Redes digitais: conectando o planeta


              

 

Você já checou seus e-mails hoje? Postou alguma mensagem no twitter? Respondeu aquele torpedo do amigo no celular? Colocou aquela foto incrível no instagram?

 

Sim, esta é uma nova realidade. Difícil fugir dela. O mundo inteiro passa por uma transformação. Estamos no meio de um redemoinho, nos adaptando rapidamente – ou melhor, ao vivo, neste exato momento, a uma nova arquitetura da comunicação. “Estamos sendo chamados a repensar a comunicação”, afirma Massimo Di Felice, sociólogo pela Universidade La Sapienza de Roma, doutor em Ciências da Comunicação, autor de diversos livros e atualmente professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

 

Di Felice foi o palestrante convidado para debater Redes e dinâmicas sociais –
Para onde vão? O que buscam?
, tema do 110º Fórum do Comitê da Cultura de Paz, promovido pela Associação Palas Athena –, em parceria com a Unesco, realizado esta semana no auditório do MASP, em São Paulo.

 

O modelo de comunicação do passado era bastante simples. Havia o emissor – alguém que transmitia uma mensagem, o canal pelo qual esta mensagem era enviada e, finalmente, o receptor – a pessoa que a recebia. Com as redes digitais surgiu um novo conceito. Há uma rede distribuída e a informação pode ser gerada, recebida e transformada em qualquer lugar. “Hoje a internet não conecta somente computadores, mas tudo e todos”, diz o sociólogo.

 

Entre as principais características desta nova forma de comunicação estão:

– comunicação de todos para todos;
– desconstrução e manipulação da mensagem;
– interatividade;
– fim dos pontos de vistas centrais;
– computação móvel;
– conectividade

 

“Nossa inteligência agora é estendida a uma rede mundial”, acredita Di Felice. “E ela incrementa nosso senso de participação na sociedade”. O estudioso citou os movimentos sociais ocorridos no Brasil recentemente como um fenônemo típico da era digital. Imagens de confrontos entre manifestantes e policiais captadas por dispositivos móveis rodaram a internet e transformaram a maneira como a notícia até então era publicada. “Não foram somente os humanos que ocuparam as ruas, mas as redes também”. E certamente elas dão maior visibilidade à opinião pública.

 

A comunicação digital também nos faz perceber mais claramente como tudo está interligado. Cada ação provoca uma reação. Finalmente o ser humano se dá conta que não é o único a viver no planeta. Em tempo real, ele consegue acompanhar o desmatamento na Amazônia, o degelo no Ártico e a seca na Austrália. “Não existe oexterno para o planeta. Tudo o que fazemos tem efeito sobre a Terra”.

 

Para o sociólogo, a lógica da rede é o pensar na complexidade. Ele enxerga nela um enorme potencial para alavancar o conhecimento e estimular o aprendizado. “Pela primeira vez na história da humanidade as pessoas têm acesso livre ao conhecimento”, analisa.

 

O resultado deste novo paradigma digital que se abre diante da nossa sociedade exige que repensemos a pedagogia, a maneira como ensinamos nas escolas. O professor se tornará um mediador, aquele que leva o aluno a entender o conhecimento da rede.Sejamos bem-vindos ao admirável mundo novo digital!

 

Fonte: Planeta Sustentável

Foto: Reprodução

Lutas Sociais do Campesinato


Lutas Sociais do Campesinato na Contemporaneidade no Brasil, artigo de Horacio Martins de Carvalho

[EcoDebate] O campesinato brasileiro sempre viveu e ainda vive num ambiente de constante conflitualidade social onde a característica fundamental é a tentativa constante dos latifundiários e dos empresários capitalistas no campo de se apropriarem das terras e dos territórios dos camponeses. Não há paz, até porque a lógica expansionista do capital induz os empresários capitalistas à apropriação privada das terras devolutas e das públicas, assim como de todas as demais terras privadas que não estejam direta ou indiretamente sob seu controle político e econômico. Nessas circunstâncias as lutas sociais camponeses fazem parte, ainda que a contragosto, do cotidiano camponês.

