Hortas urbanas: uma revolução orgânica e sustentável


Em meio à megalópole de São Paulo, organizados em coletivos nascidos na web, os paulistanos estão ocupando os espaços públicos e semeando idéias para deixar a cidade menos cinzenta através das hortas urbanas. Elas são uma forma de se conhecer melhor a vizinhança, revitalizar o uso do espaço urbano e mudar a maneira de produzir comida. A idéia é facilitar o acesso a alimentos frescos e saudáveis, aumentar as áreas verdes nas metrópoles e diminuir o impacto do transporte de hortaliças, que hoje se baseia em um complexo mecanismo orquestrado de produção, transporte e distribuição. O conceito também já pegou em outros locais do mundo, como Havana, em Cuba, ou São Francisco, nos EUA.
 

                                                

A jornalista Cláudia Visoni é uma das principais representantes do coletivo de “Hortelões Urbanos” da cidade de São Paulo. Segundo ela, o grupo reúne na internet atualmente mais de 4.000 pessoas interessadas em trocar experiências de plantio doméstico de alimentos. A grande maioria já cultiva ervas, frutas e hortaliças no quintal, em jardins verticais, sistemas hidropônicos ou até mesmo em varandas de apartamentos. Além disso, eles pretendem inspirar os vizinhos a se envolverem no plantio voluntário de alimentos em áreas públicas. É o caso das hortas que têm se erguido informalmente e dado vida a terrenos baldios, beira de rios e praças da cidade, como na Vila Beatriz, na Vila Industrial, em Taboão da Serra, na Pompéia e até na Praça do Ciclista, em plena Avenida Paulista. Qualquer um pode por a mão na terra, plantar, colher e levar para casa o que cultivou gratuitamente. Para que essa realidade se espalhe, o Coletivo de Hortelões Urbanos da cidade de São Paulo entregou à Prefeitura de São Paulo uma carta com a reivindicação de que uma horta comunitária seja implementada em cada bairro, em cada escola, parque e nos postos de saúde.

Porém, a densa urbanização de São Paulo torna um desafio pensar na destinação de terrenos vagos para o plantio. O shopping Eldorado encontrou uma forma de criar sua horta urbana usando o telhado do prédio. Construir uma horta de 1.000 metros quadrados, que se aproveita de 600 kg diários de resíduos da praça de alimentação e da poda dos jardins do shopping, preparados para o plantio em uma composteira no subsolo do prédio. Desta forma, produz-se o substrato natural responsável por adubar alfaces, quiabos, camomilas, tomates, cidreiras, entre outras plantas que, quando colhidas, são distribuídas aos funcionários das lojas. Duas enzimas desenvolvidas pelo Bio Ideias possibilitaram a aceleração da compostagem (que em condições naturais pode levar até 180 dias) e a eliminação de odores. No início, o composto foi doado para hortas comunitárias e, em 2012, começou a implantação da horta no próprio telhado.
 

                                                  

Uma crítica a concepção ao potencial da agricultura urbana é o fato dela ser considerada de pequena escala e pouco produtiva. Cláudia Visoni reconhece que esse tipo de prática tem cunho mais educativo e ambiental do que potencial de abastecimento, mas explica que para se ganhar escala de produção, o estímulo da gestão pública é imprescindível. “As residências e empresas deveriam ter abatimento do IPTU no caso de compostarem seus resíduos orgânicos”, afirma. Outra idéia seria a distribuição de mudas orgânicas em estufas municipais (atualmente desativadas) para os agricultores periurbanos e a inclusão da horticultura no currículo das escolas.

