Legislações sobre o clima: os progressos são encontrados ao Sul


Um estudo internacional comentou os progressos das legislações climáticas em 33 países. Se nos países do Sul bons resultados são demonstrados, os desenvolvimentos recentes dos países industrializados suscitam preocupações!

             

"Apenas” 18 países, dos 33 pesquisados, realizaram progressos em matéria de legislação climática em 2012. E “os progressos são particularmente fortes dentro dos países emergentes e em desenvolvimento”, ou seja, os países não participantes do protocolo de Kyoto, mas que devem ser inclusos no acordo que a comunidade internacional espera assinar no final de 2015 em Bourget, na França.
Estas são as principais evoluções das legislações sobre o clima nacional, segundo o terceiro estudo realizado pela GLOBE INTERNATIONAL, um fórum parlamentar para troca de informações, medidas, valores progressistas nacionais e de partilha de boas práticas para controle legislativo. Apresentada aos membros da comissão de desenvolvimento sustentável da Assembleia Nacional, no dia 03 de dezembro de 2013, a pesquisa conduzida por Grantham Instituto de Pesquisa sobre mudanças climáticas e meio ambiente e parceria com a Escola de Economia de Londres, analisaram as legislações dos países industrializados, emergentes e em desenvolvimento.
A legislação sobre o clima nacional compreende conjuntamente os textos legislativos e as regulamentações em torno do assunto, tais como a eficácia energética, fontes de energia com baixa utilização de carbono, desmatamento, uso do solo, transporte e ainda adaptações aos impactos de mudanças climáticas. Sobre isso, ChristianaFigueres, Secretária Executiva do Quadro de Convenções das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (Ccnucc), classificou como “absolutamente essencial e indispensável entre as ações nacionais e os tratados internacionais”. 

México, Coreia Do Sul e China seguindo de perto.
No total, o largo perímetro legislativo estudado fora originado em 285 textos de 33 países. “Mas os números somente não são um indicador confiável da eficácia da legislação a cerca do tema”, alerta o fórum parlamentar queprefere o título de “leis emblemáticas” adotado por 31 dos 33 países. No que diz respeito à França, as leis Grenelle I e II adotadas em 2009 servirão como um farol para o Direito.

Quanto aos progressos registrados em 2012, eles são antes de tudo o resultado dos países emergentes e em desenvolvimento. Dos 18 Estados que têm progredido, 14 são do Sul. Uma nota da pesquisa qualificou este progresso como “particularmente forte”. Dentre esses 14 países, o GLOBE INTERNATONAL enaltece três como exemplares da classificação anterior. O primeiro é o México queaprovouno ano passado uma lei geral sobre as mudanças climáticas, “a lei climática mais completa dos países em desenvolvimento”. O texto valida o objetivo de reduzir 30% das emissões mexicanas até 2020 de acordo com o cenário sobre água, lançou as bases de instituições, enquadramento jurídico e recursos necessários para implementação de uma economia com baixa utilização de carbono.

A Coréia do Sul, por sua vez, adotou em 2012 uma lei sobre a atribuição de licenças de emissão de gases de efeito estufa que entrará em vigor em 2015, pois parte do seu mercado de carbono será inaugurado em 2015. No entanto, é principalmente a lei aprovada em 2009 em resposta à crise financeira que chama a atenção do GLOBE INTERNATIONAL. Chamado de "lei de gestão verde do baixo crescimento de emissões de carbono", o texto prevê uma série de medidas (mercado de CO2, impostos sobre o carbono, metas de médio e curto prazo, apoio às energias renováveis ​​, dentre outras).  A "legislação sobre economia verde mais abrangente do mundo" é a aspiração do governo para reposicionar a economia nacional.

Finalmente, a China tem um duplo interesse aos olhos dos autores. Por um lado, a legislação foi significativamente reforçada com a adoção em 2011 do 12 º Plano Quinquenal , que confirma , entre outras coisas , o objetivo de redução de 17 % na intensidade de carbono da economia. Da mesma forma, o Império do Meio em 2012 registrou progressos na aplicação da legislação sobre a mudança climática. Por outro lado, as futuras leis chinesas a serem adotadas ao longo dos próximos doze meses serão cruciaispara a visão globalizada do futuro acordo climático internacional, dada a importância dos países nas negociações.

A evolução negativa do Norte

Em contraste, os resultados dos países desenvolvidos são escassos e em alguns aspectos perturbadores. Em primeiro lugar, apenas a Austrália, o Japão, a União Europeia (UE) e os Estados Unidos fizeram progressos. O fórum parlamentar traz créditos para a adoção da diretiva da UE sobre a eficiência energética. E dá créditos aos Estados Unidos pela evolução da regulação de carbono no contexto da legislação sobre ar limpo (Clean Air Act).

Quanto à Austrália e o Japão, os progressos de 2012, a adoção de um mercado de carbono e a introdução de uma taca de emissão de carbono por segundo, são os “desenvolvimentos principais” amplamente contrabalanceados pelos “desenvolvimentos negativos registrados depois de janeiro de 2013”. Na verdade, o novo governo australiano anulou atualmente o texto adotado em 2012 e o Japão anunciou no ultimo mês um novo objetivo sobre o clima correspondente a uma alta de 3% das emissões japonesas no período entre o ano de 1990 a 2020, opostamente a previsão que fazia de reduções em 25% pelo mesmo período. Enfim, resta o caso do Canadá que revogou em 2012 sua lei de implementação do protocolo de Kyoto.

Um membro perguntou: a Austrália, o Canadá e o Japão são representantes de uma tendência geral na categoria dos países desenvolvidos? “Eu espero que não”, respondeu Adam C. T. Matthews, o Secretário Geral da GLOBE INTERNATIONAL. E explicou que caso contrário representaria “um verdadeiro problema alcançar o objetivo de limitar á 2 graus o aquecimento global”.

Fonte: http://www.actu-environnement.com/ae/news/globe-international-comparaison-lois-nationales-climat-20147.php4

Publicado em: 06 de dezembro de 2013.

Autor: Philippe Collet.

Tradução: Matheus Lima.

 

 

A retórica do desenvolvimento e o fantasma do apagão num emaranhado jogo de disputa política.


Entrevista especial com Célio Bermann

 

“Essa visão de energia como uma mercadoria prevalece no governo petista, o que é um contrassenso que desqualifica qualquer tentativa, pelo menos deste governo, de que a questão energética tenha como prioridade ser um elemento fundamental para melhorar a qualidade de vida da população brasileira”, adverte o professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP. 

 Foto: guaranoticias.com.br

O governo brasileiro “age como bombeiro para apagar o fogo que ele próprio provocou, claro, tendo também as empresas públicas e privadas na coautoria desse incêndio em que se transformou o setor elétrico no Brasil”. A observação é deCélio Bermann, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, que há anos acompanha a situação do setor elétrico no país. Crítico da MP 579, que tratou da renovação das concessões do setor elétrico em 2012, Bermann destaca que as discussões acerca da energia no Brasil foram substituídas por um “jogo político”, que envolve partidos, empreiteiras e empresas do setor elétrico. “A energia elétrica é tratada como uma mercadoria, e como tal, está sujeita a essa manipulação dos vários atores que intermedeiam a comercialização da energia. Então, a energia que poderia ser vendida e repassada a um valor da ordem média de 120 reais a cada mil quilowatts/hora ou 120 reais por megawatts/hora, chegou, neste ano, a 500 reais por megawatts/hora”, exemplifica.

Segundo ele, as distribuidoras estão comprando energia a um preço “abusivo” e “artificialmente elevado”, e como “não podem ou não puderam repassar para as tarifas esse aumento”, recorrem ao governo para cobrir os gastos com a compra de energia. “O prazo do pagamento para honrar o compromisso na aquisição de energia em junho venceu agora, e novamente as distribuidoras alegaram impossibilidade de fazer o pagamento. Mais uma vez, o governo articula um segundo empréstimo que está sendo discutido no valor de 6,5 bilhões de reais. Então, a conta hoje é de 17,7 bilhões, quase chegando a 18 bilhões”, frisa. Esse valor, informa, “como o próprio governo e a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL já afirmaram, vai ser repassado para as tarifas ao menos nos anos de 2015 e 2016. Eles alegam que esse repasse não vai significar mais do que 8% no aumento das tarifas, mas precisamos lembrar que neste ano de 2014, durante o vencimento dos contratos, houve aumentos nas tarifas de várias concessionárias de distribuição, os quais variaram entre 15 e 25%. Então, nós estamos hoje pagando uma energia mais cara e que vai ficar ainda mais cara”. E rebate: “O governo fala em 8%, mas tenho acompanhado alguns estudos que mostram que esse acréscimo deve ser entre 10 e 16%, e isso tudo indo para o bolso do pobre consumidor de energia elétrica do nosso país”.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Bermann também comenta a “sombra do apagão”veiculada com frequência na mídia, a qual tem “outro objetivo”: a disputa política. Ele lembra que “o mote da insegurança ou instabilidade do fornecimento de energia elétrica” durante o governo Fernando Henrique Cardoso, “muito bem apropriado, à época, pelo Partido dos Trabalhadores – PT e pelo candidato Lula”, é utilizado hoje pela “chamada oposição”, indicando “a incapacidade do governo Dilma para fazer frente ao suprimento de energia elétrica”. E acrescenta: “Tem esse jogo político em relação à questão do apagão, e também por parte do governo e das empresas que lucram com a construção de usinas — particularmente hidrelétricas. O fantasma do apagão sempre é lembrado para convencer tanto a população local como a opinião pública em geral da necessidade de construir usinas absolutamente incapazes de fornecer a energia elétrica para o interesse público e social”.

Apesar de a discussão energética, especificamente no que se refere ao setor elétrico, ser equivocada, o professor enfatiza que as hidrelétricas “estão sendo construídas — todas, sem exceção — não para evitar um apagão, como diz a retórica das empresas, a retórica do governo, nem tampouco para satisfazer uma demanda crescente em função da melhoria do nível de renda da população brasileira, com a ascensão da ‘camada C’, que agora pode comprar eletrodomésticos, pode comprar toda a linha branca. Não é essa demanda que as várias usinas que estão sendo construídas procuram atender. A demanda — e esse é um problema que eu chamo atenção há vários anos — basicamente vem dos setores industriais eletrointensivos, que apontam nos vários planos do Ministério de Minas e Energia, como o Plano Decenal de Energia, que vão duplicar a produção de aço, aumentar em 70% a produção de alumínio, duplicar a produção de celulose, a produção de ferroligas e todos esses setores que consomem muita energia elétrica, que vendem os seus produtos no mercado internacional com baixo valor agregado e que não traduzem o que se pode esperar de um programa de governo”.

Célio Bermann (foto abaixo) é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. É professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo.

Também é autor de diversas publicações, entre as quais citamos Energia no Brasil: Para quê? Para quem? – Crise e alternativas para um país sustentável (São Paulo: Ed. Livraria da Física/FASE, 2002); e As novas energias no Brasil: Dilemas da inclusão social e programas de Governo (Rio de Janeiro: FASE, 2007).

Confira a entrevista.

 Foto: www.iea.usp.br

IHU On-Line – Qual a atual situação do setor elétrico e qual tem sido o impacto da MP 579 sobre o setor?