“(…) Compreendemos a conflitualidade como uma relação inerente ao processo de desenvolvimento do capitalismo no campo. Essa relação ocorre pelo enfrentamento entre os principais territórios da questão agrária brasileira: o território do campesinato e os territórios do latifúndio e do agronegócio. Compreendemos o latifúndio e o agronegócio como territórios do capital por causa de suas similaridades e diferencialidades excludentes: a grande propriedade, a especulação imobiliária, os grandes impactos ambientais, a superprodução e superexploração e a concentração do poder político e econômico. O latifúndio exclui pela improdutividade e especulação imobiliária privando os camponeses de acesso à terra. O agronegócio exclui pela produção em larga escala e intensa territorialização, impossibilitando o camponês de acesso à terra…”1

Numa formação econômica e social sob a hegemonia do grande capital nacional e multinacional predomina a idéia de que a terra está destinada para as grandes empresas capitalistas, estas consideradas pelas classes dominantes como eficazes e portadoras dos ideais do modelo agrícola-agrário hegemônico, ou seja, grandes extensões de terras, monocultivo, sementes transgênicas, uso intensivo de agrotóxicos, produtos destinados para a exportação e amplamente motomecanizadas. Supostamente, ainda que não de forma generalizada, essas grandes empresas estão relacionados com o capital bancário aplicado não apenas nos setores industrial e de serviços, num jogo determinado pelos mercados oligopolistas, ora como capital especulativo ora como produtivo, seja na agropecuária e ou nos reflorestamentos para fins industriais.

Se na área rural ainda há campesinato (s), nas suas mais distintas formas e designações (pequenos proprietários de terras, arrendatários, parceiros, foreiros, agregados, colonos, ocupantes, sitiantes, caipiras, sertanejos, extrativistas…), isso se deve à sua resistência social contra as mais distintas formas de violação da sua unidade de produção ou d extrativismo, desde a violência explícita exercitada por pistoleiros até as ameaças veladas; desde a formulação de políticas públicas que os submetem aos circuitos de comercialização e agroindustrialização sob o domínio da burguesia até a sua expulsão da terra pela conivência silenciosa entre interesses dos capitalistas no campo e setores das instituições públicas cooptadas pelo grande capital.

(…) Os conflitos no campo são definidos como as ações de resistência e enfrentamento que acontecem em diferentes contextos sociais no âmbito rural. Envolvem a luta pela terra, água, direitos e pelos meios de trabalho ou produção. Ocorrem entre classes sociais, entre os trabalhadores ou por causa da ausência ou má gestão de políticas públicas.” 2

A desigualdade social hoje existente no campo, com fortes reflexos nas cidades, é consequência direta dessa relação de violência provocada pela expansão capitalista no campo e pelas políticas públicas a ela subalternas.

Portanto, não é de estranhar que a cada ano se amplia a violência3 no campo e como consequência o número de ocorrências4 por conflitos de terras. Segundo a Comissão Pastoral da Terra – CPT nacional5, durante o ano de 2010, verificou-se 638 ocorrências por conflitos de terras envolvendo 351.935 famílias e 30 assassinatos; em 2014 esses números foram de 793 ocorrências envolvendo 600.240 famílias e 36 assassinatos. Até junho de 2015 já foram registrados 23 assassinatos no campo.

Essa escalada da violência no campo por parte dos latifundiários e empresas capitalistas, através de ações explícitas de grilagem de terras e de tentativas de desalojar os camponeses de suas terras, é consequência direta da impunidade dos seus autores, estes considerados ideologicamente pelas classes dominantes e seus intelectuais orgânicos como os agentes da modernização conservadora na agricultura —- economicamente concentradora e socialmente excludente, que se verifica no país em especial desde 1985 (ainda que a sua origem remontasse à década de 1950).

