Especialistas falam sobre responsabilidade socioambiental de empreendimentos


Um panorama dos condomínios sustentáveis no Brasil e as demandas para uma gestão bem-sucedida das soluções socioambientais. Este foi o mote do painel Responsabilidade Socioambiental de Empreendimentos Certificados, que integrou a programação do Conami – Congresso Nacional do Mercado Imobiliário, na manhã de 15 de outubro, no Hotel Renaissance, em São Paulo.

“Sustentabilidade é o tema do momento”, afirmou Hamilton de França Leite Junior, diretor de Sustentabilidade e coordenador de Eventos Culturais do Secovi-SP. Responsável pela coordenação do painel, ele alertou para a importância de citou uma série de questões socioambientais no planeta, dentre os quais, a escassez de água, as alterações climáticas e suas consequências para a população. “Em poucas décadas, chegaremos a nove bilhões de habitantes em um mundo que ainda enfrenta vários problemas, incluindo as desigualdades sociais.”

Enfatizando a necessidade de o setor refletir a respeito de todo o impacto que produz, ele disse que todos os elos da cadeia produtiva podem contribuir com sua parcela: passa pelo desenvolvimento de novas áreas, atividade na qual os loteadores desempenham papel importante, pela construção e chega à operação dos empreendimentos.

Mudança de paradigmas

Diretor presidente do CTE (Centro de Tecnologia de Edificações), o engenheiro Roberto de Souza traçou um panorama dos condomínios sustentáveis no Brasil, mostrando o que os administradores vão receber. “A sustentabilidade mudou paradigmas, e tem como gargalo principal a gestão do uso e operação, que é um grande problema e grande desafio”, disse.

A cadeia produtiva leva ao processo sustentável, e os gestores estão situados no uso e operação dos empreendimentos. “Muito acontece até vocês receberem o condomínio para administrar”, afirmou. “Hoje, o gestor não participa da concepção nem do projeto, mas fica com a responsabilidade de gestão do uso e operação durante a vida útil do empreendimento. Ele recebe o condomínio com alta tecnologia embarcada, o que requer expertise para o correto funcionamento e orientação àqueles que irão operá-lo”, explicou.

O que isso tem a ver com sustentabilidade? Para Souza, a crise mundial não é só financeira. A emissão de CO2 continua crescendo, a temperatura também, a explosão demográfica é iminente e mais de dois bilhões de pessoas vivem na pobreza.

Temos de repensar nossos conceitos, por uma economia verde, inclusiva e responsável, conclamou o palestrante. “Como cidadãos, precisamos pensar a sustentabilidade e ver como podemos contribuir dentro da empresa, família e comunidade para a qualidade de vida das gerações futuras. É possível fazer diferente”, complementou.

Souza disse que o setor é muito impactante no meio ambiente. Porém, a sustentabilidade é um conceito que estimula o mercado a “sair da caixinha” e adotar formas inovadoras para lidar com as empresas. Segundo ele, trata-se de uma visão de futuro global, com ação local do empreendedor para promover mudanças. Ou seja, a conhecida máxima de ‘pensar globalmente e agir localmente’.

“Mas, o que é um empreendimento sustentável?”, questionou. Basicamente, respondeu ele, é aquele que se enquadra em certos quesitos, como inserção urbana, correta destinação de materiais e resíduos, foco no uso e conservação da água e boa gestão do uso de energia, ambiente interno e responsabilidade social.

Roberto de Souza afirmou que hoje é possível certificar edifícios já existentes, sem a necessidade de retrofit, apenas com adequações. Sobre os sistemas de certificação, citou exemplos nacionais, como Casa Azul e Procel Edifica, o americano Leed (Green Building) e o francês Aqua (que, no Brasil, foi adaptado e está sob a responsabilidade da Fundação Vanzolini).

Dentre os desafios de uso e operação, destacou a necessidade de mudança de atitude de incorporadores, administradores de condomínios, agentes e usuários. Para implementar ações adequadas, além de programa e planejamento, é indispensável o gestor entender o que está recebendo, inspecionar sistemas, contratar equipes especificas e parametrizar. Monitoramento e melhorias contínuas do programa de uso e operação também são imprescindíveis.

“Há três pontos a destacar após esta excelente exposição feita pelo Roberto de Souza”, disse o coordenador Hamilton Leite, apontando o ambiente construído como primeiro aspecto a considerar nos bairros sustentáveis, cujo surgimento tem sido cada vez mais comum. “Qual é o peso da educação e do treinamento nesses complexos?”, questionou.

