Aumento no Desmatamento na Amazônia em 2013


Um ponto fora da curva ou fora de controle?

IPAM, IMAZON e ISA analisam o aumento no desmatamento na Amazônia em 2013 e apresentam recomendações ao Poder Público para que essa tendência seja revertida.

Desde 2006, as taxas de desmatamento na Amazônia têm caído consistentemente. Em 2013, porém, o aumento de 28% no desmatamento amazônico colocou em alerta a sociedade brasileira. Esse aumento deve ser considerado inaceitável por três motivos principais: o desmatamento em questão foi, em grande parte, ilegal; existe na região Amazônica uma grande quantidade de área já desmatada porém subutilizada; e o Poder Público brasileiro já possui os elementos fundamentais para combater o desmatamento amazônico.

Com o objetivo de refletir sobre as causas que levaram ao desmatamento e estimular reação por parte do Poder Público brasileiro, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), o Instituto Socioambiental (ISA) e o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), apresentam neste documento reflexões sobre o aumento do desmatamento ocorrido em 2013 e elencam uma série de recomendações para a redução nas taxas de destruição da floresta amazônica.

Entre os vários fatores que podem explicar o aumento de 2013, dois deles são tradicionalmente conhecidos: especulação fundiária e o efeito das obras de infraestrutura sem as devidas salvaguardas socioambientais.

A combinação de estratégias de controle já consagradas com algumas abordagens inovadoras deve ser adotada para que a taxa de derrubada da floresta amazônica continue em uma trajetória de redução. Por exemplo, será preciso

(1) manter a fiscalização focada em municípios que concentram as maiores taxas de desmatamento;

(2) criar mecanismos que responsabilizem os compradores de produtos oriundos de áreas desmatadas ilegalmente;

(3) proceder com a divulgação da lista de áreas embargadas pelo Ibama;

(4) dar continuidade às ações do Ministério Público contra empresas que compram produtos oriundos de desmatamento ilegal. Do ponto de vista da inovação, será fundamental avançar com os

(5) incentivos econômicos para a conservação e redução do desmatamento especulativo, além de (6) estimular a recomposição e a regularização florestal. Tais incentivos deveriam abranger os fiscais, através de uma revisão da politica tributária do governo federal.

Neste sentido, o documento analítico sobre o desmatamento de 2013, lançado pelas instituições abaixo assinadas, representa um primeiro passo para uma reflexão mais aprofundada sobre os fatores que ainda tornam a redução do desmatamento na região um desafio. Assim, estas instituições se colocam à disposição do Poder Público para debater em profundidade os resultados e recomendações apresentados.

Para ler o documento na integra, clique aqui.

Foto: Reprodução

Fonte: IHU – Unisinos

 

Crônica de uma malandragem anunciada


"A lei florestal, sob o pretexto de 'atender à questão social sem prejudicar o meio ambiente', (…) previu que os 'pequenos produtores' teriam obrigações ambientais muito menores que os demais", escreve Raul do Valle, coordenador de política e direito socioambiental do Instituto Socioambiental – ISA, em artigo publicado no sítio do ISA, 27-02-2014. 

                                          

Eis o artigo.

Às vésperas de cumprir dois anos de existência, a nova lei florestal (12.651/2012) ainda não deslanchou, pelo menos no quesito referente à recuperação ambiental dos imóveis rurais. Interessante notar, no entanto, que a não responsabilização (anistia) por desmatamentos ilegais ocorridos até 2008, outra face da mesma lei, está em pleno vigor desde o primeiro dia de sua publicação.

 

A razão principal pela qual praticamente nenhuma semente de espécie nativa foi plantada até o momento, em qualquer parte do país, para reflorestar beiras de rio ou nascentes, é a espera pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR). Como já explicado aqui, o CAR terá como objetivo identificar eventuais passivos ambientais nos mais de 5 milhões de imóveis do país e conseguir um compromisso do proprietário em recuperá-los. Como a grande maioria dos produtores ainda desconhece sua existência e, entre os que sabem que ele virá, boa parte está aguardando sua real implementação para saber exatamente se e quanto terá de recuperar de florestas, o resultado é uma grande paralisação nas iniciativas de restauração florestal no país.

 

Desde o final de 2013, anuncia-se que o CAR “está para sair”. O Ministério de Meio Ambiente (MMA) construiu a duras penas um sistema, fez acordo com a grande maioria dos estados para que estes o usassem ou compatibilizassem seus sistemas próprios com o nacional, capacitou técnicos para sua operação e elaborou uma minuta de normativa, discutida com outros ministérios e com a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária(CNA), mas não com as organizações do campo socioambiental, para fixar os requisitos mínimos desse cadastro. Há meses essa minuta está para ser aprovada pela Casa Civil, mas isso nunca ocorre. A razão é que o Ministério da Agricultura (Mapa) é contra e, sem consenso, o assunto não vai adiante.

