Nômades do Sahel estão cada vez mais ameaçados por mudanças climáticas


(Junho) Pastores fulani no mercado de gado de N’gonga, Niger (AFP)

Faz nove dias que a família de Ali, juntamente com suas 27 ovelhas e seis camelos, move-se sob o sol. Nove dias perseguindo nuvens que parecem debochar dele. É meio-dia, o termômetro excede 45 graus e, até onde os olhos podem ver, a terra está seca.

“Ouvimos dizer que as primeiras chuvas caíram no norte”, diz o homem de olhos negros e que usa um turbante, enquanto enche um cantil. “É para onde estamos indo”.

A estrada é longa: mais de 100 km até Bermo, no sul do Níger, o lugar onde milhares de pastores da etnia fulani se reúnem ao regressarem da transumância, a partir de julho.

A caravana escala paisagens arenosas e áridas da vizinha Nigéria, onde o ar é úmido e a água e a grama são abundantes. Ali e sua família passam alguns meses lá todos os anos e depois partem.

Mulheres e crianças se movem lentamente sobre burros, sobrecarregados com sacos de juta, tambores, tapetes e abóboras.

A cena se repete até o infinito. Uma procissão interminável de bois, ovelhas, cabras e camelos rumo ao norte.

Esse período é muito quente. Os animais, esquálidos, parecem exaustos. No entanto, o ano de 2019 está sendo bastante bom. As reservas de forragem de 2018 permitiram que eles resistissem e os primeiros brotos verdes já surgiram graças à chuva que caiu nas últimas duas semanas.

Mas quanto tempo vai durar?

Bermo, às portas do deserto, sofre cada vez mais secas que dizimam os rebanhos. E quando chove, são tempestades de areia ou chuvas torrenciais que corroem o solo.

O Níger, onde mais de 80% da população vive da agricultura e principalmente da pecuária, é o país do Sahel mais afetado pelos efeitos das mudanças climáticas e do aumento da temperatura.

Segundo as estatísticas nacionais, entre 100 mil e 120 mil hectares de terra são perdidos a cada ano devido à desertificação e erosão do solo.

Uma gota de leite

“O clima se tornou completamente imprevisível. O que mais nos assusta são as secas, que nos surpreendem quando menos esperamos”, lamenta Djafarou Amadou, engenheiro da Associação para a Redinamização de Animais no Níger (Aren).

No ano passado, Bermo e seus 66 mil habitantes receberam as primeiras chuvas com alegria em maio. Mas, depois de algumas semanas, elas pararam.

Não caiu nenhuma gota de água por 30 dias. As planícies começaram a ficar amareladas, a grama ficou escassa e o preço dos cereais disparou. O gado tornou-se um fardo para alimentar.

Rouada Sabgari se resignou a vender vacas em piores condições, por uma miséria: FCFA 5 mil (7,6 euros, 8,3 dólares), quando geralmente valem mais de 200 mil (305 euros, 335 dólares).

Todo inverno, o velho fazendeiro fulani pode acampar perto do poço escavado por seu avô, há mais de meio século, a 6 km de Bermo. Mas ele se pergunta por quanto tempo seus filhos poderão continuar com esse modo de vida ancestral. Com as sucessivas secas dos últimos 10 anos, perdeu metade do rebanho. Ele tem apenas 32 vacas restantes.

Rouada Sabgari faz parte do clã fulani Wodaabe, que viaja longas distâncias com seus rebanhos, do Níger à República Centro-Africana, passando por Camarões e Chade. Eles também são chamados de Mbororo, como a variedade de animais com grandes chifres que os acompanham.

Para ele e os 25 membros de sua família, o animal representa mais do que uma fonte de renda: é o símbolo de sua liberdade.

Com eles, atravessam fronteiras e viajam pelo mundo. Para os fulani, a vaca teve um papel na origem da criação do mundo: Gueno (Deus), o eterno, a moldou a partir de uma gota de leite.

“Antes não comíamos cereais ou carne. O leite era rico e abundante, bastava para nos fortalecer”, explica o velho, sentado em uma esteira em frente à sua tenda, no meio de uma planície varrida pelo vento e por sacos plásticos que ficam presos nos espinhos. A poluição também chegou aqui.

“Hoje não é mais possível apenas tomar leite.”

‘Bocas para alimentar’

As secas de 74 e 84, que dizimaram metade dos rebanhos, marcaram uma virada histórica no Níger e no resto do Sahel.

