mais de 450 mil poços tubulares (não cacimbas) em áreas rurais brasileiras.

IHU On-Line – É viável a descontaminação da água com incidência de nitrato?

Ricardo Hirata – Sim, há tecnologias, como os sistemas de osmose reversa, que são bastante caras. Há técnicas de descontaminação das águas dentro do aquífero, com a injeção de produtos que provocam a desnitrificação, mas essas técnicas estão ainda no campo da pesquisa. O que as empresas concessionárias de água têm feito é mesclar águas contaminadas com outras em que a concentração de nitrato é menor, permitindo fornecer águas não contaminadas.

Foto: Mundo das Tribos

IHU On-Line – O que pode ser feito para a reversão deste quadro de contaminação contínua das águas subterrâneas?

Ricardo Hirata – Um dos grandes problemas que as águas subterrâneas enfrentam é o desconhecimento de sua importância, o que leva à falta de atenção por parte dos gestores. As águas subterrâneas não estão na agenda dos governos nem do setor agrícola. De um lado há um recurso já bastante utilizado no Brasil, cujos ganhos econômicos, sociais e ambientais não são percebidos, entretanto, pela população. Isso faz com que esse recurso não seja discutido nas grandes tomadas de decisão no planejamento urbano ou mesmo rural.

De outro lado, nos aquíferos é que se encontra reservada a maior parte da água do mundo — 97% das águas doces e líquidas do planeta estão nos aquíferos. Quando vemos problemas de estiagem, que serão agravados pelas mudanças climáticas, podemos supor que é no recurso subterrâneo que está a nossa possibilidade de superação do problema, a partir do uso conjunto e racional do recurso subterrâneo e superficial. É uma imensa caixa de água de excelente qualidade esperando para ser convenientemente aproveitada. Assim, investir no conhecimento do recurso, buscando as novas oportunidades, é imperioso para aumentar a segurança hídrica em cidades.

Um segundo ponto é que os estados, por meio de seus órgãos gestores, realmente gestionem as águas subterrâneas, fazendo com que as leis sejam de fato cumpridas, e que a população e usuários sejam informados dos benefícios e limitações que podem surgir pelo mau uso do recurso ou do solo.

IHU On-Line – As políticas públicas de saneamento e a legislação brasileira dão conta da preservação das águas e, consequentemente, da saúde humana?

Ricardo Hirata – Em parte sim, mas é importante notar que a simples presença de redes de esgoto não elimina o problema da contaminação por nitrato em áreas urbanas. Novas redes, com novos materiais, e manutenção periódica é que vão garantir a qualidade das águas. Da mesma forma, os planejadores devem levar em consideração que é importante construir redes de esgoto nas novas áreas urbanas (preferencialmente antes de sua ocupação), antecipando-se aos problemas.

Outro ponto importante é que muitos sanitaristas acreditam que se deveria fechar os poços tubulares quando a área já tenha rede de água potável. A motivação para isso é muitas vezes simplista e não leva em consideração o real papel que o abastecimento privado tem nas nossas cidades. Por exemplo, considerando-se as cidades da Bacia do Alto Tietê. A população é razoavelmente bem servida de água, mas o que os dados estatísticos oficiais esquecem é que temos mais de 10 metros cúbicos por segundo advindos de 12 mil poços privados que suplementam o abastecimento. Sem essa água, o sistema de abastecimento não daria conta e teríamos sérios problemas. O mesmo é para Recife, onde mais de 13 mil poços (a maioria privada) suplementam o abastecimento da Companhia Pernambucana de Saneamento – COMPESA e fazem a diferença, sobretudo em períodos de estiagem como o que ocorreu recentemente.

Adicionalmente, deve-se considerar a economia que as águas subterrâneas trazem para o usuário. Um poço bem operado em um aquífero produtivo geralmente fornece água com menores custos, comparativamente às águas das concessionárias, e muitas vezes com qualidade superior. Vide as águas minerais. Todas elas são subterrâneas!

Fonte: IHU – Unisinos

Mar Potável


Além da água existente na superfície da Amazônia, o subsolo esconde o maior manancial de água potável do mundo, como o aquífero Alter do Chão, que poderia abastecer a humanidade por 400 anos.

 

            

Na confluência dos rios Amazonas e Tapajós, o município de Alter do Chão, a 35 quilômetros de Santarém, no Pará, guarda a praia de água doce mais bonita do Brasil e o maior aquífero de água potável do mundo. Descoberto em 1958 e mensurado em 2010, só agora os geólogos começam a mapear a riqueza do subsolo amazônico.