Um exemplo onde as iniciativas espontâneas da população ganharam a adesão e o estímulo do governo é Cuba. Na década de 90, a cidade de Havana enfrentou uma forte crise de abastecimento com o colapso da União Soviética, responsável até então pelo fornecimento de boa parte dos alimentos consumidos no país, além dos insumos para a monocultura, como fertilizantes e pesticidas. Na época, os moradores da capital tomaram terraços, pátios e terrenos baldios e começaram a plantar feijões, tomates, bananas e diversos outros tipos de alimentos nos próprios bairros, pois o já precário sistema de transporte da ilha entrava em decadência. Em vez de coibir essas ações, o governo criou o Departamento de Agricultura Urbana e liberou o cultivo em terrenos sem uso produtivo, treinou agentes públicos para a implementação e manutenção de hortas nos bairros, construiu locais de distribuição de sementes e consolidou pontos de venda direta dos alimentos.

De acordo com Maria Caridad Cruz, engenheira agrônoma da FANJ (Fundacion Antonio Núñez Jiménez de la Naturaleza y el Hombre), hoje, 80% dos alimentos frescos de Cuba vêm das agricultura urbana – que abrange desde lotes de manejo individual até grandes propriedades de gestão estatal – cujos produtos são orgânicos (o controle biológico de pragas substituiu os pesticidas).

O deputado estadual Simão Pedro (PT), que é também secretário de serviços da cidade de São Paulo, atua há 11 anos com políticas públicas na área de agroecologia e reconhece que Havana é um ótimo exemplo, mas tem buscado inspiração também em outras cidades. Nos Estados Unidos, por exemplo, várias estão criando planos de agricultura urbana, conselhos de política alimentar e mapas de locais potenciais para o plantio. Empresas de paisagismo também têm incluído no seu portfólio os chamados projetos apelidados de “foodscape” (algo como “alternativa para a comida”), que inserem o cultivo agrícola em jardins, parques municipais, condomínios e até no telhado de estacionamentos gigantes. Em São Francisco, na Califórnia, a prefeitura mudou os regulamentos de zoneamento, a fim de permitir o cultivo local de alimentos, e criou o sistema de compostagem municipal, transformando resíduos orgânicos em insumo para as hortas públicas.

           

Simão Pedro diz que um projeto similar com relação aos resíduos foi incluído no Plano de Metas da capital paulista. Segundo o secretário, hoje 52% de todo lixo encaminhado para os aterros da cidade são de natureza orgânica, ou seja, são resíduos que produzem chorume, contaminam o solo e proliferam doenças, mas que poderiam ser transformados em adubo. Além disso, o deputado quer instalar em bairros periféricos de São Paulo o projeto “Revolução dos Baldinhos”, de Florianópolis, O projeto catarinense surgiu em 2008 como resposta a uma epidemia de ratos no bairro Monte Cristo, na periferia da cidade, que culminou na morte de duas crianças. Para solucionar a crise, lideranças comunitárias em parceria com o agrônomo Marcos de Abreu, do Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro), começaram a estimular a população a separar os resíduos orgânicos em baldes (por isso o nome do projeto). Depois de recolhidos, 15 toneladas de materiais orgânicos se transformam todo mês em composto utilizado em hortas comunitárias e domésticas que se espalharam pelo bairro e resolveram o problema dos ratos. Atualmente, o excedente do composto está sendo beneficiado e embalado por jovens da periferia, que querem criar uma cooperativa para gerir o negócio.

Participante da Horta dos Ciclistas e Horta das Corujas (Vila Beatriz), Cláudia Visoni enumera as vantagens das hortas urbanas: “a horticultura precisa ganhar mais espaços pois é uma solução simples diminuir os custos alimentares e melhorar o clima da cidade atenuando ilhas de calor. Também é uma alternativa gratuita de lazer, aumenta a permeabilidade do solo, reduz as emissões de gases do efeito estufa (pois evita o transporte motorizado de alimentos) e inaugura espaços práticos de educação ambiental.

Fonte: O Eco

Laísa Mangelli

Reestruturação das metrópoles: primeiro os empreendimentos, depois a mobilidade


Entrevista especial com Paulo Roberto Rodrigues Soares

“Planos Diretores passaram a ser feitos por empresas, em série, sem a realização de estudos necessários para realmente gerar um Plano Diretor adequado à realidade de determinados municípios”, adverte o geógrafo.