Célio Bermann – O setor elétrico está enfrentando uma situação grave, porque aproximadamente 18 bilhões de reais estão sendo destinados para o chamado “equilíbrio econômico financeiro” das distribuidoras, e esse valor vai cair no bolso de todos os consumidores. O que o setor está vivendo agora é consequência de uma sucessão de erros não só do atual governo, mas de governos anteriores em relação ao gerenciamento das fontes e usos finais de energia. Eu diria que a situação se tornou mais aguda a partir da emissão da MP 579 — o que inclusive foi assunto de umaentrevista que concedi à IHU On-Line há dois anos —, quando, de forma intempestiva, a presidente Dilma resolveu antecipar a finalização dos contratos de concessão e promover uma redução artificial da tarifa. À época eu já havia chamado a atenção para o fato de quem iria pagar a conta dessa redução artificial da tarifa de energia elétrica — a qual foi saudada por todos, que ficaram contentes, alegres e felizes de ter uma redução na sua conta de eletricidade, mas que transformou essa boa intenção em um terreno de disputa política.

Por que eu digo isso? Porque três estados não aderiram ao chamado que o Executivo fez para que as empresas públicas entrassem também nesse novo modelo de proporcionar um custo da energia gerada que poderia ser repassada para o consumidor a um preço reduzido. Os estados de São PauloMinas Gerais e Paraná não aceitaram essa proposta. Não por acaso, são três governos sob a condução do PSDB. O resultado dessa não adesão pode ser entendido de diversas formas, mas ele representou uma retirada da energia que poderia ser acrescida nos leilões feitos desde 2012 e que não tiveram a participação das empresas públicas CEMIGCOPEL CESP. Assim, ao reduzir a oferta, as empresas definiram uma situação de incapacidade que o país apresentava em ofertar um montante de energia para atender a demanda que é comercializada através de contratos de longo prazo em leilões.

A isso se acrescenta o problema hidrológico que ficou evidenciado já no começo do ano passado e no começo deste ano, quando a capacidade de geração de energia elétrica a partir da água se reduziu de uma forma bastante importante, fazendo com que, para garantir a segurança energética da população e das atividades econômicas, o governo acabasse optando pela compra de energia através das usinas termoelétricas, cujo custo de geração é maior. Essa situação acabou gerando um espaço de manipulação em que os valores das tarifas subiram a preços absolutamente exorbitantes, fruto da especulação que começou a se fazer, porque afinal de contas a energia elétrica é tratada como uma mercadoria, e como tal, está sujeita a essa manipulação dos vários atores que intermedeiam a comercialização da energia.

Então, a energia que poderia ser vendida e repassada a um valor da ordem média de 120 reais por mil quilowatts/hora ou 120 reais por megawatts/hora, chegou neste ano a 500 reais por megawatts/hora. Como não havia energia suficiente para garantir os contratos de disponibilidade de energia para todos os seus consumidores, as distribuidoras tiveram de comprar energia a esse preço abusivo, artificialmente levado para cima das usinas termoelétricas. E como não podem ou não puderam repassar esse aumento para as tarifas, recorreram, em abril deste ano, ao governo, para que ele levantasse recursos necessários a fim de cobrir os gastos incorridos com a compra dessa energia para suprir a demanda que já estava contratada. Então, o governo conseguiu, em abril, articular com vários bancos privados, com a participação da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, um montante de 11,2 bilhões de reais a título de empréstimo para que as distribuidoras honrassem com os compromissos que elas tiveram na compra da energia mais cara.

 

"Avisou-se do risco incorrido com o açodamento com que a medida provisória foi imposta ao chamado setor elétrico"

O prazo do pagamento para honrar o compromisso na aquisição de energia em junho venceu agora, e novamente as distribuidoras alegaram impossibilidade de fazer o pagamento. Mais uma vez, o governo articula um segundo empréstimo que está sendo discutido no valor de 6,5 bilhões de reais.

 

Então, a conta hoje é de 17,7 bilhões, quase chegando a 18 bilhões, que como o próprio governo e a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEELjá afirmaram, vai ser repassado para as tarifas ao menos nos anos de 2015 e 2016. Eles alegam que esse repasse não vai significar mais do que 8% no aumento das tarifas, mas precisamos lembrar que neste ano de 2014, durante o vencimento dos contratos, houve aumentos nas tarifas de várias concessionárias de distribuição, os quais variaram entre 15 e 25%.

Então, nós estamos hoje pagando uma energia mais cara e que vai ficar ainda mais cara. O governo fala em 8%, mas tenho acompanhado alguns estudos que mostram que esse acréscimo deve ser entre 10 e 16%, e isso tudo indo para o bolso do pobre consumidor de energia elétrica do nosso país — o consumidor residencial, as indústrias, o comércio, etc.

IHU On-Line – Especula-se que para evitar um apagão e garantir a reeleição, o governo cedeu valores extorsivos dolobby termoelétrico. O senhor tem conhecimento sobre isso?

Célio Bermann – A questão da sombra do apagão tem sido veiculada com frequência, mas com outro objetivo. A crise de indisponibilidade de energia elétrica, que fez todos os consumidores do país reduzirem 20% o consumo e foi chamada de apagão, em 2001, marcou politicamente a segunda gestão do governo Fernando Henrique Cardoso – FHC.

Nesse sentido, o mote da insegurança ou instabilidade do fornecimento de energia elétrica foi muito bem apropriado, à época, pelo Partido dos Trabalhadores – PT e pelo candidato Lula — não digo que esse foi o fator que levou à vitória de Lula nas eleições, mas contribuiu muito. Tanto é que hoje a chamada oposição, de forma frequente, indica a incapacidade do governo Dilma para fazer frente à necessidade de assegurar o suprimento de energia elétrica.

Então, tem esse jogo político em relação à questão do apagão, e também por parte do governo e das empresas que lucram com a construção de usinas — particularmente hidrelétricas. O fantasma do apagão sempre é lembrado para convencer tanto a população local como a opinião pública em geral da necessidade de construir usinas absolutamente incapazes de fornecer a energia elétrica para o interesse público e social. Elas estão sendo construídas — todas, sem exceção — não para evitar um apagão, como diz a retórica das empresas, a retórica do governo, nem tampouco para satisfazer uma demanda crescente em função da melhoria do nível de renda da população brasileira, com a ascensão da “camada C”, que agora pode comprar eletrodomésticos, pode comprar toda a “linha branca”. Não é essa demanda que as várias usinas que estão sendo construídas procuram atender.

A demanda — e esse é um problema que eu chamo atenção há vários anos — basicamente vem dos setores industriais eletrointensivos, que apontam nos vários planos do Ministério de Minas e Energia, como o Plano Decenal de Energia, que vão duplicar a produção de aço, aumentar em 70% a produção de alumínio, duplicar a produção de celulose, a produção de ferroligas e todos esses setores que consomem muita energia elétrica, que vendem os seus produtos no mercado internacional com baixo valor agregado e que não traduzem o que se pode esperar de um programa de governo.

Essas não são características do atual governo, pois isso já vem acontecendo desde a época da ditadura militar, o que evidencia apenas uma submissão do necessário programa nacional de desenvolvimento aos interesses das grandes corporações internacionais, que definiram países como o Brasil como sendo países em que recursos naturais — como minérios e água — são as vantagens para que essa produção voltada para o mercado internacional se dê com maior ênfase. 

Não há por parte do atual governo, nem de governos anteriores, uma séria intenção — e eu não quero aqui dizer que nós vamos fechar as fábricas desses setores, mas, por favor, por que aumentar a demanda? E essa demanda só vai ser satisfeita através de grandes blocos de energia. Não adianta querer construir usinas eólicas, de biomassa, ou solares — que é o que os meus amigos ambientalistas supõem como alternativa para modificar a oferta de energia elétrica no nosso país —, se não modificarmos e alterarmos essa demanda. As empresas necessitam de grandes blocos de energia, e esses grandes blocos de energia saem das expropriações de terras e da definição de uma situação que beira, no meu entender, quase a um genocídio das populações tradicionais da região amazônica e, particularmente, das populações indígenas. Então, é este o custo, inclusive social e ambiental, para poder satisfazer essa demanda.

"O fantasma do apagão sempre é lembrado para convencer tanto a população local como a opinião pública em geral da necessidade de construir usinas absolutamente incapazes de fornecer a energia elétrica"

O grande problema é que a energia elétrica tem uma particularidade: não se consegue identificar, quando a energia elétrica é gerada, no ponto em que ela foi gerada, para onde ela está indo, ou seja, qual é o destino dessa energia do ponto de vista físico. Então, eventualmente, num sistema interligado como o sistema brasileiro, uma pessoa no Rio Grande do Sul pode estar consumindo energia elétrica que vem de Angra II, do Rio de Janeiro, ou, levando em consideração o fato de que pelo menos parcialmente o sistema Norte vem sendo gradativamente interligado ao resto do sistema brasileiro, a corrente elétrica percorre os territórios.

Nesse sentido, existe uma dificuldade física de demonstrar isso que estou afirmando, mas os dados de balanço e oferta de energia correspondem a essa situação em que há, definitivamente, uma prioridade, um privilégio em satisfazer a demanda dessa natureza, utilizando como artifício, como retórica, que essa energia está sendo produzida para o desenvolvimento do país, para o crescimento econômico e para a satisfação das necessidades das camadas da população que hoje, em função do discutível cenário de aumento de renda, têm equipamentos eletrodomésticos que demandam energia elétrica.

Essa discussão está se dando em um cenário que leva, via de regra, um cidadão comum e a opinião pública em geral a situações de fragilização, porque ninguém em sã consciência quer ficar sem energia elétrica.

IHU On-Line – Que relação o senhor estabelece entre o fato de esses três estados serem governados pelo PSDB e não terem aceitado a renovação das concessões do setor elétrico?

Célio Bermann – A não participação dessas empresas nos leilões que se sucederam ultimamente tem sido objeto de identificação e, eventualmente, de judicialização desse tipo de procedimento. Suspeita-se que as três empresas agiram na forma de cartel, que algumas delas, como têm geração e distribuição ainda dentro das suas atividades, se beneficiaram economicamente com o aumento das tarifas no mercado livre, ocasionado não apenas por causa das chuvas, mas também pela sua não participação nos leilões de oferta de energia e, via de regra, cada uma delas alegava que não havia energia disponível.

Esses são fatos que precisam ser investigados, porque acabaram trazendo mais vigor ao problema econômico financeiro que hoje as distribuidoras de uma forma geral estão vivendo e, por consequência, os consumidores de energia elétrica no país. Mas essa, por enquanto, é uma situação de suspeitas; eu não poderia afirmar de forma definitiva, categórica, que a questão do terreno em disputa política está presente particularmente nesse contexto, mas há uma suspeita muito grande.

Essa questão também acabou gerando sérios problemas nas empresas, em função da presença do governo na gestão delas — eu estou fazendo referência particular à Eletrobras. A empresa teve prejuízos enormes com a MP 579: fala-se em 13 bilhões, em função justamente da imposição, através da medida provisória, de que o custo da energia em usinas amortizadas do grupo Eletrobras, que antes eram vendidas a 120 reais, fossem passadas a 9 reais, e que se acentuaram quando essas novas empresas, por conta da restrição hidrológica para honrar seus contratos, também tiveram que buscar a energia a 500 reais por megawatt/hora no mercado livre, no mercado de curto prazo. Tudo isso já havia sido alertado à época pelos críticos acadêmicos, ou seja, avisou-se do risco incorrido com o açodamento com que a medida provisória foi imposta ao chamado setor elétrico.

IHU On-Line – Quais são as principais informações do relatório “As multinacionais no Século XXI: impactos múltiplos”? O relatório menciona que as empresas do consórcio Norte Energia entregaram fundos de campanha para o PT e outros partidos. Que informações o senhor tem sobre o relatório e a relação entre as empresas de consórcio e os partidos?

Célio Bermann – Utilizei essa referência em alguns artigos que escrevi ultimamente. A fonte dela é um artigo que saiu no jornal O Estado de S. Paulo logo depois das eleições que elegeram a presidente Dilma, em que o jornalista José Roberto Toledo, em artigo publicado no dia 2 de dezembro de 2010, faz referência à participação de empreiteiras e empresas de construção que doaram recursos tanto para a candidata Dilma quanto para o candidato José Serra. Nos meus artigos, cito, em função do levantamento do repórter, os valores que aparecem na matéria dele.

