‘De que forma você traz um morto à vida?’, diz indígena krenak sobre Rio Doce


Líder indígena, Geovani Krenak, falou sobre a situação de seu povo que foi vítima do crime ambiental da Samarco ocorrido em Mariana Foto (Patrícia Almada/DomTotal)

Rômulo Ávila

Perto de completar quatro anos, o crime socioambiental da Mineradora Samarco, em Marina, Região Central de Minas, continua impactando na vida de milhares de pessoas. Os cerca de 700 indígenas da etnia krenak sofrem com doenças respiratórias, de pele e, principalmente, com a ‘morte’ do rio Doce, de onde tiravam parte do sustento e mantinham suas práticas culturais e espirituais. Os problemas foram relatados por Geovani Krenak, que participa da  4ª Semana de Estudos Amazônicos (Semea), realizada em Belo Horizonte até a próxima sexta-feira (1º). A aldeia fica na cidade de Resplendor, região do Vale do Rio Doce de Minas Gerais.

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Cobertura sobre a 4ª Semana de Estudos Amazônicos

Geovani participou do painel ‘Direitos Humanos, Meio Ambiente e Sustentabilidade’, nessa terça-feira (29), junto com os professores Caio Lara e André de Paiva Toledo (Dom Helder), Chantelle Teixeira (advogada do Conselho Indigenista Missionário – Cimi); Joaquim Belo (Conselho Nacional das Populações  Extrativistas); Daniel Seidel (Repam) e Edmundo Antônio Dias Neto (MPMG).

“Vivemos agora uma situação diferente. No início, veio a questão da lama, a morte dos animais e dos peixes. Costumo dizer que o Rio Doce ficou inabitável, porque não há vida no rio. A longo prazo, estão vindo os outros problemas, como doenças de pele e respiratórias”, disse Geovani. Ele explica que os problemas respiratórios têm relação com os caminhões-pipas que levam água potável à aldeia. O problema não existia antes da lama da barragem de Fundão atingir o Rio Doce.

“Minha aldeia ficou irreconhecível depois do crime. Desde então, nosso povo luta por reparação, por Justiça e para tentar manter as práticas culturais espirituais que tínhamos antes do rompimento”.

Geovani explica os rejeitos de minério da barragem estão assentados no fundo do rio. Além dos impactos ambientais e econômicos, Geovani cita a importância espiritual do Rio Doce para o seu povo. “É o que nos causa mais tristeza, porque o espírito do rio está morto. Uma anciã nossa, Dejanira Krenak, fez a seguinte pergunta para um representante da Vale: ‘De que forma você traz um morto à vida? E é essa a situação do Rio Doce’, diz.

“Desde o rompimento da barragem nosso povo não faz o mais sagrado, que eram as práticas religiosas dentro do rio. Nosso povo vem tentando, se é que isso é possível, retomar essa cultura na sua forma mais plena. É o principal enfrentamento do povo krenak”, diz.

Estudos recentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) revelam que a contaminação no Rio Doce e no mar de Regência estão piores do que na época da tragédia.

Território dos Sete Salões

Segundo Geovani, a luta do seu povo agora é para conseguir a demarcação de terra do Território dos Sete Salões, onde funciona um parque estadual. “Mas não há políticas públicas para a preservação do parque. O que a gente tem lá é um cenário de destruição, de extração de madeira e de pedras. O que a gente reivindica é demarcação do território Sete Salões, já há uma ação civil pública movida pelo estado brasileiro em favor do povo Krenak”.

Eram 10 mil

Durante o painel, Geovani lembrou que, há 200 anos, estima-se que 10 mil indígenas krenak viviam no país. Citando Dom Helder Câmara como um humanista defensor do Direitos Humanos, ele disse seu povo foi morto. “Somos hoje menos de mil”.

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