Foto: www.seesp.org.br

Os novos arranjos urbanos nas metrópoles brasileiras, bastante diferentes dos ocorridos há 30 anos, estão relacionados tanto à habitação como às atividades econômicas, com o surgimento de novos empreendimentos do mercado imobiliário.

De acordo com Paulo Roberto Rodrigues Soares, com a reestruturação das cidades “o mercado imobiliário criou um novo produto, que chama de bairros planejados; são grandes empreendimentos em áreas periféricas que não tinham essa ação do mercado imobiliário. Nesse sentido, há uma mudança significativa na estrutura das cidades pela localização desses grandes empreendimentos”.

Pesquisador do Observatório das Metrópoles de Porto AlegreSoares enfatiza que a geografia urbana das cidades não é considerada nesse processo. “É levado em conta muito mais a possibilidade de rentabilidade desse investimento, e não exatamente a geografia urbana ou a relação deste empreendimento com um conjunto urbano já preexistente, com uma estrutura urbana já preexistente”. Segundo ele, apesar da reestruturação urbana gerar novos pontos centrais de organização em algumas zonas urbanas, ela tem gerado uma “fragmentação” social, porque “o mercado imobiliário já programa os empreendimentos para um determinado público. Então, ao indicar determinado público, ele já homogeniza socialmente essas áreas”.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, o geógrafo também assinala a falta de conexão entre a expansão das cidades e as mudanças em mobilidade. Como exemplo, ele menciona a expansão da cidade de Porto Alegre para o extremo sul, “com muitos empreendimentos de classe média, classe média alta, no caso de condomínios fechados, especialmente, e tem uma expansão também para o bairro Restinga, com uma série de empreendimentos de habitação popular. Essas pessoas vão ter necessidade de transporte coletivo, mas essa demanda não está sendo programada. Estão criando os empreendimentos, mas não se sabe como será resolvida a necessidade de transporte dessas pessoas. Então, a questão da mobilidade deveria ser colocada inclusive na pauta dos empreendimentos, ou seja, como esse número de pessoas que viverão nesses bairros vão se deslocar? Isso é algo importantíssimo de ser planejado”, reitera.

Paulo Roberto Rodrigues Soares é doutor em Geografia Humana pela Universidad de Barcelona, Espanha, mestre em Geografia pela Unesp e graduado em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Atualmente é professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e colaborador no Programa de Pós-Graduação em Geografia da FURG.

Confira a entrevista.

Foto: www.archdaily.com.br

IHU On-Line – Quais são os novos arranjos espaciais metropolitanos que estão surgindo nas metrópoles e como o mercado imobiliário tem contribuído para essa reestruturação das metrópoles?

Paulo Soares – Temos dois tipos de arranjos: um relacionado à habitação e outro relacionado às atividades econômicas. Relacionados à habitação, temos uma expansão de grandesempreendimentos imobiliários em grandes bairros, condomínios fechados. O mercado imobiliário criou um novo produto, que chama de bairros planejados; são grandes empreendimentos em áreas periféricas que não tinham essa ação do mercado imobiliário.

Nesse sentido, há uma mudança significativa na estrutura das cidades pela localização desses grandes empreendimentos. Em termos econômicos também surgem novos arranjos, porque a indústria e o comércio hoje em dia se localizam de forma diferenciada. Por exemplo, os grandes empreendimentos comerciais, os grandes shoppings centers, os grandes atacados, hipermercados, se localizam também em grandes eixos viários, e a indústria está criando parques tecnológicos, condomínios industriais, clusters industriais. O complexo automotivo é um exemplo disso, não é só a montadora, mas uma união de sistemistas junto à montadora. Então, são arranjos diferenciados da forma como se dava esse crescimento há, digamos assim, 30 anos.