Esse modelo de modernização teve e tem como premissa que se deveria desenvolver a produtividade e o aumento da oferta de produtos para a exportação no campo sem que se mudasse a estrutura agrária nem se abordasse a questão da propriedade privada. Isso significou, entre outras premissas defendidas pelas classes dominantes, que não deveria haver qualquer restrição — apesar da legislação vigente, à concentração e centralização da terra.

Nesse sentido qualquer ação de políticas públicas favoráveis à reforma agrária só poderia ocorrer, apesar das enormes pressões políticas e de ações direta de ocupação de terras pelos movimentos sociais no campo, a partir dos interesses de classe da burguesia que, em tais contextos, no limite tolerariam um reordenamento fundiário localizado sob a hegemonia das suas conveniências. Nesse contexto histórico todas as ações da burguesia foram contrárias a qualquer reforma agrária popular, razão pela qual é constante e já institucionalizada a repressão política e policial governamental às ações de ocupação de terras dos movimentos sociais que apoiam a redistribuição social da terra.

Como uma das consequências dessa modernização conservadora houve aumento da concentração e da centralização da posse e uso da terra, assim como da apropriação privada dos demais recursos naturais como florestas, águas e minérios.

A pressão econômica e política sobre o campesinato é histórica. Desde o período das sesmarias no Brasil colônia os camponeses têm sido considerados pelas classes dominantes, e por ampla parcela da intelectualidade que lhe é orgânica, como os ‘pobres do campo’: necessários, mas desprezíveis.

É oportuno ressaltar, inclusive, que predominou na literatura econômica e social sobre o campo uma abordagem onde a unidade de produção camponesa era considerada como uma forma marginal de produção. Parcela dos autores com essa perspectiva

(…) colaboraram para a sedimentação de visões preconceituosas que insistem em atribuir irracionalidade às práticas sociais dos produtores familiares. Em consequência, irreconhecem assim o papel econômico e político desses agentes produtivos na constituição e na reprodução da sociedade brasileira; e sua luta pelo acesso a meios de produção que lhes assegurem autonomia relativa, em geral qualificada pela contraposição a formas abusivas de exploração e à instabilidade na posição de trabalhador (…)”6

Porém, para a afirmação da hegemonia (direção intelectual e moral, além da dominação econômica) da burguesia no campo foi imposto a toda a sociedade brasileira um projeto político-ideológico a partir da segunda metade do século XX em que

(…) o desenvolvimento da agricultura é concebido como resultado imediato da incorporação de tecnologias capazes de superar o ‘atraso’ do meio rural em relação às atividades urbano-industriais. Trata-se da imposição de uma racionalidade econômica centrada no lucro, na produção em escala, na especialização funcional, no individualismo e na competição, rotulando como ‘atrasadas’ todas as visões e vivências incongruentes com o paradigma ‘moderno’.”7

Paulo Petersen8 denominou essa racionalidade econômica tecnocrática e generalista de “memoricídio cultural” que tornou irrelevante a produção local de conhecimentos, onde a noção de “arte da localidade” é substituída por

(…) parâmetros técnicos e econômicos prescritos pelas modernas ciências agrárias (que) passaram a determinar aas rotinas de trabalho na agricultura pela via dos mercados.”

Essa ‘modernização conservadora’ dos latifúndios, pela expansão da lógica capitalista contemporânea de produção no campo brasileiro, representou a negação de inúmeros valores fundamentais para que a agricultura se orientasse num sentido de harmonização ou coevolução entre os homens e a natureza. Assim como a reforma agrária, a agroecologia foi descartada pelas classes dominantes e com ela os valores biodiversidade, memória cultural, diferenciação cultural, conhecimentos locais, convívio harmonioso com a natureza, agricultura camponesa, autonomia relativa camponesa… Verificou-se, dessa maneira, a sugestão de Toledo e Barrera-Bassols9 de que a sociedade moderna padece de amnésia e tende a perder a sua capacidade de recordar. Nesse sentido

As bases culturais e ecológicas que permitiram que a civilização chegasse ao estágio atual vêm sendo dilaceradas, gerando um perigoso aumento da vulnerabilidade das modernas sociedades. Reconstruir essas bases é uma condição urgente para a superação da crise de civilização que ameaça o futuro da espécie.10

Quando no início deste texto eu afirmei que não há paz no campo, condição essa devido à lógica da acumulação do capital que tende à concentração e à centralização de terras e dos negócios relacionados com a agropecuária, eu estava subentendendo nessa assertiva que as turbulências sociais provocadas pelo processo de expansão capitalista no campo afetariam e afetam diretamente não apenas a economia, mas também a cultura camponesa.

