Política de Resíduos Sólidos ainda não foi completamente implementada no País


Muitos municípios não conseguirão acabar com lixões até 3 de agosto

Os números mostram que quando o assunto é lixo o Brasil ainda precisa avançar e muito. Cada brasileiro produz em média 383 quilos de lixo por ano. Todo esse lixo chega a 63 milhões de toneladas em doze meses. E a tendência é piorar. A quantidade de lixo cresceu 21% só na última década, mas o tratamento adequado dado a esses resíduos não aumentou.

Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, só 3% dos resíduos sólidos produzidos nas cidades brasileiras são reciclados, apesar de 1/3 de todo o lixo urbano ser potencialmente reciclável.

Em 2010 o Congresso aprovou, depois de 20 anos de discussão, uma política nacional de resíduos sólidos (Lei 12.305/10). A intenção é estimular a reciclagem e a chamada logística reversa – quando o fabricante é responsável por recolher a embalagem do produto usado. Esse sistema já funciona no Brasil para o setor de agrotóxicos, pilhas e pneus.

Especialistas ressaltam que a coleta seletiva é essencial para que seja implementada a logística reversa, também prevista na lei. Mas de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe), só existe algum tipo de iniciativa de coleta seletiva em 60% dos municípios brasileiros.

Para a consultora legislativa da Câmara dos Deputados Sueli Araújo, que atua na área de meio ambiente, é preciso cobrar a coleta seletiva. “As associações ambientalistas têm cobrado, mas podiam se dedicar um pouquinho mais.”

Ela ressalta que o Brasil é o país que mais recicla latinhas de alumínio, mas lembra que essa prática é anterior à lei e mérito dos catadores de lixo. Sueli afirma que é importante inserir os catadores no processo de destinação de resíduos e logística reversa, mas ressalta que essa atuação é limitada porque eles não podem lidar com substâncias perigosas que existem em alguns resíduos.

Lixões
A Política Nacional de Resíduos prevê também a construção de aterros sanitários para substituir os mais de dois mil lixões do País. Traz até uma data para o fim dos lixões: 3 de agosto deste ano. No entanto, falta menos de um mês para esse prazo expirar e a maior parte dos municípios ainda não está preparada para cumprir essa determinação.

 

 
 
 
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Jordy fala sobre o prazo para as cidades eliminarem seus lixões.

Para o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA), que é presidente da Comissão de Meio Ambiente, é preciso aumentar o prazo para as prefeituras acabarem com os lixões.

No ano passado, o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, já havia avisado que as prefeituras não tinham recursos para cumprir a lei. Ele explicou que, para acabar com todos os lixões do País, é necessário organizar a coleta seletiva, instalar usinas de reciclagem e depositar o material orgânico em aterros sanitários.

A consultora legislativa Sueli Araújo confirma que há uma demanda pela ampliação do prazo, mas alerta que esse adiamento precisa vir acompanhado de pactos que garantam o cumprimento desse novo prazo.

 

 
 
 
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Sarney Filho fala sobre o trabalho integrado da União e municípios.

Para o deputado Sarney Filho (PV-MA), presidente da Frente ParlamentarAmbientalista, o governo federal precisa coordenar melhor o trabalho das prefeituras.

“Não basta acabar com os lixões, você precisa gerenciar o destino desses resíduos”, alerta Sueli Araújo. Ela lembra que os municípios precisam elaborar um plano de gestão integrada de resíduos sólidos. Segundo a consultora, poucas cidades fizeram esse plano e tiveram pouco apoio, seja técnico ou financeiro, da União e dos estados.

A Política Nacional de Resíduos estabelece que os municípios que dispuserem lixo a céu aberto após agosto de 2014 passarão a responder por crime ambiental. As multas previstas variam de R$ 5 mil a R$ 50 milhões.

 

Fonte: Câmara dos Deputados

 

Reciclagem de resíduos sólidos: a propaganda é bonita, mas o processo explora os catadores.