IHU On-Line – A geografia urbana é levada em conta nos processos de reestruturação urbana?

Paulo Soares – O que é levado em conta nessas localizações é a otimização do empreendimento. Geralmente esses novos arranjos são grandes empreendimentos imobiliários, tanto habitacionais como também comerciais e industriais. Então, é levado em conta muito mais a possibilidade de rentabilidade desse investimento, e não exatamente a geografia urbana ou a relação deste empreendimento com um conjunto urbano já preexistente, com uma estrutura urbana já preexistente.

 

"Os locais de trabalho ainda estão relativamente concentrados e os serviços também, então a população ainda tem de se deslocar para as áreas onde se concentram o comércio, os serviços e os empregos"

IHU On-Line – Evidencia um processo de fragmentação socioterritorial nas metrópoles? Quais as implicações sociais desse processo?

 

Paulo Soares – O que se vê realmente é uma tendência a essa fragmentação, porque essas implantações não têm muita relação com a estrutura preexistente, elas são quase que independentes dessa estrutura: se localizam em redes viárias, em grandes áreas de expansão urbana sem relacionamento com a estrutura preexistente. E, por outro lado, o mercado imobiliário já programa os empreendimentos para um determinado público. Então, ao indicar determinado público, ele já homogeniza socialmente essas áreas.

Geralmente no Brasil não temos o costume de ter um misto social num mesmo ambiente — em alguns países muitas vezes é até uma obrigatoriedade que os empreendimentos tenham uma mistura social organizada que pelo menos leve a uma população diversificada. Como no Brasil isso não existe, o mercado imobiliário atua e coloca em uma área 5 mil habitantes, por exemplo, mas todos com certa homogeneidade social. Então, isso obviamente contribui para a segregação, porque vai haver um grupo homogêneo isolado e, consequentemente, isso cria uma fragmentação, uma vez que esse grupo não vai ter relação com seu entorno, mas com as áreas de centralidade da cidade. Um exemplo disso é o que está ocorrendo no entorno da Arena do Grêmio, em Porto Alegre. Nessa região está surgindo um complexo de edifícios, mas quem vai morar ali não terá relação com o entorno; vai ter relação com outros lugares da metrópole, mas não exatamente com o entorno e com a população segregada que vive ao lado da Arena.

IHU On-Line – Quais foram as transformações físico-territoriais, socioeconômicas, ambientais e simbólicas das cidades sedes da Copa? Depois de três meses do fim da Copa do Mundo, que análise é possível fazer acerca das reformas feitas no espaço urbano nas cidades sedes?

Paulo Soares – Nós estamos finalizando o projeto de estudos sobre a Copa do Mundo, e até o final do ano teremos resultados mais consolidados. Mas podemos dizer que realmente houve uma certa reestruturação físico-territorial e uma mudança na centralidade da cidade. Nesse sentido, os estádios e as áreas que receberam investimentos da Copaganharam uma certa centralidade. Outra alteração — não sei se vai redundar numa alteração socioeconômica —, foi a geração de grandes empreendimentos imobiliários no entorno dos estádios, e também houve transformações simbólicas à medida que determinados lugares ganharam um significado para a cidade.

Recentemente estive em São Paulo e passei próximo ao Itaquerão, ou Arena Corinthians, e se vê que naquele entorno está tendo uma grande mudança, considerando que aquela era uma região abandonada na cidade. Nesse sentido, há um certo olhar do mercado imobiliário para outros pontos da cidade. Apesar disso, temos de deixar claro que nem todas as obras foram concluídas, porque ocorreram atrasos e, no final das contas, mudanças mais amplas — como no caso dePorto Alegre —, que poderiam ter acontecido, ainda não aconteceram, tanto que as grandes obras viárias programadas não se realizaram.

IHU On-Line – O senhor fez uma análise dos impactos socioespaciais da construção do BarraShoppingSul na zona sul de Porto Alegre. Quais os processos de produção e reestruturação econômica, social e espacial em curso na região?