Na cidade apelidada de “Caribe Amazônico”, turistas colocam os pés para o alto nas mesas espalhadas pelas areias brancas da Ilha do Amor, que surge na vazante, quando o volume de água do rio diminui, entre janeiro e agosto. Barracas cobertas de sapê oferecem delícias da culinária amazônica, como o tucunaré na manteiga e o suco de açaí. Barquinhos de madeira passeiam pelo único afluente do Amazonas com águas esverdeadas e cristalinas. As praias do Tapajós maravilham os olhos. Quem vê a paisagem nem imagina que sob os pés corra o maior manancial de águas subterrâneas do mundo, o Aquífero Alter do Chão.

                                    

Aquíferos são formações geológicas que armazenam ou liberam água subterrânea, como uma esponja cheia que, ao ser movimentada ou pressionada, solta o elemento. Com toda a chuva que cai na Amazônia, era previsível que o subsolo guardasse mais água. Até 2010, considerava-se o maior aquífero do mundo o Guarani, que se estende por baixo de 1,2 milhão de quilômetros quadrados do Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai, com 45 mil quilômetros cúbicos de água. Cerca de 70% das águas estão no Brasil e se espalham pelo subsolo de oito Estados. Já o Alter do Chão ocupa três Estados – Amazonas, Pará e Amapá –, é menor em extensão, mas possui uma reserva de água potável de 86 mil quilômetros cúbicos, o suficiente para abastecer a população mundial por pelo menos 400 anos.

O tamanho do Alter do Chão era subestimado até pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) anunciarem, em 2010, que ele continha o maior volume de água potável do mundo. Os geólogos Milton Matta e Francisco de Abreu, o engenheiro André Montenegro Duarte, o economista Mário Ramos Ribeiro e o geólogo Itabaraci Cavalcante, esse da Universidade Federal do Ceará (UFC), foram os responsáveis pela análise preliminar do sistema. “Desde a década de 1960, as pessoas estudam o aquífero, mas, quando começamos a pesquisar a fundo, em 2007, descobrimos uma reserva incrivelmente grande”, diz Milton Matta.

Em 2011, a Agência Nacional de Águas (Ana) iniciou estudos nas bacias sedimentares da Província Hidrogeológica do Amazonas. Ao custo de R$ 4,4 milhões, a pesquisa será finalizada em 2014. Dados recentes apontam que o Aquífero Alter do Chão pode fazer parte de um sistema ainda maior. “A pesquisa feita pela UFPA não é equivocada, mas estamos descobrindo que o Aquífero Alter do Chão pode integrar o que chamamos de Sistema Aquífero Amazonas, que engloba também os aquíferos Içá e Solimões”, afirma Fabrício Cardoso, hidrólogo da gerência de águas subterrâneas da Ana. “Embora as informações ainda sejam insuficientes, tudo indica que o Aquífero Amazonas é muito maior do que o Alter do Chão em termos de volume de água e extensão territorial.”

A descoberta da UFPA foi divulgada para informar a sociedade e levantar financiamento para os estudos, mas até agora a verba não veio. Enquanto o Aquífero Guarani, descoberto na década de 1950, já recebeu financiamento de US$ 26,7 milhões do Fundo para o Meio Ambiente Mundial e de outras entidades, nos últimos cinco anos o Aquífero Alter do Chão ficou relegado ao esforço dos pesquisadores. “Parte dos estudos foi subsidiada com recursos de outros projetos que desenvolvemos sem ajuda financeira de patrocinadores. Já o conhecimento prévio que aproveitamos provém dos poços de perfuração para óleo e gás feitos pela Petrobras”, explica Matta.

Abundância excessiva

Apesar de 70% da Terra ser coberta de água, apenas 2,5% constituem-se de água doce, dos quais 99% correspondem a águas subterrâneas e só 1%, ao volume de água doce de rios e lagos. O Brasil tem 18% da água doce do planeta. Para Matta, paradoxalmente a Amazônia “acaba pagando um preço alto por ter muita água”. Com 7% da população, a região detém 70% do recurso. Já no Sudeste, 42% da população dispõe de apenas 6% da água. “Os financiamentos vão para as áreas com menos água. Por termos abundância de recursos hídricos, não somos prioridade de investimento em estudos. Contudo, cuidar das águas da Amazônia é estratégico para a população mundial e principalmente para o Brasil. Enquanto no Nordeste estão sofrendo por falta d’água, estamos sentados no maior manancial do planeta”, diz Matta.