Entrevista especial com Alex Cardoso

 

“A Política Nacional de Resíduos Sólidos optou por fazer reciclagem investindo nas pessoas, gerando riqueza e conhecimento a partir dos resíduos para incluir e não para excluir”, diz coordenador do Fórum de Catadores de Porto Alegre.

Foto: manosso.nom.br

Quatro anos depois da publicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, “menos de 40 municípios contrataram catadores para realizar a coleta seletiva” e apenas 34% deles fizeram um Plano Municipal de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos, informa Alex Cardoso em entrevista à IHU On-Line, concedida por telefone.

Na avaliação dele, a implantação da PNRS está caminhando a passos lentos, “porque os gestores municipais e estaduais não estão enxergando os benefícios ambientais e sociais que a política traz”. Além disso, pontua, “as prefeituras subestimam as pessoas, pensando que a pobreza está interligada à questão da inteligência. Elas pensam que, porque as pessoas estão em uma situação de exclusão e de extrema pobreza, são burras. (…) A lupa de visão delas é outra e, dessa forma, por exemplo, a prefeitura de Porto Alegre entrega a coleta seletiva para uma empresa privada pela bagatela de meio milhão de reais por mês, e outros municípios, a exemplo de Caxias do Sul, pagam 400 mil reais por mês para uma empresa fazer a coleta seletiva, sem enxergar o trabalho que os catadores podem desenvolver com muito mais qualidade e eficiência”. Para ele, a discussão e a propaganda feita em torno dos benefícios da reciclagem de resíduos sólidos “é muito bonita”, mas o processo de reciclagem no país está sendo feito com base na “extrema exploração dos catadores, ferindo inclusive os direitos humanos, porque está sob o controle de meia dúzia de empresas, formando quase que um 'cartel'”.

Membro do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais RecicláveisCardoso diz que, para cumprir as determinações da PNRS, o processo de reciclagem precisa de “estruturação e organização”. Como proposta, sugere a expansão da Reciclagem Popular, que reconhece e valoriza o trabalho do catador como protagonista desse processo. “Nessa perspectiva, defendemos que as prefeituras façam contratos com as cooperativas de reciclagem, garantindo parte da infraestrutura, que o governo do estado pague pelos serviços ambientais que os catadores desenvolvem e que o governo federal seja responsável pela infraestrutura necessária para garantir a prestação de serviço, como a compra de máquinas, equipamentos, construção de galpão, como tem sido nos últimos anos”, explica.

Como exemplo de uma rede de cooperativas que está desempenhando um trabalho satisfatório em relação à reciclagem, Cardoso menciona a atividade desenvolvida por aproximadamente 480 catadores durante a Copa do Mundo. “Esse é um exemplo do que estamos desenvolvendo nacionalmente: mais de 840 catadores estão dentro dos estádios das cidades-sede da Copa do Mundo, incluindo as Fan Fest, com gerenciamento integrado de resíduos sólidos. Eles foram contratados, valorizados e estão recebendo, diariamente, mais ou menos 80 reais. Durante este mês da Copa do Mundo, a renda deles, que varia entre 600 e 800 reais, vai passar para aproximadamente dois mil reais”, conclui.

Alex Cardoso é membro do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR, integrante daCoordenação do Fórum de Catadores de Porto Alegre – FCPOA e da Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis do Loteamento Cavalhada – ASCAT.

Confira a entrevista.

Foto: fld.com.br

IHU On-Line – Qual é a posição do movimento nacional dos catadores em relação à reciclagem de resíduos sólidos e como o movimento vê a discussão acerca da incineração de resíduos?

Alex Cardoso – A reciclagem, no que se refere à propaganda ou divulgação, é uma coisa muito bonita e parece que só tem benefícios. Mas a forma como a reciclagem está sendo organizada é baseada na extrema exploração dos catadores, ferindo inclusive os direitos humanos, porque está sob o controle de meia dúzia de empresas, formando quase que um “cartel”. Além disso, muitos ferros-velhos estão comprando materiais recicláveis a preço que eles colocam, e os catadores estão sem infraestrutura adequada, trabalhando nas ruas. Para sobreviver, acabam tendo de se sujeitar a essas situações.