A pressão da burguesia contra a unidade de produção camponesa, no sentido de absorvê-la pela incorporação de suas terras ao patrimônio dos capitalistas e ou de submetê-las economicamente à venda de seus produtos por preços vis em mercados oligopolizados e oligopsônicos, não apenas sufoca a economia camponesa como diretamente destrói a sua cultura, a diversidade das culturas camponesas.

São inúmeras as formas de como se constituíram as culturas camponesas —- não apenas devido à grande diferenciação territorial existente no país como à variabilidade das características edafoclimáticas e históricas locais e regionais, no processo de crescimento e desenvolvimento da formação econômica e social brasileira. Nesse sentido se pode afirmar que no Brasil estão presentes diversos campesinatos e, portanto, diferentes culturas camponesas.

Mesmo quando as culturas camponesas resistem aos impactos a elas nocivos pela expansão capitalista, este modo de produção fomenta a adoção da racionalidade burguesa em todas as demais unidades de produção no campo, num processo perverso de tentativa de homogeneização dos processos produtivos no país. Isso se dá através da ideologia dominante e das políticas públicas.

Historicamente a racionalidade capitalista sempre esbarrou com a diversidade dos modos de produzir e de viver camponês11. Deu-se, em consequência, e continua se dando, um confronto entre diferentes concepções de mundo: a capitalista e aquelas dos distintos povos do campo brasileiro, entre eles os camponeses.

As lutas sociais camponeses são respostas a essas assíduas e históricas tentativas da burguesia de transformar, em todo o território nacional, os modos de produzir das populações rurais em empresas capitalistas. Por si só essas tentativas político-ideológicas já significam formas de constrangimento e destruição física e moral praticadas pela burguesia sobre o campesinato. São ações continuadas de desconstrução do histórico-cultural camponês e dos outros povos do campo.

As lutas sociais camponesas são respostas objetivas a essas tentativas de usurpação dos direitos camponeses, lutas essas plenas de sofrimentos para a população envolvida. Se considerarmos além dos conflitos por terra aqueles conflitos sociais trabalhistas, por água e outros (conflitos em tempos de seca, política agrícola e garimpo) foram envolvidas em 2010 um total de 559.401 pessoas e em 2014 esse número foi de 817.102 pessoas.12 É um crescimento do número de pessoas em situação de conflito social que evidencia não apenas o desrespeito em relação às pessoas, mas, sobretudo, que potencializa a desigualdade social no campo no país.

O expansionismo capitalista é cruel e intolerante. Aos que resistem às suas intenções são ou destruídos ou considerados pejorativamente como ‘atrasados’, superados, não modernos, portanto ‘restos históricos’ ou ‘povos sem destino’.

A modernização conservadora no campo imposta ao país pelas classes dominantes durante mais de três décadas — como acentuei anteriormente, nada mais foi do que uma maneira institucionalizada de concretizar as aspirações burguesas de homogeneizar as formas de produção no campo. No entanto, a maioria dos camponeses resistiu, resiste e nega o modo de produzir capitalista. E como do ponto de vista dos dominantes essa atitude camponesa desafia o poder de classe da burguesia, instaurou-se os conflitos sociais no campo, não mais como supuseram alguns setores da esquerda tradicional que excluíam as possibilidades da luta de classes entre camponeses e burguesia e consideravam como luta de classes apenas a relação antagônica entre burguesia agrária e proletariado rural. Não, os camponeses como classe social só poderão se afirmar como sujeito social histórico se enfrentarem, pelos mais distintos meios, os interesses de classe da burguesia no campo.