O que esses valores revelam? Revelam a relação que hoje as empresas e seus interesses constroem com o governo e como o governo se deixa levar nesse tipo de situação. Isso nos faz entender por que diversas obras foram empurradas com apoio do governo sem nenhuma justificativa técnica e energética e com claros problemas econômicos e financeiros, para satisfazer interesse de ocasião. Quer dizer, as indústrias de construção civil e empreiteiras não estão interessadas na geração de energia elétrica, elas estão interessadas na obra. E o fato particular de o consórcio construtor de Belo Monte ser formado por empresas que participaram de forma ativa como doadores para a campanha da candidata Dilma, faz estabelecer essa reação de causa e efeito, afinal de contas, o contrato das obras civis é de 13,8 bilhões de reais para o conjunto das empresas.

Em relação às doações, a Camargo Corrêa contribuiu, à época da campanha da Dilma, com 8 milhões; Andrade Gutierrez, com 5,1 milhões; OAS, com 3 milhões; Serveng-Civilsan, com 2 milhões; Galvão Engenharia, com 2 milhões; Queiroz Galvão, com 2 milhões; Norberto Odebrecht, com 1 milhão; Mendes Junior, com 1 milhão. Todas elas compõem o consórcio construtor de Belo Monte. E não esqueçamos: 80% do valor da construção da usina está vindo dos cofres do BNDES para poder construir uma obra absolutamente equivocada do ponto de vista técnico.

"80% do valor da construção da usina está vindo dos cofres do BNDES para poder construir uma obra absolutamente equivocada do ponto de vista técnico"

Ingerência

Esse tipo de ingerência entre os interesses das empresas e o governo se deu de forma evidente na construção das duas usinas da bacia do rio Madeira. Tanto Santo Antônio como Jirau foram autorizadas a iniciar a construção na base de um tremendo esforço de pressão, como do presidente Lula à época, ao falar que o problema das usinas deveria deixar de ser uma preocupação com os bagres — e isso se tornou uma anedota, desqualificando toda a avaliação crítica que se fazia em relação à natureza dos dois projetos. Além disso, as consequências ambientais e sociais dos projetos foram desconsideradas.

Naquela ocasião, a ministra da Casa Civil usou de toda a sua capacidade de pressão, a qual acabou repercutindo de uma forma negativa em um processo que, no meu entender, poderia ser mais democrático.

À época — somente para lembrar —, os técnicos do IBAMA tinham uma avaliação absolutamente negativa dos projetos. Indicaram a inviabilidade ambiental da obra, que é a área de ação do IBAMA, não entraram no terreno técnico propriamente dito das turbinas a bulbo em um rio daquela natureza, uma usina com 45 turbinas planejadas para operar, uma ao lado da outra, com uma vazão muito grande, sendo que isso nunca havia sido testado em outro lugar.

Houve também uma avaliação do laboratório de hidráulica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, que fez testes para averiguar a viabilidade operativa da usina, mas tudo isso acabou fazendo com que os técnicos que se manifestaram em oposição à obra fossem afastados. O presidente do IBAMA à época também foi afastado, tudo isso para poder viabilizar o licenciamento ambiental.

A própria ministra Marina Silva, meses depois, também foi afastada, e isso marca um procedimento que caracteriza o atual governo, infelizmente. Ou seja, há ausência de um debate democrático — eu chamo autocracia energética, para não dizer ditadura —, em que não se ouvem os diversos interesses, não se busca um diálogo, não se busca resolver conflitos a não ser à mão armada no caso de subterfúgio, de utilizar força nacional em situações de conflito, o que agora está acontecendo com bastante frequência nesse tipo de obra.

O pior que aconteceu neste ano foi em relação às cheias na bacia do rio Madeira, quando a presidente Dilma foi à região de Porto Velho para prestar solidariedade às populações que perderam suas casas e tiveram prejuízos. Na ocasião ela disse que as usinas hidrelétricas, que ela particularmente tinha pressionado para serem construídas, não tinham nenhuma responsabilidade pela ocorrência das cheias, da enchente, e que isso foi coisa de São Pedro.

Então, veja que é uma situação que dá o contorno político ou que acrescenta mais dados ao contorno político da situação que estamos enfrentando em relação à segurança de energia elétrica em nosso país.

IHU On-Line – Como a questão energética será tratada nas eleições? Essa será uma carta da oposição contra o governo Dilma? Eduardo Campos tem alguma proposta, tendo em vista que Marina Silva é vice-presidente da chapa dele?

Célio Bermann – Eu apenas posso supor, não posso afirmar nada em relação a como a questão energética e o problema do contexto energético atual vão ser tratados nas propostas dos candidatos. Não tenho elementos nem envolvimento com a construção de nenhum dos programas de governos. Já foi suficiente eu ter participado de forma sucessiva dos encontros do Partido dos Trabalhadores – PT para traçar diretrizes de governo.

Desde as eleições de 1989 eu tive envolvimento com os programas de governo do candidato Lula, até o ano pré-eleitoral de 2002, quando houve também o esforço de elaborar um programa de governo para a área energética no Instituto da Cidadania, no bairro Ipiranga, em São Paulo, o qual depois foi rasgado quando o presidente Lula tomou assento no Palácio do Planalto, e definiu a ex-secretária de Energia do Estado do Rio Grande do Sul como ministra de Minas e Energia.

Todas as diretrizes que tinham sido desenhadas antes das eleições foram simplesmente abandonadas, e o que se viu com indignação foi a edição de uma medida provisória, a qual depois virou a lei 10.438, que define o chamado “novo modelo do setor elétrico brasileiro”, em que a natureza desse novo modelo foi apenas de aparar arestas, melhorar sem modificar de forma profunda e consistente a maneira como a questão energética vinha sendo tratada nos dois governos FHC que antecederam o primeiro governo Lula. 

Essa visão de energia como uma mercadoria prevalece no governo petista, o que é um contrassenso que desqualifica qualquer tentativa, pelo menos deste governo — e isso foi demonstrado nos dois mandatos do presidente Lula e no mandato da presidente Dilma —, de que a questão energética tenha como prioridade ser um elemento fundamental para melhorar a qualidade de vida da população brasileira, incorporando questões essenciais como o gerenciamento da demanda de energia elétrica, em que se modificassem costumes e perfil industrial, para se adequar de forma a garantir o suprimento de energia elétrica. Isso virou apenas uma vontade deste professor, deste investigador que ainda tem esperança de que um dia algum governo tome a área da energia como uma área voltada aos interesses da população brasileira.

IHU On-Line – O que se vislumbra para o setor energético em relação à política energética e ao planejamento energético nos próximos anos?

Célio Bermann – Se as coisas ficarem como estão, é o pior dos mundos. Nós temos hoje uma situação do governo em que ele age como bombeiro para apagar o fogo que ele próprio provocou, claro, tendo também as empresas públicas e privadas na coautoria desse incêndio em que se transformou o setor elétrico no Brasil. Se não houver uma mudança radical na forma de gerenciamento para que a questão energética saia das salas dos catedráticos, dos acadêmicos e dos andares do ministério em Brasília, para envolver toda a população brasileira nesse debate — porque a energia é um bem essencial e não pode ficar restrita à manipulação —, não haverá mudanças.

Espero que a população brasileira encontre condições para, de uma forma democrática, romper e redirecionar a direção com que hoje instituições, pessoas e interesses conduzem a política energética no nosso país. Vejo um futuro, se é que podemos pensar assim, em que essas alterações, modificações se concretizem, mas infelizmente não será nestas nem nas próximas eleições, pelo menos se pensarmos em curto prazo. Trata-se de uma perspectiva que deve ser perseguida para que o nosso país acabe encontrando condições adequadas para o desenvolvimento econômico e a satisfação das necessidades energéticas.

A retórica do desenvolvimento e o fantasma do apagão num emaranhado jogo de disputa política.


Entrevista especial com Célio Bermann

 

“Essa visão de energia como uma mercadoria prevalece no governo petista, o que é um contrassenso que desqualifica qualquer tentativa, pelo menos deste governo, de que a questão energética tenha como prioridade ser um elemento fundamental para melhorar a qualidade de vida da população brasileira”, adverte o professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP. 

 Foto: guaranoticias.com.br

O governo brasileiro “age como bombeiro para apagar o fogo que ele próprio provocou, claro, tendo também as empresas públicas e privadas na coautoria desse incêndio em que se transformou o setor elétrico no Brasil”. A observação é deCélio Bermann, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, que há anos acompanha a situação do setor elétrico no país. Crítico da MP 579, que tratou da renovação das concessões do setor elétrico em 2012, Bermann destaca que as discussões acerca da energia no Brasil foram substituídas por um “jogo político”, que envolve partidos, empreiteiras e empresas do setor elétrico. “A energia elétrica é tratada como uma mercadoria, e como tal, está sujeita a essa manipulação dos vários atores que intermedeiam a comercialização da energia. Então, a energia que poderia ser vendida e repassada a um valor da ordem média de 120 reais a cada mil quilowatts/hora ou 120 reais por megawatts/hora, chegou, neste ano, a 500 reais por megawatts/hora”, exemplifica.

Segundo ele, as distribuidoras estão comprando energia a um preço “abusivo” e “artificialmente elevado”, e como “não podem ou não puderam repassar para as tarifas esse aumento”, recorrem ao governo para cobrir os gastos com a compra de energia. “O prazo do pagamento para honrar o compromisso na aquisição de energia em junho venceu agora, e novamente as distribuidoras alegaram impossibilidade de fazer o pagamento. Mais uma vez, o governo articula um segundo empréstimo que está sendo discutido no valor de 6,5 bilhões de reais. Então, a conta hoje é de 17,7 bilhões, quase chegando a 18 bilhões”, frisa. Esse valor, informa, “como o próprio governo e a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL já afirmaram, vai ser repassado para as tarifas ao menos nos anos de 2015 e 2016. Eles alegam que esse repasse não vai significar mais do que 8% no aumento das tarifas, mas precisamos lembrar que neste ano de 2014, durante o vencimento dos contratos, houve aumentos nas tarifas de várias concessionárias de distribuição, os quais variaram entre 15 e 25%. Então, nós estamos hoje pagando uma energia mais cara e que vai ficar ainda mais cara”. E rebate: “O governo fala em 8%, mas tenho acompanhado alguns estudos que mostram que esse acréscimo deve ser entre 10 e 16%, e isso tudo indo para o bolso do pobre consumidor de energia elétrica do nosso país”.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Bermann também comenta a “sombra do apagão”veiculada com frequência na mídia, a qual tem “outro objetivo”: a disputa política. Ele lembra que “o mote da insegurança ou instabilidade do fornecimento de energia elétrica” durante o governo Fernando Henrique Cardoso, “muito bem apropriado, à época, pelo Partido dos Trabalhadores – PT e pelo candidato Lula”, é utilizado hoje pela “chamada oposição”, indicando “a incapacidade do governo Dilma para fazer frente ao suprimento de energia elétrica”. E acrescenta: “Tem esse jogo político em relação à questão do apagão, e também por parte do governo e das empresas que lucram com a construção de usinas — particularmente hidrelétricas. O fantasma do apagão sempre é lembrado para convencer tanto a população local como a opinião pública em geral da necessidade de construir usinas absolutamente incapazes de fornecer a energia elétrica para o interesse público e social”.