Ele chamou atenção ainda para a quantidade de residenciais no universo de 100 complexos sustentáveis acompanhados pelo CTE e citado pelo palestrante: apenas um empreendimento nessa tipologia. Por último, ressaltou o desafio para empresas e profissionais compreenderem a sustentabilidade em sua totalidade.

Gerenciamento – Clarice Degani, assessora da vice-presidência de Sustentabilidade do Secovi-SP, explicou como as administradoras podem aplicar ações sustentáveis em condomínios. “Sistema de gestão e planejamento são fundamentais, além de um diagnóstico para garantir que aquele empreendimento permaneça útil e eficiente ao longo do tempo”, enfatizou, adicionando que a operação deve ocorrer de acordo com a identificação de demandas. “O empreendimento tem de ser flexível e se adaptar às novas necessidades”, ressaltou.

As atividades incluem, ainda, monitoramento e manutenção, além das rotinas de conservação e limpeza do prédio, acessibilidade, entre outras. A gestão do empreendimento enquanto patrimônio imobiliário considera, de acordo com a assessora, a operação das instalações físicas, a infraestrutura e o suporte ao negócio central, mas também a gestão do ambiente de trabalho. “É importante acompanhar as condições de conforto e saúde ocupacional, além de cuidar da observar como circula a comunicação.”

Ao concluir, lembrou que há diferenças entre o aspecto técnico e o humano, e deixou uma questão para reflexão da plateia. “O que é mais importante: o ambiente construído ou as pessoas que vão ocupar o empreendimento?”

Custo da sustentabilidade – Os edifícios no Brasil têm duração de 30 a 40 anos, no mínimo. Na avaliação de Marcelo Takaoka, quando se trata de sustentabilidade, se olharmos apenas para um item, veremos custo. Mas, se tivermos parâmetros, vamos enxergar economia. “Para trabalhar com questões econômicas no setor da construção, é indispensável abranger todos os itens”, disse Takaoka, presidente do CBCS (Conselho Brasileiro de Construção Sustentável) e presidente do Conselho Deliberativo do Consic (Conselho Superior da Indústria da Construção) da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

Ele afirmou que medidas de eficiência energética podem resultar em economia de US$ 1,6 trilhões, considerando que 70% da energia elétrica são consumidos nas cidades, que hoje ocupam apenas 3% do planeta. 

Retirado do site: http://www.secovi.com.br

Reestruturação das metrópoles: primeiro os empreendimentos, depois a mobilidade


Entrevista especial com Paulo Roberto Rodrigues Soares

“Planos Diretores passaram a ser feitos por empresas, em série, sem a realização de estudos necessários para realmente gerar um Plano Diretor adequado à realidade de determinados municípios”, adverte o geógrafo.

Foto: www.seesp.org.br

Os novos arranjos urbanos nas metrópoles brasileiras, bastante diferentes dos ocorridos há 30 anos, estão relacionados tanto à habitação como às atividades econômicas, com o surgimento de novos empreendimentos do mercado imobiliário.

De acordo com Paulo Roberto Rodrigues Soares, com a reestruturação das cidades “o mercado imobiliário criou um novo produto, que chama de bairros planejados; são grandes empreendimentos em áreas periféricas que não tinham essa ação do mercado imobiliário. Nesse sentido, há uma mudança significativa na estrutura das cidades pela localização desses grandes empreendimentos”.

Pesquisador do Observatório das Metrópoles de Porto AlegreSoares enfatiza que a geografia urbana das cidades não é considerada nesse processo. “É levado em conta muito mais a possibilidade de rentabilidade desse investimento, e não exatamente a geografia urbana ou a relação deste empreendimento com um conjunto urbano já preexistente, com uma estrutura urbana já preexistente”. Segundo ele, apesar da reestruturação urbana gerar novos pontos centrais de organização em algumas zonas urbanas, ela tem gerado uma “fragmentação” social, porque “o mercado imobiliário já programa os empreendimentos para um determinado público. Então, ao indicar determinado público, ele já homogeniza socialmente essas áreas”.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, o geógrafo também assinala a falta de conexão entre a expansão das cidades e as mudanças em mobilidade. Como exemplo, ele menciona a expansão da cidade de Porto Alegre para o extremo sul, “com muitos empreendimentos de classe média, classe média alta, no caso de condomínios fechados, especialmente, e tem uma expansão também para o bairro Restinga, com uma série de empreendimentos de habitação popular. Essas pessoas vão ter necessidade de transporte coletivo, mas essa demanda não está sendo programada. Estão criando os empreendimentos, mas não se sabe como será resolvida a necessidade de transporte dessas pessoas. Então, a questão da mobilidade deveria ser colocada inclusive na pauta dos empreendimentos, ou seja, como esse número de pessoas que viverão nesses bairros vão se deslocar? Isso é algo importantíssimo de ser planejado”, reitera.