Por esse, entre outros motivos, é que os camponeses necessitam defender as suas memórias e cultivar as suas sabedorias. Reconstruir hodiernamente a sua ou as suas identidades sociais para poderem se comportar, numa sociedade de classes e com profundas desigualdades sociais, como classe social.

Ora, a agricultura camponesa é um setor da economia rural que se consolida a partir da diversidade biológica e cultural. A ação antrópica dos camponeses tem por base uma relação de coevolução homem e natureza. A reprodução social camponesa pressupõe, nesse sentido, também a reprodução endógena da natureza: um convívio construtivo e harmonioso entre o homem e a natureza. Possuem por isso mesmo diferenças fundamentais em relação ao modo de produção capitalista, de tal forma que os tornam —- camponeses e capitalistas, antagônicos.

A habilidade e sabedoria dos camponeses permitem que eles combinem, de acordo com as suas circunstâncias econômicas e políticas conjunturais, os conhecimentos tradicionais e os científicos, sem necessariamente se submeterem à onda dominante da inovação tecnológica burguesa capital-intensiva.

Sem dúvida que nesses embates e disputas, sejam os de natureza política sejam os que buscam alternativas tecnológicas que lhes sejam socialmente apropriadas13, os camponeses desenvolvem uma práxis social que lhes proporciona não apenas a reprodução social da sua família como produtores rurais, mas a afirmação de um modo de produzir que nega e supera as formas sugeridas pelas empresas capitalistas de geração de tecnologias. O conflito entre sementes nativas e aquelas produto da transgenia é exemplo desse conflito de interesses.

Sem dúvida alguma que parcela dos camponeses capitula perante as ofertas burguesas de tecnologias tendendo, então, para a artificialização da agricultura e, como consequência, para a homogeneização das formas de produzir. Negam os conhecimentos tradicionais e a agroecologia e, com eles, o modo de produzir camponês e suas tecnologias socialmente apropriadas.

Identificada pela velocidade vertiginosa das mudanças técnicas, cognitivas, informáticas, sociais e culturais que impulsionam uma racionalidade econômica baseada na acumulação, centralização e concentração de riquezas, a era moderna (consumista, industrial e tecnocrática) tornou-se uma era prisioneira do presente, dominada pela amnésia, pela incapacidade de se lembrar tanto dos processos históricos imediatos quanto daqueles de médio e longo prazo.”

“Essa deficiência está relacionada a uma ilusão alimentada por uma espécie de ideologia do ‘progresso, do desenvolvimento e da modernização’ que não tolera nenhuma forma pré-moderna (e, em sentido estrito, pré-industrial), que é automaticamente qualificada como arcaica, obsoleta, primitiva e inútil (…)”14

Enfim, poderia afirmar que as lutas sociais camponeses são diversificadas devido às diferentes maneiras como a burguesia agrária ensaia subalternizar os camponeses. Por isso não há paz. Ao contrário, o campo brasileiro é perpassado por inúmeros conflitos sociais, alguns explícitos como aqueles que comentamos anteriormente e registrados nas ocorrências dos conflitos de terra. Mas outros se dão de maneira subliminar seja através da ideologia que as tecnologias capital-intensivas são portadoras, seja pela indução à adoção de tecnologias que a maior parte das políticas públicas determina.

Não existe, nesse sentido, vácuo ideológico. Isso porque dois modelos ou padrões tecnológicos se confrontam: a) o da artificialização da agricultura (modelo clássico na agricultura) defendido e imposto pelas burguesias agrária, financeira e industrial, e b) outro representado pelo convívio harmonioso com a natureza que é sugerido pela agroecologia e pelas práticas produtivas de parcelas dos campesinatos que negam a proposta dominante de ‘agricultura industrial’.

Os camponeses, apesar de contemporaneamente participarem de diversas organizações e movimentos sociais populares de representação dos seus interesses de classe, nem sempre possuem pré-disposição nem formação política suficiente para a luta ideológica no confronto com as classes dominantes burguesas e seus intelectuais orgânicos.