Nossa primeira preocupação é em relação à organização desse setor produtivo em cooperativa. Com isso, queremos que toda a riqueza gerada a partir da reciclagem possa ser dividida em partes quase ou iguais entre as pessoas, para que cresça economicamente o coletivo e não apenas alguns indivíduos. No que se refere à questão social, gostaríamos de envolver um milhão de catadores e as suas comunidades, porque a partir do momento em que se faz um investimento direto nas pessoas, as comunidades também podem se desenvolver. Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR vê que a reciclagem  para cumprir a própria Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS , necessita de estruturação e organização por parte do setor produtivo da reciclagem. Nossa proposta é aplicar o que chamados de “Reciclagem Popular”, que consiste em um processo de reconhecer e valorizar o trabalho do catador como protagonista da reciclagem. Nessa perspectiva, defendemos que as prefeituras façam contratos com as cooperativas de reciclagem, garantindo parte da infraestrutura, que o governo do estado pague pelos serviços ambientais que os catadores desenvolvem  cada tonelada de papel que se recicla, economiza o corte de 24 árvores , e que o governo federal seja responsável pela infraestrutura necessária para garantir a prestação de serviço, como a compra de máquinas, equipamentos, construção de galpão, como tem sido nos últimos anos.

No Brasil, onde se formam os aglomerados de catadores, se formam as vilas, e a base econômica dessas vilas é a reciclagem. Então, quando se investe em catadores, automaticamente está se investindo nas suas comunidades.

Outra preocupação dos catadores é a questão ambiental. Hoje, sem equipamento e na condição em que nos encontramos, conseguimos ser campeões mundiais na reciclagem de latinha, reciclando quase 99% das latinhas, 60% de pet e 45% de papelão. Com investimento e infraestrutura, com certeza conseguiríamos alcançar índices muito maiores. Se hoje os catadores atingem todos esses índices de reciclagem utilizando suas próprias mãos, empurrando carrinho ou puxando uma carroça, imagina se estivéssemos equipados, formados e qualificados para prestar este serviço, contratados e pagos.

 

"A incineração é a contramão da reciclagem"

Incineração

 

A questão da incineração é a contramão da reciclagem. Hoje, há duas rotas tecnológicas em relação à reciclagem: uma é a reciclagem popular, a outra é o reaproveitamento energético. O reaproveitamento energético com base no processo de incineração dos resíduos sólidos é uma alta tecnologia que está concentrada nas mãos de quatro ou cinco empresas, as quais fazem a gestão dessa tecnologia no mundo. Trata-se de uma tecnologia muito cara para ser implantada, uma vez que uma indústria incineradora custa no mínimo 400 milhões de reais, demora 20 anos para se pagar e seu tempo máximo de funcionamento é de 30 anos, ou seja, teria 10 anos para funcionar sem ter custos.

O material principal para alimentar o forno das caldeiras para gerar calor e energia é um material potencialmente reciclável, como papel e plástico. Outros materiais, como vidros e metais, não têm potencial calorífico e os orgânicos necessitam de outros tipos de materiais para poderem ser queimados. A parte mais cara da incineração não é a parte de implantação da usina, mas o custo posterior com o tratamento dos afluentes, porque a queima dos produtos libera toxinas que acabam tomando conta de territórios internacionais, ou seja, se queimar material reciclável noUruguai, automaticamente nós vamos sentir os efeitos no Brasil. Além disso, o tratamento dos afluentes requer investimento e controle técnico.