Paulo Roberto Rodrigues Soares é doutor em Geografia Humana pela Universidad de Barcelona, Espanha, mestre em Geografia pela Unesp e graduado em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Atualmente é professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e colaborador no Programa de Pós-Graduação em Geografia da FURG.

Confira a entrevista.

Foto: www.archdaily.com.br

IHU On-Line – Quais são os novos arranjos espaciais metropolitanos que estão surgindo nas metrópoles e como o mercado imobiliário tem contribuído para essa reestruturação das metrópoles?

Paulo Soares – Temos dois tipos de arranjos: um relacionado à habitação e outro relacionado às atividades econômicas. Relacionados à habitação, temos uma expansão de grandesempreendimentos imobiliários em grandes bairros, condomínios fechados. O mercado imobiliário criou um novo produto, que chama de bairros planejados; são grandes empreendimentos em áreas periféricas que não tinham essa ação do mercado imobiliário.

Nesse sentido, há uma mudança significativa na estrutura das cidades pela localização desses grandes empreendimentos. Em termos econômicos também surgem novos arranjos, porque a indústria e o comércio hoje em dia se localizam de forma diferenciada. Por exemplo, os grandes empreendimentos comerciais, os grandes shoppings centers, os grandes atacados, hipermercados, se localizam também em grandes eixos viários, e a indústria está criando parques tecnológicos, condomínios industriais, clusters industriais. O complexo automotivo é um exemplo disso, não é só a montadora, mas uma união de sistemistas junto à montadora. Então, são arranjos diferenciados da forma como se dava esse crescimento há, digamos assim, 30 anos.

IHU On-Line – A geografia urbana é levada em conta nos processos de reestruturação urbana?

Paulo Soares – O que é levado em conta nessas localizações é a otimização do empreendimento. Geralmente esses novos arranjos são grandes empreendimentos imobiliários, tanto habitacionais como também comerciais e industriais. Então, é levado em conta muito mais a possibilidade de rentabilidade desse investimento, e não exatamente a geografia urbana ou a relação deste empreendimento com um conjunto urbano já preexistente, com uma estrutura urbana já preexistente.

 

"Os locais de trabalho ainda estão relativamente concentrados e os serviços também, então a população ainda tem de se deslocar para as áreas onde se concentram o comércio, os serviços e os empregos"

IHU On-Line – Evidencia um processo de fragmentação socioterritorial nas metrópoles? Quais as implicações sociais desse processo?

 

Paulo Soares – O que se vê realmente é uma tendência a essa fragmentação, porque essas implantações não têm muita relação com a estrutura preexistente, elas são quase que independentes dessa estrutura: se localizam em redes viárias, em grandes áreas de expansão urbana sem relacionamento com a estrutura preexistente. E, por outro lado, o mercado imobiliário já programa os empreendimentos para um determinado público. Então, ao indicar determinado público, ele já homogeniza socialmente essas áreas.

Geralmente no Brasil não temos o costume de ter um misto social num mesmo ambiente — em alguns países muitas vezes é até uma obrigatoriedade que os empreendimentos tenham uma mistura social organizada que pelo menos leve a uma população diversificada. Como no Brasil isso não existe, o mercado imobiliário atua e coloca em uma área 5 mil habitantes, por exemplo, mas todos com certa homogeneidade social. Então, isso obviamente contribui para a segregação, porque vai haver um grupo homogêneo isolado e, consequentemente, isso cria uma fragmentação, uma vez que esse grupo não vai ter relação com seu entorno, mas com as áreas de centralidade da cidade. Um exemplo disso é o que está ocorrendo no entorno da Arena do Grêmio, em Porto Alegre. Nessa região está surgindo um complexo de edifícios, mas quem vai morar ali não terá relação com o entorno; vai ter relação com outros lugares da metrópole, mas não exatamente com o entorno e com a população segregada que vive ao lado da Arena.

IHU On-Line – Quais foram as transformações físico-territoriais, socioeconômicas, ambientais e simbólicas das cidades sedes da Copa? Depois de três meses do fim da Copa do Mundo, que análise é possível fazer acerca das reformas feitas no espaço urbano nas cidades sedes?