Apesar de a discussão energética, especificamente no que se refere ao setor elétrico, ser equivocada, o professor enfatiza que as hidrelétricas “estão sendo construídas — todas, sem exceção — não para evitar um apagão, como diz a retórica das empresas, a retórica do governo, nem tampouco para satisfazer uma demanda crescente em função da melhoria do nível de renda da população brasileira, com a ascensão da ‘camada C’, que agora pode comprar eletrodomésticos, pode comprar toda a linha branca. Não é essa demanda que as várias usinas que estão sendo construídas procuram atender. A demanda — e esse é um problema que eu chamo atenção há vários anos — basicamente vem dos setores industriais eletrointensivos, que apontam nos vários planos do Ministério de Minas e Energia, como o Plano Decenal de Energia, que vão duplicar a produção de aço, aumentar em 70% a produção de alumínio, duplicar a produção de celulose, a produção de ferroligas e todos esses setores que consomem muita energia elétrica, que vendem os seus produtos no mercado internacional com baixo valor agregado e que não traduzem o que se pode esperar de um programa de governo”.

Célio Bermann (foto abaixo) é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. É professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo.

Também é autor de diversas publicações, entre as quais citamos Energia no Brasil: Para quê? Para quem? – Crise e alternativas para um país sustentável (São Paulo: Ed. Livraria da Física/FASE, 2002); e As novas energias no Brasil: Dilemas da inclusão social e programas de Governo (Rio de Janeiro: FASE, 2007).

Confira a entrevista.

 Foto: www.iea.usp.br

IHU On-Line – Qual a atual situação do setor elétrico e qual tem sido o impacto da MP 579 sobre o setor?

Célio Bermann – O setor elétrico está enfrentando uma situação grave, porque aproximadamente 18 bilhões de reais estão sendo destinados para o chamado “equilíbrio econômico financeiro” das distribuidoras, e esse valor vai cair no bolso de todos os consumidores. O que o setor está vivendo agora é consequência de uma sucessão de erros não só do atual governo, mas de governos anteriores em relação ao gerenciamento das fontes e usos finais de energia. Eu diria que a situação se tornou mais aguda a partir da emissão da MP 579 — o que inclusive foi assunto de umaentrevista que concedi à IHU On-Line há dois anos —, quando, de forma intempestiva, a presidente Dilma resolveu antecipar a finalização dos contratos de concessão e promover uma redução artificial da tarifa. À época eu já havia chamado a atenção para o fato de quem iria pagar a conta dessa redução artificial da tarifa de energia elétrica — a qual foi saudada por todos, que ficaram contentes, alegres e felizes de ter uma redução na sua conta de eletricidade, mas que transformou essa boa intenção em um terreno de disputa política.

Por que eu digo isso? Porque três estados não aderiram ao chamado que o Executivo fez para que as empresas públicas entrassem também nesse novo modelo de proporcionar um custo da energia gerada que poderia ser repassada para o consumidor a um preço reduzido. Os estados de São PauloMinas Gerais e Paraná não aceitaram essa proposta. Não por acaso, são três governos sob a condução do PSDB. O resultado dessa não adesão pode ser entendido de diversas formas, mas ele representou uma retirada da energia que poderia ser acrescida nos leilões feitos desde 2012 e que não tiveram a participação das empresas públicas CEMIGCOPEL CESP. Assim, ao reduzir a oferta, as empresas definiram uma situação de incapacidade que o país apresentava em ofertar um montante de energia para atender a demanda que é comercializada através de contratos de longo prazo em leilões.

A isso se acrescenta o problema hidrológico que ficou evidenciado já no começo do ano passado e no começo deste ano, quando a capacidade de geração de energia elétrica a partir da água se reduziu de uma forma bastante importante, fazendo com que, para garantir a segurança energética da população e das atividades econômicas, o governo acabasse optando pela compra de energia através das usinas termoelétricas, cujo custo de geração é maior. Essa situação acabou gerando um espaço de manipulação em que os valores das tarifas subiram a preços absolutamente exorbitantes, fruto da especulação que começou a se fazer, porque afinal de contas a energia elétrica é tratada como uma mercadoria, e como tal, está sujeita a essa manipulação dos vários atores que intermedeiam a comercialização da energia.

Então, a energia que poderia ser vendida e repassada a um valor da ordem média de 120 reais por mil quilowatts/hora ou 120 reais por megawatts/hora, chegou neste ano a 500 reais por megawatts/hora. Como não havia energia suficiente para garantir os contratos de disponibilidade de energia para todos os seus consumidores, as distribuidoras tiveram de comprar energia a esse preço abusivo, artificialmente levado para cima das usinas termoelétricas. E como não podem ou não puderam repassar esse aumento para as tarifas, recorreram, em abril deste ano, ao governo, para que ele levantasse recursos necessários a fim de cobrir os gastos incorridos com a compra dessa energia para suprir a demanda que já estava contratada. Então, o governo conseguiu, em abril, articular com vários bancos privados, com a participação da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, um montante de 11,2 bilhões de reais a título de empréstimo para que as distribuidoras honrassem com os compromissos que elas tiveram na compra da energia mais cara.

 

"Avisou-se do risco incorrido com o açodamento com que a medida provisória foi imposta ao chamado setor elétrico"

O prazo do pagamento para honrar o compromisso na aquisição de energia em junho venceu agora, e novamente as distribuidoras alegaram impossibilidade de fazer o pagamento. Mais uma vez, o governo articula um segundo empréstimo que está sendo discutido no valor de 6,5 bilhões de reais.

 

Então, a conta hoje é de 17,7 bilhões, quase chegando a 18 bilhões, que como o próprio governo e a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEELjá afirmaram, vai ser repassado para as tarifas ao menos nos anos de 2015 e 2016. Eles alegam que esse repasse não vai significar mais do que 8% no aumento das tarifas, mas precisamos lembrar que neste ano de 2014, durante o vencimento dos contratos, houve aumentos nas tarifas de várias concessionárias de distribuição, os quais variaram entre 15 e 25%.

Então, nós estamos hoje pagando uma energia mais cara e que vai ficar ainda mais cara. O governo fala em 8%, mas tenho acompanhado alguns estudos que mostram que esse acréscimo deve ser entre 10 e 16%, e isso tudo indo para o bolso do pobre consumidor de energia elétrica do nosso país — o consumidor residencial, as indústrias, o comércio, etc.

IHU On-Line – Especula-se que para evitar um apagão e garantir a reeleição, o governo cedeu valores extorsivos dolobby termoelétrico. O senhor tem conhecimento sobre isso?

Célio Bermann – A questão da sombra do apagão tem sido veiculada com frequência, mas com outro objetivo. A crise de indisponibilidade de energia elétrica, que fez todos os consumidores do país reduzirem 20% o consumo e foi chamada de apagão, em 2001, marcou politicamente a segunda gestão do governo Fernando Henrique Cardoso – FHC.

Nesse sentido, o mote da insegurança ou instabilidade do fornecimento de energia elétrica foi muito bem apropriado, à época, pelo Partido dos Trabalhadores – PT e pelo candidato Lula — não digo que esse foi o fator que levou à vitória de Lula nas eleições, mas contribuiu muito. Tanto é que hoje a chamada oposição, de forma frequente, indica a incapacidade do governo Dilma para fazer frente à necessidade de assegurar o suprimento de energia elétrica.

Então, tem esse jogo político em relação à questão do apagão, e também por parte do governo e das empresas que lucram com a construção de usinas — particularmente hidrelétricas. O fantasma do apagão sempre é lembrado para convencer tanto a população local como a opinião pública em geral da necessidade de construir usinas absolutamente incapazes de fornecer a energia elétrica para o interesse público e social. Elas estão sendo construídas — todas, sem exceção — não para evitar um apagão, como diz a retórica das empresas, a retórica do governo, nem tampouco para satisfazer uma demanda crescente em função da melhoria do nível de renda da população brasileira, com a ascensão da “camada C”, que agora pode comprar eletrodomésticos, pode comprar toda a “linha branca”. Não é essa demanda que as várias usinas que estão sendo construídas procuram atender.

A demanda — e esse é um problema que eu chamo atenção há vários anos — basicamente vem dos setores industriais eletrointensivos, que apontam nos vários planos do Ministério de Minas e Energia, como o Plano Decenal de Energia, que vão duplicar a produção de aço, aumentar em 70% a produção de alumínio, duplicar a produção de celulose, a produção de ferroligas e todos esses setores que consomem muita energia elétrica, que vendem os seus produtos no mercado internacional com baixo valor agregado e que não traduzem o que se pode esperar de um programa de governo.

Essas não são características do atual governo, pois isso já vem acontecendo desde a época da ditadura militar, o que evidencia apenas uma submissão do necessário programa nacional de desenvolvimento aos interesses das grandes corporações internacionais, que definiram países como o Brasil como sendo países em que recursos naturais — como minérios e água — são as vantagens para que essa produção voltada para o mercado internacional se dê com maior ênfase. 

Não há por parte do atual governo, nem de governos anteriores, uma séria intenção — e eu não quero aqui dizer que nós vamos fechar as fábricas desses setores, mas, por favor, por que aumentar a demanda? E essa demanda só vai ser satisfeita através de grandes blocos de energia. Não adianta querer construir usinas eólicas, de biomassa, ou solares — que é o que os meus amigos ambientalistas supõem como alternativa para modificar a oferta de energia elétrica no nosso país —, se não modificarmos e alterarmos essa demanda. As empresas necessitam de grandes blocos de energia, e esses grandes blocos de energia saem das expropriações de terras e da definição de uma situação que beira, no meu entender, quase a um genocídio das populações tradicionais da região amazônica e, particularmente, das populações indígenas. Então, é este o custo, inclusive social e ambiental, para poder satisfazer essa demanda.

"O fantasma do apagão sempre é lembrado para convencer tanto a população local como a opinião pública em geral da necessidade de construir usinas absolutamente incapazes de fornecer a energia elétrica"

O grande problema é que a energia elétrica tem uma particularidade: não se consegue identificar, quando a energia elétrica é gerada, no ponto em que ela foi gerada, para onde ela está indo, ou seja, qual é o destino dessa energia do ponto de vista físico. Então, eventualmente, num sistema interligado como o sistema brasileiro, uma pessoa no Rio Grande do Sul pode estar consumindo energia elétrica que vem de Angra II, do Rio de Janeiro, ou, levando em consideração o fato de que pelo menos parcialmente o sistema Norte vem sendo gradativamente interligado ao resto do sistema brasileiro, a corrente elétrica percorre os territórios.

Nesse sentido, existe uma dificuldade física de demonstrar isso que estou afirmando, mas os dados de balanço e oferta de energia correspondem a essa situação em que há, definitivamente, uma prioridade, um privilégio em satisfazer a demanda dessa natureza, utilizando como artifício, como retórica, que essa energia está sendo produzida para o desenvolvimento do país, para o crescimento econômico e para a satisfação das necessidades das camadas da população que hoje, em função do discutível cenário de aumento de renda, têm equipamentos eletrodomésticos que demandam energia elétrica.

Essa discussão está se dando em um cenário que leva, via de regra, um cidadão comum e a opinião pública em geral a situações de fragilização, porque ninguém em sã consciência quer ficar sem energia elétrica.

IHU On-Line – Que relação o senhor estabelece entre o fato de esses três estados serem governados pelo PSDB e não terem aceitado a renovação das concessões do setor elétrico?

Célio Bermann – A não participação dessas empresas nos leilões que se sucederam ultimamente tem sido objeto de identificação e, eventualmente, de judicialização desse tipo de procedimento. Suspeita-se que as três empresas agiram na forma de cartel, que algumas delas, como têm geração e distribuição ainda dentro das suas atividades, se beneficiaram economicamente com o aumento das tarifas no mercado livre, ocasionado não apenas por causa das chuvas, mas também pela sua não participação nos leilões de oferta de energia e, via de regra, cada uma delas alegava que não havia energia disponível.