Para Marco Antônio Oliveira, superintendente do Serviço Geológico do Brasil, do Ministério de Minas e Energia, a questão é cultural. “A Lei Nacional de Recursos Hídricos é voltada para o gerenciamento da escassez, o que atrapalha a gestão da água na Amazônia. Ainda não conseguimos avaliar o valor estratégico dessa água toda para o Brasil e o planeta”, diz.

Uma primeira diferença é que, enquanto o Aquífero Guarani está sob a rocha, o de Alter tem terreno arenoso, que funciona como um filtro e garante a potabilidade da água, além de facilitar a penetração da chuva e a perfuração de poços. Se há mais extração do que a capacidade do sistema de repor água, a reserva diminui e torna-se necessário buscar o recurso cada vez mais fundo. A espessura média do Aquífero Alter do Chão é de 575 metros.

Amazonas e Pará

Sob Manaus, o aquífero responde pelo abastecimento de 30% da água da cidade, enquanto 70% vêm do Rio Negro. A concessionária que capta água do rio para abastecer a população não chega à periferia da cidade. Sem opção, os moradores furam artesanalmente poços particulares e rasos, de 40 a 60 metros de profundidade. Outros, mais profundos, são feitos pela própria concessionária. “Esses poços representam risco, pois bombeiam 24 horas por dia, não dando tempo de recuperação de água subterrânea”, ressalta Oliveira.

A captação de água vem causando rebaixamento do nível do aquífero. “Um poço que precisava de 100 metros para captar uma determinada vazão precisa hoje alcançar 140 metros de profundidade para conseguir essa mesma quantidade de água”, diz Daniel Nava, secretário de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos do Estado do Amazonas.

No entorno de Manaus, a proliferação de poços está comprometendo a qualidade da água, pois o volume de esgoto in natura nos igarapés da região ainda é alto, o que acaba contaminando a água do aquífero. Segundo Oliveira, nos poços mais rasos nos arredores de Manaus, a poluição já é nítida. Apesar de estar no subsolo, a água dos aquíferos pode ser contaminada caso em suas proximidades sejam construídos lixões, fossas, cemitérios ou grandes lavouras.

No Pará, Alter do Chão, com apenas dois mil habitantes, vê a paisagem mudar com a chegada da estação chuvosa. As faixas de areia diminuem e a água escurece, até que, em maio, no auge da estação chuvosa, só se vê o teto de sapê das barracas. É a hora de se desvendar outra Alter do Chão, com cenários oníricos como a Floresta Encantada, uma mata de igapó pela qual ziguezagueiase de canoa por entre as copas das árvores duplicadas pelo espelho d’água. Ao entardecer, a dica é atravessar o Tapajós em busca do melhor ângulo para apreciar o famoso pôr do sol local. Com sorte, a experiência pode ser coroada pela visão dos botos nadando sincronizadamernte.

Em setembro, a noite segue no ritmo da Festa do Sairé, que mistura elementos religiosos e profanos e lota as pousadas da vila. A festa, realizada desde o século 18, é marcada por procissões e manifestações folclóricas ritmadas pelo carimbó. Durante os desfiles dos blocos, as duas agremiações culturais, Boto Tucuxi e Boto Cor de Rosa, apresentam um espetáculo de cores, ritmos e beleza ao público. Considerada pelo jornal inglês The Guardian como a melhor praia do Brasil, Alter do Chão possui uma infraestrutura turística que melhorou recentemente, e hoje a vila conta com boas pousadas e hotéis, postos de saúde, restaurantes, agências de turismo, poucas lojas e muitas barracas com artesanato.

Como proteger?

Milton Matta é um advogado da valoração econômica da água. “Ela é o bem natural e mineral mais precioso para a sobrevivência da humanidade”, diz. Os recursos hídricos são cruciais para manter o equilíbrio da floresta e o clima do mundo, para abastecer a agricultura (que responde por 70% do consumo de toda a água mundial) e a indústria (20%).

Até agora, não existe um modelo de uso para proteger o Aquífero Alter do Chão. Para tanto, é preciso aprofundar os estudos e produzir informações destinadas a alimentar o Método de Valoração Contingente, aplicado nos Estados Unidos e na União Européia. Recomendado pela comunidade científica para precificar o valor de recursos naturais, tais como aquíferos, o conceito consta da Declaração do Milênio, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 2000.