 

A objeção do Mapa é a mesma da bancada ruralista, que é a mesma da CNA, e se concentra em um aspecto “singelo”: eles exigem que o CAR aceite o cadastro de matrículas isoladas, como se fossem propriedades distintas, e não apenas do imóvel inteiro, como prevê a minuta do MMA e, a rigor, a própria lei (art.29, §1o – “A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita…”). Segundo a definição do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsável pelo Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), o maior e mais antigo cadastro de imóveis rurais do país, “imóvel rural é uma área formada de uma ou mais matrículas de terras contínuas, do mesmo detentor (seja ele proprietário ou posseiro)”.

 

O objetivo dos representantes do agronegócio é claro, e já havia sido anunciado antes da sanção da nova lei: ampliar para os médios e grandes proprietários a anistia concedida teoricamente aos pequenos.

 

O raciocínio não exige muita sofisticação. A lei florestal, sob o pretexto de “atender à questão social sem prejudicar o meio ambiente”, como exposto pelo Palácio do Planalto quando de sua sanção (veja apresentação do governo), previu que os “pequenos produtores” – detentores de imóveis de até 4 módulos fiscais, sejam eles agricultores familiares ou não – teriam obrigações ambientais muito menores que os demais.

 

Assim, por exemplo, previu que nenhuma Reserva Legal desmatada até 2008 teria de ser recuperada e que as matas ciliares dos rios que cortam seus imóveis poderiam ter meros 5 ou 8 metros de largura, a depender do tamanho do imóvel. Para os médios e grandes proprietários, a obrigação de recompor a Reserva Legal permanece, embora reduzida, e as matas ciliares devem ter no mínimo 20 ou 30 metros de largura, a depender do tamanho do imóvel.

 

Se o CAR aceitar o registro de matrículas isoladas, um mesmo imóvel parecerá, aos olhos do sistema, diversos imóveis distintos, embora do mesmo proprietário. Tomemos como exemplo uma única fazenda de gado de 480 hectares no município de Uberaba, que esteja dividida, no Cartório de Imóveis, em 3 matrículas, sendo uma de 320, outra de 85 e a terceira de 75 hectares.

 

Se cada matrícula for considerada um imóvel autônomo, ao invés de ter que manter ou recuperar 96 hectares de Reserva Legal (20% da área total), ele terá de manter ou recuperar apenas 64 hectares. Isso porque as duas matrículas menores correspondem a imóveis de 4 módulos (equivalente a 96 hectares no município) e estão isentos de restaurar a reserva. Uma diminuição de 33% da área a ser protegida. O mesmo aconteceria com as matas ciliares, que pela nova lei também serão bem menores nos “pequenos” imóveis.

 

O efeito concreto desse jeitinho pleiteado pelo Mapa seria imenso. Embora os imóveis de até 4 módulos fiscais correspondam a 90% do total de imóveis do país, elas ocupam apenas 24% do território. Alargar artificialmente a classe dos “pequenos” significaria avançar com a anistia mais profunda sobre os 76% restantes do território. Teríamos, na fantasia do cadastro, um país com melhor distribuição fundiária, menos desigual. Na realidade do campo, porém, teríamos um país com muito menos rios protegidos e muito mais desequilibrado ambientalmente. E no qual a malandragem, mais uma vez, seria prática oficial.

 

Fonte: IHU – Unisinos

Crônica de uma malandragem anunciada


"A lei florestal, sob o pretexto de 'atender à questão social sem prejudicar o meio ambiente', (…) previu que os 'pequenos produtores' teriam obrigações ambientais muito menores que os demais", escreve Raul do Valle, coordenador de política e direito socioambiental do Instituto Socioambiental – ISA, em artigo publicado no sítio do ISA, 27-02-2014. 

                                          

Eis o artigo.

Às vésperas de cumprir dois anos de existência, a nova lei florestal (12.651/2012) ainda não deslanchou, pelo menos no quesito referente à recuperação ambiental dos imóveis rurais. Interessante notar, no entanto, que a não responsabilização (anistia) por desmatamentos ilegais ocorridos até 2008, outra face da mesma lei, está em pleno vigor desde o primeiro dia de sua publicação.