Paulo Soares – Foi uma pesquisa que fiz com alunos de iniciação científica acerca da construção do BarraShoppingSule suas implicações para a Zona Sul. Fizemos uma análise daquele entorno e das transformações. É claro que um empreendimento daquele tamanho gera uma série de impactos, mas observamos que o BarraShoppingSul conseguiu formar uma centralidade para a Zona Sul de Porto Alegre. Do ponto de vista econômico — não estou dizendo que sou a favor disso —, a Zona Sul não tinha uma centralidade tão forte em Porto Alegre, e o BarraShoppingSul atraiu essa centralidade. Tanto que hoje ele congrega linhas de ônibus, por exemplo, e se tornou um nó na estrutura urbana de início da Zona Sul. E, a partir disso, nós vimos uma série de empreendimentos imobiliários no entorno, além de um impacto nos empreendimentos comerciais locais, que foram afetados pela presença do empreendimento.

Com a construção das novas torres de escritórios, de torres residenciais, há uma tendência à elitização maior da área doBarraShoppingSul, com outros projetos que estão à venda para aquela área de Jockey, para a Orla do Guaíba. As pessoas diziam que o nome “BarraShoppingSul” não iria funcionar, porque o gaúcho é muito bairrista e tem certa aversão a nomes “estrangeiros”, mas funcionou e ninguém foi contra a construção do empreendimento.

"Uma ideia de um modelo mais descentralizado em termos de empregos e de serviços seria algo interessante"

IHU On-Line – Como o senhor avalia a obrigatoriedade dos Planos Diretores Municipais? Qual tem sido o impacto desses planos na reestruturação do espaço urbano das cidades?

Paulo Soares – É importante as cidades terem seus Planos Diretores, organizarem o seu espaço, projetarem o seu crescimento, quer dizer, preverem uma série de situações. Agora, a obrigatoriedade dos Planos Diretores gerou alguns problemas, porque nem todo munícipio tem capacidade para realizá-los, e isso gerou uma certa “fábrica de Planos Diretores”, porque planos passaram a ser feitos por empresas, em série, sem a realização de estudos necessários para realmente gerar um Plano Diretor adequado à realidade de determinados municípios.

Então, a obrigatoriedade é boa, mas os municípios não estão aparelhados, não têm corpo técnico para desenvolver os planos. Muitos municípios recorrem à universidade, mas também a universidade não tem como dar conta de toda essa tarefa, afinal só no Rio Grande do Sul são quase 400 munícipios, e no Brasil são 6 mil municípios, ou seja, é uma quantidade muito grande para ser atendida. O Ministério das Cidades até tentou campanhas e capacitações para que os municípios realizassem seus planos, mas o que podemos ver é que muitos deles ficaram pouco contextualizados com a realidade municipal e não tiveram capacidade de dar conta dos problemas locais.

IHU On-Line – Considerando o aumento significativo de carros nas grandes metrópoles brasileiras, que alternativas podem ser implementadas para resolver os problemas de tráfego?

Paulo Soares – Não sou especialista nessa área, mas a alternativa seria investimento em transporte público. Investir em diferentes modais, metrôs, transporte coletivo, BRTs, seria uma alternativa. Nós atingimos uma média de automóveis por habitante que não é muito diferente e ainda está abaixo de muitos países desenvolvidos; está abaixo do Japão, daFrança, da Espanha e dos Estados Unidos.

Mas o que acontece é que esses países — especialmente os europeus — têm uma estrutura de transporte coletivo que funciona. As pessoas têm carro, mas grande parte utiliza muito mais o carro para lazer, para fazer compras, para coisas mais particulares, e não para o deslocamento cotidiano.

No Brasil há uma média de automóveis por habitante elevada, mas não temos a correspondente estrutura de transporte público para permitir que as pessoas deixem seu carro em casa e utilizem outro tipo de transporte. O que falta para nós é essa estrutura organizada de transporte público, transporte coletivo, que permita o deslocamento das pessoas sem a necessidade do carro.