Hoje, para ter uma ideia, na França, onde tem a maior concentração de incineradores  totalizando 158  e onde se encontra o incinerador mais tecnológico do mundo, são gastos aproximadamente 58 euros por tonelada para fazer o tratamento dos afluentes. Mas, olhando para a realidade brasileira, onde ainda existem filas no SUS, crianças fora da escola, buracos na rua, percebemos que o Brasil tem outras urgências a resolver. Nesse sentido, a Política Nacional de Resíduos Sólidos optou por fazer reciclagem investindo nas pessoas, gerando riqueza e conhecimento a partir dos resíduos para incluir e não para excluir.

IHU On-Line – O que mudou no processo de reciclagem no Brasil depois da PNRS?

Alex Cardoso – Os processos populares que têm a incumbência de incluir o povo, tendem a demorar mais que os processos de exclusão do povo. Hoje, no Rio Grande do Sul, nove municípios – entre eles GravataíCanoas, São LeopoldoNovo HamburgoJaguarão Santa Cruz do Sul  já contrataram catadores a partir da Política Nacional de Resíduos Sólidos, os quais são responsáveis pela coleta seletiva de forma solidária e participativa e ensinam os moradores a separar os materiais de forma adequada. Quando analisamos esse processo no país, percebemos que menos de 40 municípios contrataram catadores para realizar a coleta seletiva, ou seja, em quatro anos de existência da PNRS, apenas 34% dos municípios brasileiros fizeram um Plano Municipal de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos e apenas quatro estados têm planos estaduais. A implantação da política está caminhando a passos lentos, porque os gestores municipais e estaduais não estão enxergando os benefícios ambientais e sociais que a política traz.

Estamos em um processo de luta de organização dos catadores. Nesses últimos quatros anos, 14 mil catadores foram formados no país, sendo que mil deles residem no Rio Grande do Sul. Houve um processo de qualificação dos gestores das cooperativas em relação à logística na coleta coletiva nos municípios. Também conseguimos equipamentos e caminhões para três cooperativas no Rio Grande do Sul, nos municípios de GravataíSanta Cruz do Sul e São Leopoldo, as quais são responsáveis pela coleta seletiva. Além disso, estamos trabalhando muito firme na organização dos catadores que ainda trabalham nas ruas, para que eles se organizem a partir de suas cooperativas. Também estamos tentando organizar as cooperativas em redes de cooperativas para que assim, de forma mais organizada, consigam fazer geração de serviços para grandes geradores, a exemplo do que estamos fazendo naRede CATAPOA, que é a rede dos catadores de Porto Alegre e da região metropolitana, a qual é responsável pela administração dos resíduos gerados na Copa do Mundo.

"Aproximadamente 64% do PET produzido no Brasil é reciclado. Desse material,
aproximadamente 40% acaba se transformando em tecido"

IHU On-Line – Como tem funcionado o trabalho dos catadores durante a Copa?

Alex Cardoso – Os catadores de Porto Alegre estão no estádio fazendo a coleta, a triagem e a destinação correta dos resíduos gerados naCopa do Mundo. Esse é um exemplo do que estamos desenvolvendo nacionalmente: mais de 840 catadores estão dentro dos estádios das cidades-sede da Copa do Mundo, incluindo as Fan Fest, com gerenciamento integrado de resíduos sólidos. Eles foram contratados, valorizados e estão recebendo, diariamente, mais ou menos 80 reais. Durante esse mês da Copa do Mundo, a renda deles, que varia entre 600 e 800 reais, vai passar para aproximadamente dois mil reais.

IHU On-Line – Como tem se dado a relação das cooperativas com as prefeituras no que se refere ao processo de coleta seletiva e reciclagem?

Alex Cardoso – As prefeituras subestimam as pessoas pensando que a pobreza está interligada à questão da inteligência. Elas pensam que, porque as pessoas estão em uma situação de exclusão e de extrema pobreza, são burras. As prefeituras entendem que os catadores estão nessa situação de vulnerabilidade por causa deles próprios. A lupa de visão delas é outra e, dessa forma, por exemplo, a prefeitura de Porto Alegre entrega a coleta seletiva para uma empresa privada pela bagatela de meio milhão de reais por mês, e outros municípios, a exemplo de Caxias do Sul, pagam 400 mil reais por mês para uma empresa fazer a coleta seletiva, sem enxergar o trabalho que os catadores podem desenvolver com muito mais qualidade e eficiência.