 

A razão principal pela qual praticamente nenhuma semente de espécie nativa foi plantada até o momento, em qualquer parte do país, para reflorestar beiras de rio ou nascentes, é a espera pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR). Como já explicado aqui, o CAR terá como objetivo identificar eventuais passivos ambientais nos mais de 5 milhões de imóveis do país e conseguir um compromisso do proprietário em recuperá-los. Como a grande maioria dos produtores ainda desconhece sua existência e, entre os que sabem que ele virá, boa parte está aguardando sua real implementação para saber exatamente se e quanto terá de recuperar de florestas, o resultado é uma grande paralisação nas iniciativas de restauração florestal no país.

 

Desde o final de 2013, anuncia-se que o CAR “está para sair”. O Ministério de Meio Ambiente (MMA) construiu a duras penas um sistema, fez acordo com a grande maioria dos estados para que estes o usassem ou compatibilizassem seus sistemas próprios com o nacional, capacitou técnicos para sua operação e elaborou uma minuta de normativa, discutida com outros ministérios e com a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária(CNA), mas não com as organizações do campo socioambiental, para fixar os requisitos mínimos desse cadastro. Há meses essa minuta está para ser aprovada pela Casa Civil, mas isso nunca ocorre. A razão é que o Ministério da Agricultura (Mapa) é contra e, sem consenso, o assunto não vai adiante.

 

A objeção do Mapa é a mesma da bancada ruralista, que é a mesma da CNA, e se concentra em um aspecto “singelo”: eles exigem que o CAR aceite o cadastro de matrículas isoladas, como se fossem propriedades distintas, e não apenas do imóvel inteiro, como prevê a minuta do MMA e, a rigor, a própria lei (art.29, §1o – “A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita…”). Segundo a definição do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsável pelo Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), o maior e mais antigo cadastro de imóveis rurais do país, “imóvel rural é uma área formada de uma ou mais matrículas de terras contínuas, do mesmo detentor (seja ele proprietário ou posseiro)”.

 

O objetivo dos representantes do agronegócio é claro, e já havia sido anunciado antes da sanção da nova lei: ampliar para os médios e grandes proprietários a anistia concedida teoricamente aos pequenos.

 

O raciocínio não exige muita sofisticação. A lei florestal, sob o pretexto de “atender à questão social sem prejudicar o meio ambiente”, como exposto pelo Palácio do Planalto quando de sua sanção (veja apresentação do governo), previu que os “pequenos produtores” – detentores de imóveis de até 4 módulos fiscais, sejam eles agricultores familiares ou não – teriam obrigações ambientais muito menores que os demais.

 

Assim, por exemplo, previu que nenhuma Reserva Legal desmatada até 2008 teria de ser recuperada e que as matas ciliares dos rios que cortam seus imóveis poderiam ter meros 5 ou 8 metros de largura, a depender do tamanho do imóvel. Para os médios e grandes proprietários, a obrigação de recompor a Reserva Legal permanece, embora reduzida, e as matas ciliares devem ter no mínimo 20 ou 30 metros de largura, a depender do tamanho do imóvel.

 

Se o CAR aceitar o registro de matrículas isoladas, um mesmo imóvel parecerá, aos olhos do sistema, diversos imóveis distintos, embora do mesmo proprietário. Tomemos como exemplo uma única fazenda de gado de 480 hectares no município de Uberaba, que esteja dividida, no Cartório de Imóveis, em 3 matrículas, sendo uma de 320, outra de 85 e a terceira de 75 hectares.

 

Se cada matrícula for considerada um imóvel autônomo, ao invés de ter que manter ou recuperar 96 hectares de Reserva Legal (20% da área total), ele terá de manter ou recuperar apenas 64 hectares. Isso porque as duas matrículas menores correspondem a imóveis de 4 módulos (equivalente a 96 hectares no município) e estão isentos de restaurar a reserva. Uma diminuição de 33% da área a ser protegida. O mesmo aconteceria com as matas ciliares, que pela nova lei também serão bem menores nos “pequenos” imóveis.

 

O efeito concreto desse jeitinho pleiteado pelo Mapa seria imenso. Embora os imóveis de até 4 módulos fiscais correspondam a 90% do total de imóveis do país, elas ocupam apenas 24% do território. Alargar artificialmente a classe dos “pequenos” significaria avançar com a anistia mais profunda sobre os 76% restantes do território. Teríamos, na fantasia do cadastro, um país com melhor distribuição fundiária, menos desigual. Na realidade do campo, porém, teríamos um país com muito menos rios protegidos e muito mais desequilibrado ambientalmente. E no qual a malandragem, mais uma vez, seria prática oficial.

 

Fonte: IHU – Unisinos