É claro que as ideologias dominantes da ordem social estabelecida desfrutam de uma importante ‘posição privilegiada’ em relação a todas as variedades de ‘contraconsciência’. Assumindo uma atitude positiva para com as relações de produção dominantes, assim como para com os mecanismos auto-reprodutivos fundamentais da sociedade, podem contar, em suas confrontações ideológicas, com o apoio das principais instituições econômicas, culturais e políticas do sistema todo. Ao mesmo tempo em que se identificam ‘interiormente’, digamos assim, com os processos contínuos de reprodução socioeconômica e político-ideológica, podem estipular a ‘praticabilidade’ como ‘pré-requisito absoluto’ para a avaliação da seriedade ou da inadmissibilidade categórica da critica, bem como da legitimidade da mudança social. Assim, não é acidental que as ideologias dominantes insistam nas insuperáveis virtudes do ‘pragmatismo’ e da ‘engenharia social gradual’, rejeitando (no mais das vezes, pela simples atribuição de algum rótulo exorcizante) todas as formas de ‘síntese total’ ou de ‘holismo’ — isto é, nas palavras autoconfiantes de uma de suas figuras representativas15, qualquer concepção da ordem social ‘radicalmente diferente daquela estabelecida’ ” 16

Mesmo com todas as limitações políticas e culturais, os camponeses enfrentam as situações de opressão a que estão sujeitos no seu dia-a-dia e ensaiam afirmar sua autonomia relativa perante o capital. No entanto essa resistência social é, na maior parte das vezes, constrangida pelo apoio massivo das políticas públicas ao agronegócio (indiretamente uma negação do campesinato).

Cresce em todo o país a resistência social camponesa que se manifesta nas diversas lutas sociais nos mais distintos contextos históricos, políticos e geográficos, como informam as estatísticas da CPT nacional sobre ocorrências de conflitos de terra, água e outros (ver nota de rodapé 2 deste texto).

Ainda que parcela dos camponeses possa negar a ordem social dominante na sua totalidade, essa negação radical exigiria outra concepção de mundo distinta e contrária da hoje hegemônica; uma ideologia abrangente não apenas sobre o universo tecnológico, mas sobre o mundo da produção e societário. E, mais uma vez, conforme as reflexões de Mészáros17,

(…) Sem a intervenção ativa de uma ideologia abrangente, o potencial estratégico das mudanças mais ou menos extensivas que são espontaneamente postas em movimento em diferentes pontos do sistema social não pode ser articulado, pela falta de um ponto comum significativo que retenha e aumente cumulativamente a sua importância — que, isoladamente, é muito limitada. Como resultado, as mudanças particulares desprovidas de um quadro estratégico de referência (que apenas uma ideologia corretamente definida pode proporcionar) em geral ficam limitadas à ‘ imediaticidade’ de seu potencial estreitamente circunscrito.”

Literatura citada

  • Carvalho, Horacio M. (1982). Tecnologia socialmente apropriada: muito além da questão semântica. Londrina, IAPAR, agosto, 36 p. (Documentos, IAPAR, 4)

  • CPT – Comissão Pastoral da Terra. Conflitos no campo no Brasil 2014, CPT Nacional 40 anos. Goiânia, abril 2015.

  • ——— Comissão Pastoral da Terra. Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno – CPT, 27/03/2015.

  • Girardi, Eduardo P. e Fernandes, Bernardo M. (2009). Geografia da conflitualidade no campo brasileiro, in Lutas camponesas contemporâneas: Condições, dilemas e conquistas. Vol. II. A diversidade das formas de luta no campo, in Fernandes, Bernardo M, Medeiros, Leonilde S. e Paulilo, Maria I. (orgs.). São Paulo: Editora UNESP; Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural.

  • Mészáros, Itsván (2004). O poder da ideologia. São Paulo, Boitempo Editorial.