As prefeituras pensam que os catadores, por estarem na situação em que estão, não conseguirão dar conta do trabalho da coleta seletiva. Mas quando nós questionamos se são os empresários que fazem a coleta na rua ou se são as pessoas pobres que fazem esse trabalho, não há resposta. Muitos dos funcionários dessas empresas sãocatadores que acabam saindo da cooperativa para trabalhar como gari fazendo coleta de resíduos. São pessoas humildes, que trabalham por um salário mínimo. A diferença é que uma empresa tem equipamento, recebe pelo trabalho e consegue, por alguns métodos  os quais não aprovamos , financiar campanhas políticas. 

IHU On-Line – Que percentual de resíduos sólidos os catadores conseguem reciclar? Como tem se dado esse processo de reciclagem após a publicação da PNRS?

Alex Cardoso – Nós não conseguimos ter números exatos sobre a quantidade de resíduos reciclados. Temos números aproximados com base em dados fornecidos pelo Compromisso Empresarial para Reciclagem – CEMPRE, os quais cruzamos com dados do governo federal a partir da divulgação feita pelo IPEA. Com isso, conseguimos visualizar, por exemplo, que quase 100% das latinhas de alumínio coletadas são encaminhadas para reciclagem noBrasil. Dessas latinhas, aproximadamente 80% passam pelas mãos dos catadores e os outros 20% são vendidos aos ferros-velhos por bares e armazéns.

A latinha de alumínio tem bem menos valor do que a garrafa PET. A garrafa PET é a segunda “campeã de reciclagem”, já que aproximadamente 64% do PET produzido no Brasil é reciclado. Desse material, aproximadamente 40% acaba se transformando em tecido, inclusive a camiseta da seleção brasileira é feita de PET reciclado. Posso apostar que grande parte desse PET reciclado saiu das mãos dos catadores.

IHU On-Line – Quais são as principais dificuldades em relação ao trabalho com reciclagem?

Alex Cardoso – Tem um que é gritante: a questão da infraestrutura. Nós conseguimos adquirir conhecimento, temos catadores que viajam o mundo inteiro, eu mesmo já visitei todos os continentes, já conheci todas as tecnologias possíveis para a questão do reaproveitamento de resíduos. Conheci e vi de perto o processo de incineração, conheci e vi de perto os processos de biodigestão e reaproveitamento de resíduos orgânicos, conheci e vi de perto vários processos industriais, que são desenvolvidos pelo setor privado, por exemplo, na Suíça, onde as lixeiras são colocadas em uma espécie de container enterrado no chão, e um caminhão automatizado coleta esses materiais que já foram separados pelas pessoas. Também vi processos coletivos, a exemplo do que ocorre na Espanha, que tem uma cooperativa de 400 catadores responsáveis pelo processo de coleta dos materiais recicláveis.

No Brasil existem vários tipos de coleta, só que muitas delas estão no processo “informal”: os catadores fazem a coleta puxando carrinho, carroça ou com um cavalo na frente, ou pior, empurrando um carrinho de supermercado ou puxando um saco nas costas. Então, a principal dificuldade que temos é a da infraestrutura. Com essa falta de infraestrutura, vence o discurso de não contratar os catadores. Mas como os catadores vão fazer a coleta seletiva se não têm um caminhão, se não têm equipamento adequado para isso? Mal se sabe que, com o contrato firmado com o município, nós conseguimos ter carta branca para pedir financiamento no banco e comprar equipamentos. OBNDES, em parceria com o Banco do Brasil, tem uma linha de financiamento direta, com pouca burocracia, para liberar no mínimo 400 mil reais para os catadores que estiverem contratados pelas prefeituras para executar o serviço de coleta seletiva. Então, existem formas de como buscar financiamento, de os catadores executarem o serviço, mas falta decisão política dos municípios de fazer a contratação dos catadores. Essa é a segunda dificuldade que temos.