Esses são fatos que precisam ser investigados, porque acabaram trazendo mais vigor ao problema econômico financeiro que hoje as distribuidoras de uma forma geral estão vivendo e, por consequência, os consumidores de energia elétrica no país. Mas essa, por enquanto, é uma situação de suspeitas; eu não poderia afirmar de forma definitiva, categórica, que a questão do terreno em disputa política está presente particularmente nesse contexto, mas há uma suspeita muito grande.

Essa questão também acabou gerando sérios problemas nas empresas, em função da presença do governo na gestão delas — eu estou fazendo referência particular à Eletrobras. A empresa teve prejuízos enormes com a MP 579: fala-se em 13 bilhões, em função justamente da imposição, através da medida provisória, de que o custo da energia em usinas amortizadas do grupo Eletrobras, que antes eram vendidas a 120 reais, fossem passadas a 9 reais, e que se acentuaram quando essas novas empresas, por conta da restrição hidrológica para honrar seus contratos, também tiveram que buscar a energia a 500 reais por megawatt/hora no mercado livre, no mercado de curto prazo. Tudo isso já havia sido alertado à época pelos críticos acadêmicos, ou seja, avisou-se do risco incorrido com o açodamento com que a medida provisória foi imposta ao chamado setor elétrico.

IHU On-Line – Quais são as principais informações do relatório “As multinacionais no Século XXI: impactos múltiplos”? O relatório menciona que as empresas do consórcio Norte Energia entregaram fundos de campanha para o PT e outros partidos. Que informações o senhor tem sobre o relatório e a relação entre as empresas de consórcio e os partidos?

Célio Bermann – Utilizei essa referência em alguns artigos que escrevi ultimamente. A fonte dela é um artigo que saiu no jornal O Estado de S. Paulo logo depois das eleições que elegeram a presidente Dilma, em que o jornalista José Roberto Toledo, em artigo publicado no dia 2 de dezembro de 2010, faz referência à participação de empreiteiras e empresas de construção que doaram recursos tanto para a candidata Dilma quanto para o candidato José Serra. Nos meus artigos, cito, em função do levantamento do repórter, os valores que aparecem na matéria dele.

O que esses valores revelam? Revelam a relação que hoje as empresas e seus interesses constroem com o governo e como o governo se deixa levar nesse tipo de situação. Isso nos faz entender por que diversas obras foram empurradas com apoio do governo sem nenhuma justificativa técnica e energética e com claros problemas econômicos e financeiros, para satisfazer interesse de ocasião. Quer dizer, as indústrias de construção civil e empreiteiras não estão interessadas na geração de energia elétrica, elas estão interessadas na obra. E o fato particular de o consórcio construtor de Belo Monte ser formado por empresas que participaram de forma ativa como doadores para a campanha da candidata Dilma, faz estabelecer essa reação de causa e efeito, afinal de contas, o contrato das obras civis é de 13,8 bilhões de reais para o conjunto das empresas.

Em relação às doações, a Camargo Corrêa contribuiu, à época da campanha da Dilma, com 8 milhões; Andrade Gutierrez, com 5,1 milhões; OAS, com 3 milhões; Serveng-Civilsan, com 2 milhões; Galvão Engenharia, com 2 milhões; Queiroz Galvão, com 2 milhões; Norberto Odebrecht, com 1 milhão; Mendes Junior, com 1 milhão. Todas elas compõem o consórcio construtor de Belo Monte. E não esqueçamos: 80% do valor da construção da usina está vindo dos cofres do BNDES para poder construir uma obra absolutamente equivocada do ponto de vista técnico.

"80% do valor da construção da usina está vindo dos cofres do BNDES para poder construir uma obra absolutamente equivocada do ponto de vista técnico"

Ingerência

Esse tipo de ingerência entre os interesses das empresas e o governo se deu de forma evidente na construção das duas usinas da bacia do rio Madeira. Tanto Santo Antônio como Jirau foram autorizadas a iniciar a construção na base de um tremendo esforço de pressão, como do presidente Lula à época, ao falar que o problema das usinas deveria deixar de ser uma preocupação com os bagres — e isso se tornou uma anedota, desqualificando toda a avaliação crítica que se fazia em relação à natureza dos dois projetos. Além disso, as consequências ambientais e sociais dos projetos foram desconsideradas.

Naquela ocasião, a ministra da Casa Civil usou de toda a sua capacidade de pressão, a qual acabou repercutindo de uma forma negativa em um processo que, no meu entender, poderia ser mais democrático.

À época — somente para lembrar —, os técnicos do IBAMA tinham uma avaliação absolutamente negativa dos projetos. Indicaram a inviabilidade ambiental da obra, que é a área de ação do IBAMA, não entraram no terreno técnico propriamente dito das turbinas a bulbo em um rio daquela natureza, uma usina com 45 turbinas planejadas para operar, uma ao lado da outra, com uma vazão muito grande, sendo que isso nunca havia sido testado em outro lugar.

Houve também uma avaliação do laboratório de hidráulica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, que fez testes para averiguar a viabilidade operativa da usina, mas tudo isso acabou fazendo com que os técnicos que se manifestaram em oposição à obra fossem afastados. O presidente do IBAMA à época também foi afastado, tudo isso para poder viabilizar o licenciamento ambiental.

A própria ministra Marina Silva, meses depois, também foi afastada, e isso marca um procedimento que caracteriza o atual governo, infelizmente. Ou seja, há ausência de um debate democrático — eu chamo autocracia energética, para não dizer ditadura —, em que não se ouvem os diversos interesses, não se busca um diálogo, não se busca resolver conflitos a não ser à mão armada no caso de subterfúgio, de utilizar força nacional em situações de conflito, o que agora está acontecendo com bastante frequência nesse tipo de obra.

O pior que aconteceu neste ano foi em relação às cheias na bacia do rio Madeira, quando a presidente Dilma foi à região de Porto Velho para prestar solidariedade às populações que perderam suas casas e tiveram prejuízos. Na ocasião ela disse que as usinas hidrelétricas, que ela particularmente tinha pressionado para serem construídas, não tinham nenhuma responsabilidade pela ocorrência das cheias, da enchente, e que isso foi coisa de São Pedro.

Então, veja que é uma situação que dá o contorno político ou que acrescenta mais dados ao contorno político da situação que estamos enfrentando em relação à segurança de energia elétrica em nosso país.

IHU On-Line – Como a questão energética será tratada nas eleições? Essa será uma carta da oposição contra o governo Dilma? Eduardo Campos tem alguma proposta, tendo em vista que Marina Silva é vice-presidente da chapa dele?

Célio Bermann – Eu apenas posso supor, não posso afirmar nada em relação a como a questão energética e o problema do contexto energético atual vão ser tratados nas propostas dos candidatos. Não tenho elementos nem envolvimento com a construção de nenhum dos programas de governos. Já foi suficiente eu ter participado de forma sucessiva dos encontros do Partido dos Trabalhadores – PT para traçar diretrizes de governo.

Desde as eleições de 1989 eu tive envolvimento com os programas de governo do candidato Lula, até o ano pré-eleitoral de 2002, quando houve também o esforço de elaborar um programa de governo para a área energética no Instituto da Cidadania, no bairro Ipiranga, em São Paulo, o qual depois foi rasgado quando o presidente Lula tomou assento no Palácio do Planalto, e definiu a ex-secretária de Energia do Estado do Rio Grande do Sul como ministra de Minas e Energia.

Todas as diretrizes que tinham sido desenhadas antes das eleições foram simplesmente abandonadas, e o que se viu com indignação foi a edição de uma medida provisória, a qual depois virou a lei 10.438, que define o chamado “novo modelo do setor elétrico brasileiro”, em que a natureza desse novo modelo foi apenas de aparar arestas, melhorar sem modificar de forma profunda e consistente a maneira como a questão energética vinha sendo tratada nos dois governos FHC que antecederam o primeiro governo Lula. 

Essa visão de energia como uma mercadoria prevalece no governo petista, o que é um contrassenso que desqualifica qualquer tentativa, pelo menos deste governo — e isso foi demonstrado nos dois mandatos do presidente Lula e no mandato da presidente Dilma —, de que a questão energética tenha como prioridade ser um elemento fundamental para melhorar a qualidade de vida da população brasileira, incorporando questões essenciais como o gerenciamento da demanda de energia elétrica, em que se modificassem costumes e perfil industrial, para se adequar de forma a garantir o suprimento de energia elétrica. Isso virou apenas uma vontade deste professor, deste investigador que ainda tem esperança de que um dia algum governo tome a área da energia como uma área voltada aos interesses da população brasileira.

IHU On-Line – O que se vislumbra para o setor energético em relação à política energética e ao planejamento energético nos próximos anos?

Célio Bermann – Se as coisas ficarem como estão, é o pior dos mundos. Nós temos hoje uma situação do governo em que ele age como bombeiro para apagar o fogo que ele próprio provocou, claro, tendo também as empresas públicas e privadas na coautoria desse incêndio em que se transformou o setor elétrico no Brasil. Se não houver uma mudança radical na forma de gerenciamento para que a questão energética saia das salas dos catedráticos, dos acadêmicos e dos andares do ministério em Brasília, para envolver toda a população brasileira nesse debate — porque a energia é um bem essencial e não pode ficar restrita à manipulação —, não haverá mudanças.

Espero que a população brasileira encontre condições para, de uma forma democrática, romper e redirecionar a direção com que hoje instituições, pessoas e interesses conduzem a política energética no nosso país. Vejo um futuro, se é que podemos pensar assim, em que essas alterações, modificações se concretizem, mas infelizmente não será nestas nem nas próximas eleições, pelo menos se pensarmos em curto prazo. Trata-se de uma perspectiva que deve ser perseguida para que o nosso país acabe encontrando condições adequadas para o desenvolvimento econômico e a satisfação das necessidades energéticas.

Encontro Projeto Litoral Sustentável


O projeto Litoral Sustentável – Desenvolvimento com Inclusão Social, realizado pelo Instituto Pólis em convênio com a Petrobras, apresenta no dia 12, quinta-feira, a minuta final das Agendas Municipais de Desenvolvimento Sustentável das nove cidades da Baixada Santista e também de uma agenda para a região metropolitana. 

                        

O objetivo do encontro é apresentar as agendas à população e ao poder público. Esses documentos foram construídos após consultas e audiências participativas realizadas nos últimos meses e estão divididos em três eixos temáticos: Desenvolvimento Sustentável e Includente, Uso Sustentável de Áreas Protegidas e Democratização do Território e Inclusão Social. O Litoral Sustentável fará também a apresentação do Observatório do Litoral Sustentável, que dará continuidade ao projeto em 2014.

Local: Unimonte em Santos.

Inscrições: Evento Grátis

CONECTE-SE AO EVENTO: Litoral Sustentável

 

BRICS prepara criação de seu banco de desenvolvimento


Ministros de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul perfilaram os detalhes da criação de um banco de desenvolvimento para o bloco

 

 

Fortaleza – Os ministros de Economia e os presidentes dos Bancos Centrais de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul perfilaram nesta segunda-feira os detalhes da criação do banco de desenvolvimento do BRICS na véspera da cúpula de chefes de Estado do fórum.

 

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e seus pares de Rússia, Anton Siluanov; China, Löw Jiwei; África do Sul, Nhlanhla Nene; e Índia, Nirmala Seetharaman; se reuniram a portas fechadas durante cerca de duas horas no marco da VI Cúpula dos BRICS, que oficialmente começa amanhã na cidade de Fortaleza.