IHU On-Line – A questão da mobilidade não é pensada juntamente com a reestruturação das cidades, porque, na medida em que as cidades vão se expandindo, as pessoas precisariam de um novo modelo de mobilidade?

Paulo Soares – Exatamente. Hoje tem uma expansão da cidade de Porto Alegre para o extremo sul, com muitos empreendimentos de classe média, classe média alta, no caso de condomínios fechados, especialmente, e tem uma expansão também para o bairro Restinga, com uma série de empreendimentos de habitação popular. Essas pessoas vão ter necessidade de transporte coletivo, mas essa demanda não está sendo programada. Estão criando os empreendimentos, mas não se sabe como será resolvida a necessidade de transporte dessas pessoas. Então, a questão da mobilidade deveria ser colocada inclusive na pauta dos empreendimentos, ou seja, como esse número de pessoas que viverão nesses bairros vão se deslocar? Isso é algo importantíssimo de ser planejado.

IHU On-Line – O senhor percebe que essa reestruturação e expansão das cidades pode de alguma maneira segmentar as cidades ou as áreas metropolitanas no sentido de que cada parte da população viva só no seu bairro, sem conhecer a totalidade da cidade ou sem interagir com o restante da cidade?

Paulo Soares – Isso não é impossível, mas nós não temos, por exemplo, postos de trabalho tão disponíveis assim por toda região metropolitana. Os locais de trabalho ainda estão relativamente concentrados e os serviços também, então a população ainda tem de se deslocar para as áreas onde se concentram o comércio, os serviços e os empregos. Nesse sentido ainda vai haver o deslocamento. É claro que boa parte das pessoas fica com esse conhecimento parcial, quer dizer, de conhecer setores da cidade pelos quais elas se deslocam. Em Porto Alegre isso já acontece: parte da população vive e conhece a Zona Norte e parte vive e conhece a Zona Sul. Essas pessoas têm seus deslocamentos organizados entre essas regiões e não têm muito contato com a região metropolitana.

IHU On-Line – Considerando a geografia das metrópoles brasileiras, que modelos de reestruturação do espaço urbano são possíveis de serem projetados e postos em prática?

Paulo Soares – Uma ideia de um modelo mais descentralizado em termos de empregos e de serviços seria algo interessante. Outra ideia seria projetar grandes empreendimentos imobiliários que não fossem tão homogêneos socialmente, permitissem uma mistura maior da população, que diferentes classes sociais pudessem estar convivendo. O terceiro fator é a questão de acessibilidade e mobilidade, porque, independentemente de a cidade crescer e de as pessoas terem seus lugares de moradia, seus lugares de trabalho, de serviços e de não conviverem na cidade como um todo, é claro que existem espaços na cidade que têm um significado simbólico para todo mundo, como o Centro Histórico, os espaços públicos, a Orla, os principais parques. Então, haveria necessidade de as pessoas terem acesso a esses lugares que têm um significado importante para todos, não serem excluídas de participar dessa vida urbana que se dá nessas áreas histórica e culturalmente mais importantes da cidade.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Paulo Soares – Uma coisa importante para a região metropolitana e que é algo que estamos analisando nesse momento é a importância que alguns municípios estão tendo — como, por exemplo, CanoasNovo HamburgoSão Leopoldo e certa parte de Gravataí. Esses municípios estão tendo centralidade importante, tendo shoppings centers, estão virando centros de serviços e também podem ou poderão, no futuro, concorrer com Porto Alegre no sentido de oferecer serviços para a população metropolitana. Isso também vai gerar mudanças muito grandes em termos de mobilidade, pois o sistema viário hoje é muito centralizado em Porto Alegre e de repente vão ter de pensar em uma estrutura urbana mais descentralizada, mais policêntrica para a região metropolitana como um todo e não somente para a cidade de Porto Alegre.