Para implementar uma política para as águas da Amazônia, a valoração é imprescindível. O engenheiro André Montenegro, da UFPA, ressalta que “o que se paga pela água hoje é basicamente o custo de captação, tratamento e distribuição, um valor ridículo e tecnicamente errado”. O certo, segundo o economista Mário Ramos Ribeiro, seria “valorar o uso direto, o uso indireto e o ‘valor de existência’, e somá-los. Este último, o valor de existência, exige uma metodologia mais complexa, pois as águas são bens públicos para os quais não há mercados e, consequentemente, não há preços monetários”.

Os pesquisadores paraenses propõem a adoção de um valor de “não uso”. Assim, o recurso ganhar valor e importância pelo fato de ser mantido na natureza.

As águas da Amazônia mantêm o equilíbrio ecossistêmico da floresta tropical úmida e controlam a geração de chuvas para toda a agricultura do país, regulando o equilíbrio climático. “Dessa forma, é preciso entender que águas circulando e a floresta em pé têm uma importância significativa para a economia do país. Não é descabida a ideia de se estabelecerem mecanismos de compensação financeira que, como as águas, funcionem como meios de transferência também de renda entre as regiões brasileiras”, defende Matta.

Em 1995, o então vice-presidente do Banco Mundial, Ismail Serageldin, afirmou que “as guerras no próximo século acontecerão por causa da água”. O próximo século já chegou e, segundo a ONU, 1,6 bilhão de pessoas vivem em regiões com escassez de água. Até 2025, dois terços da população mundial podem ser afetados pelas condições do recurso. Em 2012, 80% das doenças em países em desenvolvimento foram causadas por água não potável e saneamento precário, incluindo instalações de saneamento inadequadas.

Diante da privilegiada situação do Brasil e do rarefeito panorama mundial da água, é urgente desenvolver mais pesquisas sobre o maior manancial de água potável do mundo. Para isso, é necessário investir no mapeamento dos aquíferos, fazer o levantamento dos recursos hídricos e estabelecer uma política de utilização e exploração sustentável.

Fonte:  Revista Planeta

Laísa Mangelli

Lençóis freáticos têm redução alarmante


Maioria dos lençóis freáticos do mundo têm redução alarmante, alerta Nasa
 

Os principais aquíferos subterrâneos do mundo, que servem de fonte de água fresca para centenas de milhões de pessoas, estão se esgotando dramaticamente. A revelação veio de dados fornecidos pelo satélite Grace, da Nasa. De acordo com a agência espacial americana, 21 dos 37 maiores lençóis freáticos apresentam redução alarmante, sendo que 13 deles estão em situação calamitosa.

“A situação é muito crítica. Os lençóis freáticos estão caindo em todo o mundo, não há reserva infinita de água”. afirmou Jay Famiglietti, cientista da Nasa.

Segundo os dados do Grace, os aquíferos em pior situação estão nas regiões mais vulneráveis e populosas do globo, como o Noroeste da Índia, Paquistão, e o Norte da África. O satélite analisou ainda territórios como Estados Unidos, China e França.

A degradação dos reservatórios está relacionada ao crescimento da população mundial, assim como às atividades da agricultura, da indústria e da mineração. Estima-se que aproximadamente 35% de toda água utilizada no mundo seja proveniente dos lençóis freáticos.

Recomposição demorada
Embora o satélite não possa medir a capacidade total dos aquíferos, o pesquisadores estimam que alguns deles possam ser muito menores do que se imagina. Soma-se à redução das taxas o fato de que as reservas podem levar milhares de anos para se recompor, uma vez que dependem de água fruto de degelo ou das chuvas.

O reservatório que registrou pior situação foi o Aquífero Árabe, que além de sofrer uma redução drástica não apresenta sinais de reabastecimento. O lençol é responsável por fornecer recursos para mais de 60 milhões de pessoas. Em segundo lugar, ficou a Bacia Indú, na Índia; e, em terceiro, a Bacia Murzuk-Djado na Líbia e no Níger.

Nos Estados Unidos, o lençol mais problemático foi o aquífero do Vale Central da Califórnia, que está sendo utilizado para irrigar plantações agrícolas devido à seca. Em 2014, o Estado americano instituiu as primeiras leis relacionadas à regulação dos lençóis freáticos, mas estima-se que em apenas duas décadas a legislação terá pleno efeito.

Fonte: Mundo da Sustentabilidade