Apesar de a agende prever uma entrevista de Mantega, o ministro não ofereceu detalhes sobre o banco de desenvolvimento e o fundo de reservas, cujos acordos constitutivos devem ser assinados amanhã pelos presidentes das cinco grandes economias emergentes.

De acordo com o presidente rotativo da associação empresarial BRICS Business Council, Rubens de La Rosa, os empresários se mostraram otimistas com a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS e em que o novo banco contemple o câmbio direto de moedas entre as cinco maiores economias emergentes do mundo para "baratear os custos de transação".

"A ideia é que se tenho que fazer uma remessa a Índia não tenha que converter (os reais) a dólares e depois a rúpias", comentou De la Rosa, que comemorou a futura criação do banco de fomento conjunto dos BRICS e do fundo de reservas, mecanismos que deverão ser formalizados amanhã durante a cúpula.)

Esse pedido, proposto pelo Brasil, constará no documento final que o Conselho Empresarial dos BRICS entregará amanhã aos presidentes dos cinco países e no qual sugerem medidas para melhorar as relações empresariais entre os países do bloco., como a facilitação na isenção de vistos.

Durante a primeira jornada da sexta cúpula também foi realizado um encontro entre os ministros de Comércio dos cinco países, que expressaram em comunicado conjunto sua preocupação pelo "lento processo de recuperação" da economia global e "pelas respostas de política econômica dos países desenvolvidos".

"Observamos incertezas relacionadas ao crescimento econômico e às respostas de política econômica que podem levar a um aumento da volatilidade do mercado financeiro e causar repercussões não desejadas da economia", afirma a nota.

Antes de viajar para Fortaleza, a presidente Dilma Rousseff recebeu hoje em Brasília o presidente da Rússia, Vladimir Putin, que na véspera presenciou a final da Copa do Mundo entre Argentina e Alemanha junto com a governante no Maracanã.

Dilma e Putin ratificaram seu objetivo de duplicar o valor do comércio bilateral e elevá-lo até US$ 10 bilhões anuais.

Na terça-feira está previsto que Dilma, Putin, o presidente da China, Xi Jinping, o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, e o primeiro-ministro de Índia, Narendra Modi, realizem a primeira sessão plenária do fórum.

Além de abordar a criação do banco de fomento próprio e do fundo de reserva, os líderes das cinco potências incluirão no debate o "crescimento inclusivo" e o "desenvolvimento sustentável", segundo afirmou o subsecretário político do Itamaraty, José Alfredo Graça Lima.

Após o encontro em Fortaleza, os líderes dos BRICS se transferirão a Brasília, onde se reunirão com os chefes de Estado e do governo dos países da União das Nações Sul-Americanas (Unasul).

Fonte: Época

10º Encontro Ibero-americano sobre Desenvolvimento Sustentável – EIMA 2013


Energia, meio ambiente e território e seus temas interrelacionados formam alguns dos temas amplamente discutidos na RIO+20, visto as dimensões dos problemas, seus efeitos e a urgência em mitigar impactos das mudanças climáticas e acerca da demanda crescente de energia, recursos naturais e reorganização espacial. Assim, a humanidade se vê diante do dilema de promover mudanças significativas no atual modelo de desenvolvimento, e sua maneira de pensar, produzir e consumir alimentos, bens e energia.

A décima edição do Encontro Ibero-americano sobre Desenvolvimento Sustentável abordará a relação entre água, energia e terra, três das questões fundamentais para o desenvolvimento, com implicações globais, cenários regional, nacional e local extrapolados para muitos outros países latino-americanos.

Data: 19 e 20 de novembro de 2013

Local: Foz do Iguaçu 

Mais informações: http://www.eima2013.conama.org/web/es/eima-2013-brasil/presentacion.html

Fonte: Agenda Sustentabilidade

 

“Eu quero entender o que está em jogo”


   Recentemente apontado pelo Secretário Geral da ONU Ban Ki-moon como Sub-Secretário Geral para a Coordenação de Políticas e assuntos inter-agencias do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (ONU DAES), Thomas Gass, que é suíço, descreveu a si mesmo como um apoiador incondicional do desenvolvimento inclusivo e do multilateralismo. Em sua entrevista, ele explica de que forma sua experiência como representante de um Estado Membro e os seus conhecimentos em cooperação para o desenvolvimento irão ajudar no trabalho de criação, nos próximos anos, de uma agenda de desenvolvimento sustentável inclusivo da ONU.

   “Acredito que o ano de 2015 será nossa próxima grande oportunidade para colocar o desenvolvimento sustentável, a erradicação da pobreza e outros assuntos importantes no centro do palco. Espera-se que através do meu trabalho como coordenador e facilitador dentro da DESA, eu seja capaz de desempenhar um papel de catalisador neste processo”, disse Gass durante a entrevista realizada poucos dias após sua chegada à ONU DAES. 

O Sentimento de Esperança Global

   Depois da reunião do G20, em que as questões relacionadas ao desenvolvimento foram ofuscadas pela crise na Síria, Thomas foi encorajado a verificar como a redução da pobreza e o desenvolvimento sustentável foram colocados de forma central neste grupo. Ele estava animado para identificar quantos Chefes de Estado começariam seus discursos dizendo quão importantes foram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, até mesmo aqueles na qual sua representação não aderiu aos ODM quando foram primeiramente formulados. “Isso vai me fazer atentar para as declarações positivas e promessas, ao invés dos desafios que podem vir. O debate tinha um aspecto de urgência global, mas também de um interessante sentimento de esperança. A maioria deles disse “Nós podemos fazê-lo”, enfatizando a importância da ONU nas áreas de desenvolvimento sustentável e redução da pobreza.”

   “Todos nós precisamos cantar a mesma canção, chamada de “Uma digna para todos”. Com a resolução que fora aprovada nos termos do processo com início em 2015, temos instruído os governos a avançar.”

De Catmandu para Nova Iorque

    Thomas Gass assumiu o departamento em 3 de setembro, como um dos dois Sub- Secretários Gerais na ONU DAES. Ele trouxe consigo uma vasta experiência de cooperação bilateral e também multilateral. De 2009 a 2013, trabalhou como líder da missão Suíça no Nepal (Embaixador e Diretor nacional da Agencia Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação), quando estabeleceu a Embaixada Suíça no Nepal, e garantiu um programa de cooperação para o desenvolvimento de até 33 milhões de dólares por ano. Ele também presidiu os doadores do Fundo Fiduciário da Parceria para a Paz no Nepal, o principal instrumento de apoio internacional ao processo de pacificação do Nepal.

   Antes sua ida ao Nepal, de 2004 a 2009, Gass chefiou a Seção de Desenvolvimento e Economia da missão permanente da Suíça na ONU, quando representou os interesses suíços no Conselho Econômico e Social (ECOSOC), nas suas comissões auxiliares, na Assembléia Geral e nas Diretorias dos principais fundos e programas da ONU. Durante esse tempo, Thomas Gass foi presidente do Grupo de Doadores do Pacto Global da ONU.

   Ele foi em 2006 o Vice-Presidente do grupo dos países da Europa ocidental da Comissão sobre População e Desenvolvimento, e em 2008 o Vice-Presidente dos países da Europa ocidental do Conselho Executivo do PNUD/UNFPA.

Gass também atuou como diretor de políticas e programas na Agência Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação, como representante adjunto residente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) na Guiana, e como diretor Europeu no IPGRI em Roma.

“Eu quero Ouvir e Entender”

   Quando estava falando sobre as idéias do departamento, Thomas Gass foi prudente:  “ Eu não sou o estereótipo de Presidente que inicia o seu mandato com uma proposta de reestruturação formada. Eu quero ir com calma e escutar todas as partes envolvidas, entender o que está em jogo, quais são os desafios da nossa equipe antes de investir meus esforços e me empenhar para movermos para uma direção ou outra.”

   Para Gass, as chaves são o desenvolvimento inclusivo e o multilateralismo. Em relação aos próximos grandes eventos convocados pelo Presidente da Assembléia Geral, o novo Assistente do Secretário Geral vêem estes eventos como uma oportunidade de trazer uma nova perspectiva ao processo que levou aos pensamentos sobre 2015 que serão muito bem estruturadas e sistemáticas. “Espera-se que nós tenhamos a oportunidade por meio destes eventos de trazer partes interessadas no assunto e que não são convencionais a esses tipos de eventos.” Para ele, a recente tendência em incluir a sociedade civil no processo de consulta é crucial e reflete o nível de evolução do país, tanto no norte e quanto no sul. Os Governos sabem que eles não dominam totalmente o desenvolvimento de seu país. Todas as partes têm de compartilhar seus conhecimentos de forma a construir uma estrutura adequada e sustentável.  A ONU deve permanecer aberta e ouvir aqueles que querem e irão fazer essa abordagem em nível nacional.

   Os Objetivos, incluindo os Objetivos do Milênio e aqueles provindos da Rio + 20, não podem ser alcançados sem o suporte e participação de todos, incluindo o setor privado, pois “ para termos sucesso, as partes devem se assentar à mesa, de forma a desenvolver a apropriação dos objetivos e processos”, explica Gass.

Negociador e Apaixonado

   Como assistente do Secretário Geral para a Coordenação de Políticas e assuntos inter-agencias, Gass gostaria de manter contato com certas questões: “Eu tenho certa experiência em gestão e utilização de recursos genéticos na agricultura, portanto, sei da importância da pesquisa como forma de assegurar comida e proventos para a humanidade, mas também facilmente desenvolvo paixão por outros assuntos. Eu trabalhei no porão da ONU como negociador, por exemplo, em nome dos amigos das montanhas, um grupo de 45 países que apóiam o desenvolvimento sustentável em regiões de montanhas. Em 2006, como Vice Presidente da Comissão de População e Desenvolvimento, eu presidi uma negociação extremamente interessante sobre o envelhecimento. Por ter aprendido sobre o assunto, percebi quão importante e vital para a humanidade saber lidar, de forma deliberada, com as questões ligadas ao envelhecimento”.

   “Eu não quero perder o contato com as experiências que tive em Camarões, na Guiana, no Nepal, e nos Países Andinos, onde eu monitorei e desenvolvi projetos que fizeram diferença para as pessoas que dependiam de suporte da comunidade internacional para elevar suas qualidades de vida”, ele completou.

   Para Thomas Gass, essa nova posição reflete a culminação de diversas habilidades que ele desenvolveu durante sua carreira. “Eu vejo essa posição mais como um resultado dos investimentos nas minhas diversas competências do que um trampolim para chegar a outro lugar.” O novo Sub-Secretário Geral traz um conhecimento concreto acerca dos desafios da cooperação para o desenvolvimento, o que soa como um conhecimento de que os estados interagem entre si e demonstram flexibilidade na relação para interoperabilidade das organizações, agências e parceiros. Assim, ”estou ansioso para combinar de forma eficiente e eficaz três destes conjuntos de habilidades que foram desenvolvidos por mim durante minha carreira, e espero que eles me permitam desempenhar um útil e catalítico papel em ajudar a ONU a alcançar os próximos desafios.”

   Nascido em 1963, Thomas Gass possui PHD em Ciência Naturais pelo Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, em Zurique e Mestrado e diploma de engenheiro em Ciências da Agricultura pelo mesmo instituto. Ele é casado e pai de três filhos.

Traduzido por: Estevão Matos

Texto original: http://www.un.org/en/development/desa/newsletter/desanews/feature/2013/10/index.html#8414

Os direitos humanos e a violência social.


Entrevista especial com Salete Valesan

“Promover o desenvolvimento sem considerar a garantia dos direitos humanos não vai ajudar a superar as desigualdades que existem na nossa sociedade atual”, afirma a pedagoga.