Paulo Soares – Nós estamos finalizando o projeto de estudos sobre a Copa do Mundo, e até o final do ano teremos resultados mais consolidados. Mas podemos dizer que realmente houve uma certa reestruturação físico-territorial e uma mudança na centralidade da cidade. Nesse sentido, os estádios e as áreas que receberam investimentos da Copaganharam uma certa centralidade. Outra alteração — não sei se vai redundar numa alteração socioeconômica —, foi a geração de grandes empreendimentos imobiliários no entorno dos estádios, e também houve transformações simbólicas à medida que determinados lugares ganharam um significado para a cidade.

Recentemente estive em São Paulo e passei próximo ao Itaquerão, ou Arena Corinthians, e se vê que naquele entorno está tendo uma grande mudança, considerando que aquela era uma região abandonada na cidade. Nesse sentido, há um certo olhar do mercado imobiliário para outros pontos da cidade. Apesar disso, temos de deixar claro que nem todas as obras foram concluídas, porque ocorreram atrasos e, no final das contas, mudanças mais amplas — como no caso dePorto Alegre —, que poderiam ter acontecido, ainda não aconteceram, tanto que as grandes obras viárias programadas não se realizaram.

IHU On-Line – O senhor fez uma análise dos impactos socioespaciais da construção do BarraShoppingSul na zona sul de Porto Alegre. Quais os processos de produção e reestruturação econômica, social e espacial em curso na região?

Paulo Soares – Foi uma pesquisa que fiz com alunos de iniciação científica acerca da construção do BarraShoppingSule suas implicações para a Zona Sul. Fizemos uma análise daquele entorno e das transformações. É claro que um empreendimento daquele tamanho gera uma série de impactos, mas observamos que o BarraShoppingSul conseguiu formar uma centralidade para a Zona Sul de Porto Alegre. Do ponto de vista econômico — não estou dizendo que sou a favor disso —, a Zona Sul não tinha uma centralidade tão forte em Porto Alegre, e o BarraShoppingSul atraiu essa centralidade. Tanto que hoje ele congrega linhas de ônibus, por exemplo, e se tornou um nó na estrutura urbana de início da Zona Sul. E, a partir disso, nós vimos uma série de empreendimentos imobiliários no entorno, além de um impacto nos empreendimentos comerciais locais, que foram afetados pela presença do empreendimento.

Com a construção das novas torres de escritórios, de torres residenciais, há uma tendência à elitização maior da área doBarraShoppingSul, com outros projetos que estão à venda para aquela área de Jockey, para a Orla do Guaíba. As pessoas diziam que o nome “BarraShoppingSul” não iria funcionar, porque o gaúcho é muito bairrista e tem certa aversão a nomes “estrangeiros”, mas funcionou e ninguém foi contra a construção do empreendimento.

"Uma ideia de um modelo mais descentralizado em termos de empregos e de serviços seria algo interessante"

IHU On-Line – Como o senhor avalia a obrigatoriedade dos Planos Diretores Municipais? Qual tem sido o impacto desses planos na reestruturação do espaço urbano das cidades?

Paulo Soares – É importante as cidades terem seus Planos Diretores, organizarem o seu espaço, projetarem o seu crescimento, quer dizer, preverem uma série de situações. Agora, a obrigatoriedade dos Planos Diretores gerou alguns problemas, porque nem todo munícipio tem capacidade para realizá-los, e isso gerou uma certa “fábrica de Planos Diretores”, porque planos passaram a ser feitos por empresas, em série, sem a realização de estudos necessários para realmente gerar um Plano Diretor adequado à realidade de determinados municípios.

Então, a obrigatoriedade é boa, mas os municípios não estão aparelhados, não têm corpo técnico para desenvolver os planos. Muitos municípios recorrem à universidade, mas também a universidade não tem como dar conta de toda essa tarefa, afinal só no Rio Grande do Sul são quase 400 munícipios, e no Brasil são 6 mil municípios, ou seja, é uma quantidade muito grande para ser atendida. O Ministério das Cidades até tentou campanhas e capacitações para que os municípios realizassem seus planos, mas o que podemos ver é que muitos deles ficaram pouco contextualizados com a realidade municipal e não tiveram capacidade de dar conta dos problemas locais.

IHU On-Line – Considerando o aumento significativo de carros nas grandes metrópoles brasileiras, que alternativas podem ser implementadas para resolver os problemas de tráfego?

Paulo Soares – Não sou especialista nessa área, mas a alternativa seria investimento em transporte público. Investir em diferentes modais, metrôs, transporte coletivo, BRTs, seria uma alternativa. Nós atingimos uma média de automóveis por habitante que não é muito diferente e ainda está abaixo de muitos países desenvolvidos; está abaixo do Japão, daFrança, da Espanha e dos Estados Unidos.