“Não estávamos preparados para isso, todos fugiram para a Nigéria”, lembra Rouada Sabgari.

“Os animais estavam magros e cansados, nem conseguiam se levantar. As pessoas estavam morrendo de fome, não havia mais nada nos mercados”. Foi como uma “maldição”.

Como naquela época acreditava-se que somente Alá era responsável por esses infortúnios, os fulanis rezavam incansavelmente para chover. Em vão.

As secas voltaram e, com elas, crises alimentares, agravadas pela crescente insegurança e guerra contra grupos jihadistas no país, causando deslocamentos populacionais.

“Hoje temos menos animais e colheitas e mais bocas para alimentar”, diz o engenheiro Djfarou Amadou, lembrando que seu país, o sexto mais pobre do mundo, também é o que tem a maior taxa de fertilidade, com uma média de mais de sete filhos por mulher.

Uma espiral infernal: a pressão demográfica e a falta de recursos geraram maior competição com os agricultores por terra.

Os conflitos se multiplicaram. Em todo o Sahel, as colheitas estão invadindo os corredores da transumância e vice-versa.

Como resultado, mesmo nos bons anos como 2019, a população é vulnerável. Os preços do painço, sorgo e milho caíram e, apesar disso, entre junho e agosto, 1,2 milhão de nigerianos estavam em uma situação de grave insegurança alimentar, segundo a FAO.

As crises dizimaram as 40 vacas de Barka Azzey. As que sobreviveram à fome e à doença não deram leite nem se reproduziram. Por isso, ele optou por outra solução. “Não era suficiente para comer, me vestir, então peguei minha família e fomos morar na cidade”, diz ele, triste, no pátio empoeirado onde vive agora.

Três galinhas magras descansam à sombra de uma antena parabólica, onde as roupas secam.

Aos 38 anos, Barka tornou-se zelador. Ele dorme em uma cabana com sua esposa Rabi e seus cinco filhos, na propriedade de um rico comerciante de Maradi (sul do Níger). Com 20 mil francos (30 euros) por mês, ele é forçado a fazer “maleji” (pendurar despesas) no mercado para alimentar sua família.

Detendo o êxodo

“Na cidade, não há nada de bom, aqui não há nada além de desespero”, diz Barka Azzey. Ele só tem uma ideia em mente: “ganhar dinheiro suficiente para reconstruir o rebanho e voltar à vida de antes”.

Como ele, milhares de outros jovens pastores deixaram a selva para tentar a sorte na capital, Niamey, ou em outras grandes cidades da África Ocidental.

Eles se tornam engraxates de sapatos, vendedores de cartões SIM ou de plantas medicinais.

Nas calçadas de Bamako, Conakry ou Dacar, eles engrossam a lista de emigrantes que em outros lugares fogem da violência ou da pobreza. O êxodo é enorme.

Aren, o principal sindicato dos agricultores, juntamente com ONGs como a Oxfam, estabeleceu programas para tentar impedir a migração. Uma fábrica de laticínios foi aberta no centro de Bermo. Cerca de 300 mulheres voltaram a viver no povoado. Elas fazem iogurte e queijo que depois vendem no mercado.

Durante 15 anos, Hadiza Attahirou passou quatro meses por ano no Mali ou no Senegal. Ela recebeu duas vacas e agora ganha alguns milhares de francos CFA adicionais.

“Agora que tenho esse emprego, posso aliviar meu marido quando ele sair da transumância e pagar a escola da minha filha”, explica a mulher de 39 anos com a boca tatuada e os braços cobertos de joias.

Outros se beneficiaram do microcrédito para comprar ferramentas agrícolas ou máquinas de costura.

Azara, 18 anos, faz um traje, que mistura tecidos coloridos, conchas e pérolas.

“É isso que os homens vestem para o Gerewol”, explica, mencionando a grande festa no final da estação chuvosa.

É a época mais importante do ano para os fulani Wodaabe. Famílias nômades chegam de todo o Sahel. É uma oportunidade para fortalecer laços de amizade e amor. Celebram-se casamentos e nascimentos.

A beleza é cultivada como uma arte. Quando a noite cai, os homens dançam para seduzir as mulheres. Dessa forma, eles recuperam forças para entrar na estrada, enfrentar os perigos, o calor. Porque em breve a grama desaparecerá e os lagos secarão. E terão que andar, sempre mais longe, perseguindo as nuvens.

AFP