Foto: INESC

“Estamos longe de ter justiça social, política, ambiental e econômica como princípios que nos regem na vida em comunidade. Quanto mais na dinâmica do mercado, que alimentamos e reproduzimos em forma de desenvolvimento. Promover o desenvolvimento sem considerar a garantia dos direitos humanos não vai ajudar a superar as desigualdades que existem na nossa sociedade atual”, destaca Salete Valesan, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ao comentar a realização do Fórum Mundial de Direitos Humanos – FMDH, organizado em dezembro de 2013 em Brasília.

Salete Valesan é pedagoga e psicopedagoga. É mestre em Educação pela Universidade de São Paulo – USP, coordenadora executiva na Sede Brasil da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – Flacso e coordenadora da área de Participação, Sociedade Civil e Processos de Mobilização da mesma instituição. Participa da militância dos movimentos sociais e populares, incluindo as organizações do Fórum Social Mundial e do Fórum Mundial de Educação. De 1980 a 2003, atuou como professora e coordenadora pedagógica nas redes pública e privada de ensino em São Paulo.

Confira a entrevista.

Foto: UNILAB

IHU On-Line – Quais foram os principais objetivos do Fórum Mundial de Direitos Humanos – FMDH realizado em Brasília?

Salete Valesan – Promover um espaço de debate público sobre direitos humanos no mundo, em que sejam tratados seus principais avanços e desafios, com foco no respeito às diferenças, na participação social, na redução das desigualdades e no enfrentamento a todas as violações de direitos humanos.

IHU On-Line – Houve equilíbrio na representação de organizações estatais e dos movimentos sociais entre as 730 entidades envolvidas na organização das atividades?

Salete Valesan – Podemos dizer que sim. Uma das diferenças entre o Fórum Social Mundial – FSM e o Fórum Mundial de Direitos Humanos – FMDH é esta. No FSM o Comitê Organizador é composto somente pela sociedade civil e no FMDH é composto pela representação da diversidade da sociedade. Isso foi fundamental para o resultado do Fórum.

IHU On-Line – Quais foram os principais debates realizados? Que deliberações foram produzidas?

Salete Valesan – Os temas gerais foram: os direitos humanos como bandeira de luta dos povos – com foco nos movimentos sociais; a universalização de direitos humanos em um contexto de vulnerabilidades; e a transversalidade dos direitos humanos.

Já as deliberações são diversas. Como a criação e fortalecimento de campanhas, redes e fóruns; o lançamento da próxima Conferência Nacional de Direitos Humanos para 2015; a consolidação de grupos de estudos, pesquisas e publicações; a decisão das próximas edições do FMDH – em dezembro de 2014 no Marrocos e em dezembro de 2015 na Argentina.

IHU On-Line – O direito à comunicação foi um dos temas debatidos no FMDH. A promoção dos direitos humanos encontra espaço nas redes sociais? E nas mídias tradicionais?

Salete Valesan – Nas redes sociais, mídias livres e alternativas, sim, pois faz parte da sua natureza. Nas mídias tradicionais, ao mesmo tempo que existe uma possível promoção dos direitos humanos, também existe um culto ao sensacionalismo que sempre promove mais espaço para a divulgação da perversidade, da violência e da reprodução do preconceito.

IHU On-Line – O que a recente publicação de um anúncio no sítio Mercado Livre vendendo crianças negras, em suposto tom humorístico, revela sobre o respeito aos direitos humanos em nossa sociedade?

Salete Valesan – Revela uma sociedade medíocre e preconceituosa. Que está perdendo valores fundamentais da vida em grupo, como a ética, a liberdade, a justiça e o estado democrático de direitos.

IHU On-Line – De que instrumentos a sociedade brasileira dispõe hoje para exercer o direito à comunicação?

Salete Valesan – Das ruas para as mobilizações, das tecnologias livres e criadas pela militância, dos espaços de mídia livre e alternativa, das redes sociais, de algumas legislações, dos espaços de atuação na comunicação como os conselhos, comissões e comitês e da sua militância corajosa que atua por meio de campanhas, redes, movimentos sociais, ONGs, jornais, rádios, TVs, tabloides, muros, paredes, internet, disque denúncias, Lei do Acesso à Informação… Pouquíssimo na grande imprensa, que define e organiza o que é direito à comunicação a partir do mercado.

IHU On-Line – Nesta mesma perspectiva, o que pode ser dito sobre os direitos das mulheres?

Salete Valesan – Aqui no Brasil há um paradoxo. Ao mesmo tempo que avançamos em políticas públicas para promover e garantir os direitos das mulheres, incluindo aqui a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres, o Conselho Nacional e a Lei Maria da Penha, ainda temos um índice alarmante de violência de toda a natureza contras as mulheres. Se considerarmos as meninas, as adolescentes e as jovens que sofrem violência, teremos um quadro assustador.

IHU On-Line – Em que aspectos a sociedade brasileira precisa evoluir em relação aos direitos de grupos sociais marginalizados?

Salete Valesan – Na aceitação de que é excludente, injusta e preconceituosa. Estamos longe de ter justiça social, política, ambiental e econômica como princípios que nos regem na vida em comunidade. Quanto mais na dinâmica do mercado, que alimentamos e reproduzimos em forma de desenvolvimento. Promover o desenvolvimento sem considerar a garantia dos direitos humanos não vai ajudar a superar as desigualdades que existem na nossa sociedade atual.

IHU On-Line – Poderia citar exemplos de iniciativas em andamento no Brasil que contemplem a garantia e a defesa dos direitos humanos?

Salete Valesan – Muitas, tanto pelo Estado como pela sociedade civil. Seguem alguns: Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA; Estatuto da Juventude; Estatuto do Idoso; Lei Maria da Penha; Lei de Acesso à Informação – LAI; Comissão Nacional da Verdade; Comissão da Anistia; Pastorais da Criança, da Juventude, da Terra e a Carcerária; Programas de Proteção de Testemunhas, de Vítimas e de Defensores dos Direitos Humanos; Ouvidorias; Disque Denúncia; Diretrizes Nacionais da Educação em Direitos Humanos; Plataforma DHESCA; Mecanismo de Combate à Tortura; Secretaria de Políticas para as Mulheres; Secretaria de Política de Promoção da Igualdade Racial; Secretaria de Direitos Humanos; e Conselhos Nacionais.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?

Salete Valesan – É fundamental a integração dos três poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – com a sociedade brasileira para construir o que o Fórum Mundial de Direitos Humanos deixou como legado que é uma nova cultura dos direitos humanos no Brasil.

(Por Luciano Gallas)

Fonte: IHU – Unisinos

 

Dia Mundial da Alimentação: do campo para a sala de aula


Esta semana está marcada pelo Dia Mundial da Alimentação, comemorado em 16 de outubro. A ativista Esther Vivas faz uma reflexão importante para a ocasião.

 

                                           

“Menino, de onde vem o leite?”, lhe perguntam. “Da Tetra Pak”, responde. Quantas vezes você já ouviu esta piada? A distância entre o campo e o prato, entre a produção e o consumo, apenas aumentou nos últimos anos. E os mais novos, com frequência, nunca puseram os pés em uma horta, viram uma galinha ou se aproximaram de uma vaca. Alimentar-se não se trata de apenas ingerir alimentos, mas também saber de onde eles vêm, o que nos fornecem, como foram feitos. A educação também envolve ensinar a comer e comer bem. E isso é precisamente o que fazem as cantinas escolares ecológicas, que recentemente começaram a aparecer por aqui.

O interesse em comer direito, bem e com justiça chega, aos poucos, às mesas das escolas. Refeições que buscam mais que a ingestão calórica necessária, uma alimentação orgânica e de proximidade. Se trata de aproveitar espaços que permitam, como nenhum outro, a interação entre estudantes, educadores, cozinheiros e, em um segundo nível, com famílias, professores e agricultores, para recuperar não só o saber e o sabor dos alimentos, mas também, aprender e valorizar o trabalho que está por trás da produção, na agricultura, e por trás do fogão, na cozinha.

As cantinas escolares ecológicas têm uma vertente educativa e nutricional, ao defender a economia social e solidária e o território. Alimentos orgânicos, sim, mas de proximidade. Uma aposta imprescindível em um contexto de crise que, por um lado, dá uma saída econômica à pequena agricultura, que tenta viver dignamente no campo, incentivando alguns canais de comercialização alternativos e uma venda direta e, por outro, oferecendo uma alimentação saudável e ecológica para os menores, em um contexto em que aumenta a pobreza e a subnutrição.

Na Catalunha, 40% das crianças fazem a principal refeição do dia, o almoço, nos centros educativos. Incorporar esses valores às cantinas escolares deveria ser uma prioridade, e os custos econômicos não podem ser o argumento para não fazê-lo. Integrar a cozinha aos refeitórios dos centros permite um maior controle sobre a alimentação dos pequenos, e se compramos alimentos de proximidade, sazonais e diretamente com o agricultor, podemos reduzir custos. Do campo, passando pelas cozinhas das escolas e até o prato dos alunos, transparência, qualidade e justiça, esse é o desafio. E a administração pública deveria estar comprometida com esta finalidade. Investir em uma boa alimentação na sala de aula é investir no futuro.

Cantinas escolares que levam os princípios da soberania alimentar para as escolas, e não só na teoria, mas, o que é mais importante, na prática. Soberania alimentar, que nos permite recuperar a capacidade de decidir sobre o que comemos, que aposta na agricultura camponesa, local e agroecológica e que devolve aos agricultores e consumidores, e neste caso às crianças, o controle e o conhecimento sobre sua alimentação.

Esther Vivas
do blog esthervivas.com
Traduzido por Natasha Ísis, do Canal Ibase

Foto: Reprodução/Internet

Fonte: Canal Ibase.

“Não é preciso crescer sempre para que a sociedade se desenvolva”.


Entrevista especial com Junior Ruiz Garcia

 

“Sendo a economia um subsistema aberto do meio ambiente, não há economia sem meio ambiente, já que toda produção econômica depende do fluxo de matéria e energia advinda do meio ambiente”, frisa o economista. 

A solução para o antagonismo entre os conceitos “desenvolvimento” e “sustentabilidade”, quando se trata de pensar um modelo econômico que proporcione desenvolvimento e preserve o meio ambiente, deve ser formulada pela Economia a partir de uma perspectiva econômico-ecológica. A sugestão é do economista Junior Ruiz Garcia, para quem “o desenvolvimento deve ser entendido como um processo de mudanças qualitativas na sociedade, que não necessariamente implicaria em crescimento econômico, entendido como aumento da produção de bens e serviços econômicos”. A concepção de sustentabilidade, de acordo com essa compreensão, “está relacionada ao conceito de ‘durabilidade ou continuidade’ ao longo do tempo. Dessa maneira, a sustentabilidade de uma sociedade dependerá basicamente da sua escala (tamanho físico), de sua estrutura de consumo de bens e serviços econômicos e da tecnologia disponível para produzir os bens e serviços econômicos, desde que respeite os limites biofísicos impostos pelo ecossistema global", esclarece Garcia na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line.

Segundo ele, o sistema econômico é um subsistema dentro do “sistema natural”, que sustenta a dinâmica econômica; portanto, “se a produção econômica de bens e serviços de uma sociedade respeita a limitação imposta pelo sistema, (…) essa sociedade seria sustentável”.

Garcia esclarece que a economia neoclássica ensinada nos cursos de Economia “entende o desenvolvimento sustentável como a manutenção do estoque total de capital de uma sociedade, sendo formado pelo capital feito pelo homem (inclui o capital físico, tais como máquinas e equipamentos, capital humano, capital social, etc.) e pelo capital natural (recursos naturais)”. A partir dessa lógica de capitais substitutos entre si, “a sustentabilidade do sistema econômico ou o desenvolvimento sustentável seria alcançado a partir da manutenção do estoque de capital total, independentemente de sua composição.