  • Neves, Delma Pessanha (2009). Constituição e reprodução do campesinato no Brasil: legado dos cientistas sociais, in Neves, Delma Pessanha (org.). Processos de constituição e reprodução do campesinato no Brasil. Vol. II, Formas dirigidas de constituição do campesinato. São Paulo: Editora UNESP; Brasília, DF: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural.

  • Toledo, Victor M. e Barrera-Bassols, Narciso. A memória biocultural. A importância ecológica das sabedorias tradicionais. São Paulo, Editora Expressão Popular; AS-PTA.

  • Petersen, Paulo (2015). Agroecologia: um antídoto contra a amnésia biocultural. In Toledo, Victor M. e Barrera-Bassols, Narciso. A memória biocultural. A importância ecológica das sabedorias tradicionais. São Paulo, Editora Expressão Popular; AS-PTA.

—–oo—–

1

 Girardi, Eduardo P. e Fernandes, Bernardo M. (2009). Geografia da conflitualidade no campo brasileiro, in Lutas camponesas contemporâneas: Condições, dilemas e conquistas. Vol. II. A diversidade das formas de luta no campo, in Fernandes, Bernardo M, Medeiros, Leonilde S. e Paulilo, Maria I. (orgs.). São Paulo: Editora UNESP; Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural. Citação pp. 340-341.

2

 CPT – Comissão Pastoral da Terra. Conflitos no campo no Brasil 2014, CPT Nacional 40 anos. Goiânia, abril 2015, p. 69.

3

 Violência essa entendida como qualquer forma de constrangimento e destruição física ou moral exercidos

sobre o campesinato e seus aliados (CPT, 2013), in CPT, op. cit., abril de 2015, p. 69).

4

 Os dados sobre os Conflitos por Terra se referem à soma das ocorrências e famílias que foram despejadas, expulsas, ameaçadas de despejo ou expulsão, tiveram seus bens destruídos ou sofreram ações de pistolagem. Goiânia, CPT nacional, op. cit. 2015, p. 96.

5

 CPT- Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno – CPT, 27/03/2015.

6

 Neves, Delma Pessanha (2009). Constituição e reprodução do campesinato no Brasil: legado dos cientistas sociais, in Neves, Delma Pessanha (org.). Processos de constituição e reprodução do campesinato no Brasil. Vol. II, Formas dirigidas de constituição do campesinato. São Paulo: Editora UNESP; Brasília, DF: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural. Citação pp. 303-304.

7

 Petersen, Paulo (2015). Agroecologia: um antídoto contra a amnésia biocultural. In Toledo, Victor M. e Barrera-Bassols, Narciso. A memória biocultural. A importância ecológica das sabedorias tradicionais. São Paulo, Editora Expressão Popular; AS-PTA, citação p. 11.

8

 Petersen, Paulo. Op. cit. p. 12.

9

 Toledo, Victor M. e Barrera-Bassols, Narciso. A memória biocultural. A importância ecológica das sabedorias tradicionais. São Paulo, Editora Expressão Popular; AS-PTA, citação p. 17.

10

 Petersen, Paulo. Op. cit. p. 14

11

 O mesmo ocorrendo com as populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas, extrativistas e pescadoras artesanais.

12

 CPT. Conflitos no campo no Brasil 2014. Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno. Goiânia, abril de 2015, p. 19.

13

 Ver Carvalho, Horacio M. (1982). Tecnologia socialmente apropriada: muito além da questão semântica. Londrina, IAPAR, agosto, 36 p. (Documentos, IAPAR, 4).

14

 Toledo, Victor M. e Barrera-Bassols, Narciso, op. cit. cap. I. O que é memória biocultural?, p. 28.

15

 Mészáros supostamente está se referindo a Raymond Aron. Ver nota de rodapé 278 na p. 233 do livro de Mészáros citado na nota de rodapé 16 deste texto.

16

 Mészáros, Itsván (2004). O poder da ideologia. São Paulo, Boitempo Editorial, citação à p. 233.

17

 Op. cit. p. 236.

 

in EcoDebate, 10/08/2015