Mas o que acontece é que esses países — especialmente os europeus — têm uma estrutura de transporte coletivo que funciona. As pessoas têm carro, mas grande parte utiliza muito mais o carro para lazer, para fazer compras, para coisas mais particulares, e não para o deslocamento cotidiano.

No Brasil há uma média de automóveis por habitante elevada, mas não temos a correspondente estrutura de transporte público para permitir que as pessoas deixem seu carro em casa e utilizem outro tipo de transporte. O que falta para nós é essa estrutura organizada de transporte público, transporte coletivo, que permita o deslocamento das pessoas sem a necessidade do carro.

IHU On-Line – A questão da mobilidade não é pensada juntamente com a reestruturação das cidades, porque, na medida em que as cidades vão se expandindo, as pessoas precisariam de um novo modelo de mobilidade?

Paulo Soares – Exatamente. Hoje tem uma expansão da cidade de Porto Alegre para o extremo sul, com muitos empreendimentos de classe média, classe média alta, no caso de condomínios fechados, especialmente, e tem uma expansão também para o bairro Restinga, com uma série de empreendimentos de habitação popular. Essas pessoas vão ter necessidade de transporte coletivo, mas essa demanda não está sendo programada. Estão criando os empreendimentos, mas não se sabe como será resolvida a necessidade de transporte dessas pessoas. Então, a questão da mobilidade deveria ser colocada inclusive na pauta dos empreendimentos, ou seja, como esse número de pessoas que viverão nesses bairros vão se deslocar? Isso é algo importantíssimo de ser planejado.

IHU On-Line – O senhor percebe que essa reestruturação e expansão das cidades pode de alguma maneira segmentar as cidades ou as áreas metropolitanas no sentido de que cada parte da população viva só no seu bairro, sem conhecer a totalidade da cidade ou sem interagir com o restante da cidade?

Paulo Soares – Isso não é impossível, mas nós não temos, por exemplo, postos de trabalho tão disponíveis assim por toda região metropolitana. Os locais de trabalho ainda estão relativamente concentrados e os serviços também, então a população ainda tem de se deslocar para as áreas onde se concentram o comércio, os serviços e os empregos. Nesse sentido ainda vai haver o deslocamento. É claro que boa parte das pessoas fica com esse conhecimento parcial, quer dizer, de conhecer setores da cidade pelos quais elas se deslocam. Em Porto Alegre isso já acontece: parte da população vive e conhece a Zona Norte e parte vive e conhece a Zona Sul. Essas pessoas têm seus deslocamentos organizados entre essas regiões e não têm muito contato com a região metropolitana.

IHU On-Line – Considerando a geografia das metrópoles brasileiras, que modelos de reestruturação do espaço urbano são possíveis de serem projetados e postos em prática?

Paulo Soares – Uma ideia de um modelo mais descentralizado em termos de empregos e de serviços seria algo interessante. Outra ideia seria projetar grandes empreendimentos imobiliários que não fossem tão homogêneos socialmente, permitissem uma mistura maior da população, que diferentes classes sociais pudessem estar convivendo. O terceiro fator é a questão de acessibilidade e mobilidade, porque, independentemente de a cidade crescer e de as pessoas terem seus lugares de moradia, seus lugares de trabalho, de serviços e de não conviverem na cidade como um todo, é claro que existem espaços na cidade que têm um significado simbólico para todo mundo, como o Centro Histórico, os espaços públicos, a Orla, os principais parques. Então, haveria necessidade de as pessoas terem acesso a esses lugares que têm um significado importante para todos, não serem excluídas de participar dessa vida urbana que se dá nessas áreas histórica e culturalmente mais importantes da cidade.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Paulo Soares – Uma coisa importante para a região metropolitana e que é algo que estamos analisando nesse momento é a importância que alguns municípios estão tendo — como, por exemplo, CanoasNovo HamburgoSão Leopoldo e certa parte de Gravataí. Esses municípios estão tendo centralidade importante, tendo shoppings centers, estão virando centros de serviços e também podem ou poderão, no futuro, concorrer com Porto Alegre no sentido de oferecer serviços para a população metropolitana. Isso também vai gerar mudanças muito grandes em termos de mobilidade, pois o sistema viário hoje é muito centralizado em Porto Alegre e de repente vão ter de pensar em uma estrutura urbana mais descentralizada, mais policêntrica para a região metropolitana como um todo e não somente para a cidade de Porto Alegre.