No limite, essa visão supõe que é possível a sociedade viver sem recursos naturais, já que os capitais são substitutos perfeitos! Na verdade, o capital feito pelo homem e o capital natural são complementares. Desse modo, sempre a sociedade precisará manter um estoque mínimo de capital natural, o problema é saber quanto”, salienta. Considerando as discussões acerca da escassez dos recursos naturais, o economista questiona: “Não deveríamos promover o crescimento nas regiões que realmente precisam de crescimento, como as regiões pobres? Será que as regiões desenvolvidas ainda precisam de crescimento econômico ou de uma melhor distribuição dos benefícios?”.

Junior Ruiz Garcia é graduado em Economia pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, mestre em Desenvolvimento Econômico Agrícola e Agrário pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente pelo Instituto de Economia da Unicamp. É pesquisador do Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental – NEEA do Instituto de Economia da Unicamp e do Núcleo de Economia Empresarial do Departamento de Economia da UFPR. Também leciona no curso de Ciências Econômicas, no Mestrado Profissional em Desenvolvimento Econômico e no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Econômico do Departamento de Economia da UFPR.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como conciliar os conceitos desenvolvimento e sustentabilidade, visto que para autores como Serge Latouche eles são incompatíveis?

Junior Ruiz Garcia – O desenvolvimento deve ser entendido como um processo de mudanças qualitativas na sociedade, que não necessariamente implicaria em crescimento econômico, entendido como aumento da produção de bens e serviços econômicos. A produção de bens econômicos necessariamente implica a retirada de recursos do sistema natural e a geração de resíduos, já que o sistema econômico é um subsistema aberto dentro do sistema natural. Um subsistema aberto significa que há troca de matéria e energia com o sistema, neste caso, a Terra. Nenhum subsistema pode ser maior que o sistema, ou seja, não é possível pensar em crescimento econômico infinito. Para ilustrar essa questão, veja a seguinte situação: em algum momento de nossas vidas (nós somos um subsistema aberto dentro do sistema maior, representado pela Terra) paramos de crescer em termos quantitativos (biológicos), mas não paramos o nosso desenvolvimento; sempre estamos adquirindo novos conhecimentos e experiências, nos tornando um indivíduo melhor (esperamos que isso sempre aconteça). O mesmo pode ocorrer com uma sociedade: não é preciso crescer sempre para que a sociedade se desenvolva.

Já a sustentabilidade está relacionada ao conceito de “durabilidade ou continuidade” ao longo do tempo. Dessa maneira, a sustentabilidade de uma sociedade dependerá basicamente da sua escala (tamanho físico), de sua estrutura de consumo de bens e serviços econômicos, desde que respeite os limites biofísicos impostos pelo ecossistema global, e da tecnologia disponível para produzir os bens e serviços econômicos. Se a produção econômica de bens e serviços de uma sociedade respeita a limitação imposta pelo sistema (representada por sua capacidade de provimento de recursos naturais e de assimilação dos resíduos), já que o sistema econômico é um subsistema, essa sociedade seria sustentável.

Contudo, no contexto atual, em que vivemos em um mundo com sete bilhões de pessoas e com uma estrutura de consumo intensiva em energia e matéria, não existirá compatibilidade entre desenvolvimento e sustentabilidade, a não ser que a sociedade empreenda uma mudança radical em sua estrutura de consumo e estabilize o crescimento demográfico.

 

“A abordagem acerca da sustentabilidade e da dimensão ecológica deveria ser tratada na dinâmica a partir de uma perspectiva transversal (transdisciplinar), e não como um apêndice”

IHU On-Line – É possível pensar desenvolvimento sustentável a partir de princípios econômicos?

 

Junior Ruiz Garcia – Como a teoria econômica tradicional ignora o sistema natural em suas análises e modelos teóricos, tratando a problemática ambiental a partir apenas da perspectiva de externalidades (efeitos positivos ou negativos não intencionais decorrentes da decisão de produção e consumo de um agente econômico sobre outros agentes que podem gerar uma perda ou um ganho no grau de bem-estar), que significa externo ao mercado, as externalidades são tratadas pela teoria econômica tradicional como uma exceção à regra.

Assim, o entendimento de desenvolvimento sustentável não cabe na teoria econômica tradicional, embora a economia tradicional neoclássica apresente um entendimento. A economia neoclássica, também conhecida como mainstream econômico, que é ensinada em praticamente todos os cursos de economia do mundo e é base para a tomada de decisão dos agentes econômicos, entende o desenvolvimento sustentável como a manutenção do estoque total de capital de uma sociedade, sendo formado pelo capital feito pelo homem (inclui o capital físico tais como máquinas e equipamentos, capital humano, capital social, etc.) e pelo capital natural (recursos naturais). Como essa escola supõe que esses capitais são substitutos perfeitos entre si, a sustentabilidade do sistema econômico ou o desenvolvimento sustentável seria alcançado a partir da manutenção do estoque de capital total, independentemente de sua composição.

No limite, essa visão supõe que é possível a sociedade viver sem recursos naturais já que os capitais são substitutos perfeitos! Na verdade, o capital feito pelo homem e o capital natural são complementares. Desse modo, sempre a sociedade precisará manter um estoque mínimo de capital natural, o problema é saber quanto.

IHU On-Line – As abordagens de desenvolvimento sustentável feitas a partir da perspectiva econômica e do mercado têm recebido críticas de ambientalistas e especialistas da área ambiental, porque têm uma perspectiva mercadológica. Como o senhor interpreta essa concepção de desenvolvimento sustentável?

Junior Ruiz Garcia – Como a teoria econômica tradicional entende a problemática ambiental a partir do conceito de externalidades e o desenvolvimento sustentável implica a manutenção do estoque de capital, a solução seria a internalização das externalidades ambientais na decisão dos agentes econômicos, ou seja, o mercado promoveria a alocação eficiente dos recursos naturais. Para internalizar as externalidades é preciso valorá-las já que elas são externas ao mercado, e aí que vem o problema, como valorar algo que não tem preço? Por exemplo, qual o valor da água, da floresta amazônica, do Rio Tietê, se eles são insubstituíveis, não têm direitos de propriedade definidos e ainda aportam à sociedade um conjunto de bens e serviços que em sua maioria também são insubstituíveis? Ou seja, o mercado por si só não tem condições de promover o desenvolvimento sustentável.

IHU On-Line – Que relações estabelece entre as discussões acerca do meio ambiente e a Economia?

Junior Ruiz Garcia – Sendo a economia um subsistema aberto do meio ambiente, não há economia sem meio ambiente, já que toda produção econômica depende do fluxo de matéria e energia advinda do meio ambiente. Algum bem ou serviço econômico pode ser produzido sem o uso de recursos naturais e sem a geração de resíduos lançados no meio ambiente?

IHU On-Line – Como a discussão acerca da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável deve ser abordada pela Economia?

Junior Ruiz Garcia – Deve ser abordada a partir da restrição absoluta imposta pelo sistema natural, já que a economia é um subsistema daquele. Desse modo, a dimensão ecológica estaria no centro da análise econômica, onde a economia deveria respeitar a capacidade de carga do sistema natural (escala), representada pelo provimento de recursos naturais e por sua capacidade de assimilação de resíduos. Nesta perspectiva, não há espaço, por exemplo, para a busca pelo crescimento econômico infinito como é defendido pela teoria econômica tradicional.

 

“O sistema natural sustenta a dinâmica econômica, sem o qual não existiria o sistema econômico”

IHU On-Line – Por que a discussão acerca do desenvolvimento sustentável não tem sido feita nos cursos de Economia?

 

Junior Ruiz Garcia – A discussão sobre o desenvolvimento sustentável tem sido realizada pelos cursos ou disciplinas de Desenvolvimento Econômico. O problema é que a discussão sobre o papel do sistema natural na dinâmica econômica tem estado ausente nos cursos de economia. Essa afirmação pode ser verificada ao consultar as grades dos principais cursos de Economia oferecidos no Brasil e no restante do mundo e pela bibliografia adotada por estes cursos — no máximo essa discussão é colocada em uma disciplina optativa ou nos últimos capítulos dos livros.

Assim, se houver tempo, o professor discutirá com seus alunos. Isso ocorre porque a principal base teórica (representada pela Economia Neoclássica) adotada pelos cursos de Economia trata a questão ambiental como uma subdisciplina dentro do ensino de Economia e da análise econômica. Por exemplo, no curso de Introdução à Economia, Macroeconomia e Microeconomia, que representam as bases teóricas para a formação do economista, o sistema econômico é visto como isolado do sistema natural, como se ele fosse o todo, o “Universo”, ou seja, não há meio ambiente. Nesta perspectiva, o sistema econômico não precisaria do meio ambiente! Embora exista na economia toda uma discussão sobre a relação entre o meio ambiente e o sistema econômico, levada a cabo pela Economia Ecológica, mas que está ausente dos cursos de economia.

IHU On-Line – Que papel o sistema natural assume na dinâmica econômica?

Junior Ruiz Garcia – O sistema natural sustenta a dinâmica econômica, sem o qual não existiria o sistema econômico.

IHU On-Line – E que papel ele poderia assumir a partir das discussões acerca da sustentabilidade?

Junior Ruiz Garcia – A abordagem acerca da sustentabilidade e da dimensão ecológica deveria ser tratada na dinâmica econômica a partir de uma perspectiva transversal (transdisciplinar) como destaca a Economia Ecológica, e não como um apêndice ou complementar à análise como tem sido apresentada pela Economia Tradicional.

IHU On-Line – É possível conciliar crescimento, desenvolvimento e preservação ao mesmo tempo?

Junior Ruiz Garcia – Não é que eu seja contra o crescimento econômico. Algumas regiões do mundo e do Brasil ainda precisam de crescimento para promover suas mudanças estruturais em termos qualitativos e de bem-estar. Por exemplo, para universalizar o acesso ao saneamento básico (captação, tratamento e distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto e dos resíduos sólidos) é preciso crescimento, porque implica o aumento da infraestrutura, a conversão de recursos naturais em bens econômicos. No entanto, quando os economistas falam em crescimento econômico, não importa o tipo de produto que será produzido.

Por exemplo, a produção de armas gera crescimento econômico, mas será que realmente aumenta o bem-estar das pessoas como faria a universalização do acesso à infraestrutura de saneamento básico?

Acrescento ainda os seguintes motivos para essa reflexão sobre o crescimento econômico. Primeiro, a sociedade está vivendo um contexto que chamamos de “mundo cheio”, em que o recurso escasso é o recurso natural; desse modo, não deveríamos promover o crescimento nas regiões que realmente precisam de crescimento, como as regiões pobres? Será que as regiões desenvolvidas ainda precisam de crescimento econômico ou de uma melhor distribuição dos benefícios? Segundo, a sociedade já viveu muitos períodos de crescimento e nem por isso conseguiu eliminar a pobreza no mundo; além disso, aumentou a degradação dos ecossistemas, veja os problemas relacionados com as mudanças climáticas induzidas pela aceleração do efeito estufa.

Terceiro, é impossível buscar o crescimento econômico infinito sendo o sistema econômico um subsistema do sistema natural; nunca um subsistema pode ser maior que o sistema que o sustenta.

IHU On-Line – Depois das crises financeiras de 2008, a Economia e os economistas receberam muitas críticas e ficaram até desacreditados por parte da população. A partir disso e também considerando as discussões acerca da sustentabilidade, há como pensar as questões socioambientais para além da Economia?

Junior Ruiz Garcia – Há, mas isso envolve uma profunda revisão das teorias econômicas e do ensino da Economia na graduação, em que a dimensão ecológica assumiria o centro dos modelos teóricos e da análise econômica.

 

Fonte: IHU – Unisinos