"A camiseta da seleção brasileira é feita de PET reciclado. Posso apostar que grande parte desse PET saiu das mãos dos catadores"

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Alex Cardoso – Há questões importantes que devem ser consideradas, a exemplo da questão das mulheres. Elas representam 75% dos catadores do Brasil e cerca de 60% delas são mulheres chefes de família; elas sustentam os seus filhos a partir da reciclagem. Nesse sentido, a questão da mulher também é algo preocupante e deveria ter uma atenção maior.

Na prática, investindo nos catadores, se investe em um público que está em situação de vulnerabilidade. Além de serem pobres, terem pouca formação, não terem espaço de formação para crescimento pessoal ou coletivo, as mulheres são excluídas nos seus pequenos projetos de convivência, inclusive nas cooperativas, na vila. Precisamos ter políticas próprias para a questão das mulheres catadoras.

 

Fonte: IHU – Unisinos

O que é a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS


 

Após 20 anos em debate no Congresso Nacional, em agosto de 2010 foi sancionada pelo então presidente Lula, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) Lei 12.305/10, considerada uma revolução no que se diz respeito ás políticas ambientais no Brasil.

Com a PNRS, o país passa a ter um regulatório na área de resíduos sólidos. Propõe a prevenção e a redução na geração desses resíduos, tendo como proposta a prática de hábitos de consumo sustentável e um conjunto de instrumentos para propiciar o aumento da reciclagem e da reutilização dos resíduos sólidos (aquilo que tem valor econômico e pode ser reciclado ou reaproveitado) e a destinação ambientalmente adequada dos rejeitos (aquilo que não pode ser reciclado ou reutilizado). Estabelece, assim, uma diretriz para que ocorra o manejo sustentável, visando uma gestão integrada entre todas as partes envolvidas, desde o produtor até o consumidor.

Entre os instrumentos criados pela PNRS, merecem destaque os planos de resíduos sólidos, a coleta seletiva, os sistemas de logística reversa e outras ferramentas relacionadas à implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas e outras formas de associação de catadores de materiais recicláveis, o monitoramento e a fiscalização ambiental, a educação ambiental, os incentivos fiscais e financeiros.

Outro ponto importante da PNRS é a extinção dos lixões até 2014. Causadores de um enorme impacto ambiental, por ser um espaço destinado a receber o lixo sem nenhum tipo de tratamento e manejo sustentável. Mas, com a PNRS, os lixões devem ser substituídos por alternativas menos impactantes como os aterros sanitários, onde os resíduos não são depositados a céu aberto e recebem o tratamento adequado, será proibido catar lixo, morar ou criar animais. A lei estabelece ainda que os municípios que não cumprirem com a determinação até agosto do próximo ano pague multa de até R$ 50 milhões.

O tratamento dado aos resíduos sólidos é um dos maiores desafios enfrentados pelas administrações públicas no Brasil e no mundo. Não há mais dúvida de que a sua gestão afeta diretamente as condições de saúde, sociais, ambientais, econômicas e até culturais de uma comunidade. O investimento na maneira adequada de se lidar com cada tipo de resíduo sólido transforma-se em um grande aliado do desenvolvimento sustentável, com benefícios de curto, médio e longos prazos, para todos.

E o caminho para se atingir esse objetivo é o da construção de sistema integrado, participativo, com responsabilidade compartilhada, definição de metas e indicadores para permitir acompanhamento e revisão periódica, buscando formas de incentivo a não geração, à redução e à requalificação dos resíduos como materiais para reutilização e reciclagem, restando apenas como rejeito aquilo que realmente não puder ser reaproveitado.

Embora a PNRS seja considerada por especialista como uma boa lei, existe a preocupação se a lei vai de fato funcionar, já que envolve uma participação ampla da sociedade. A lei traz obrigações para ministros, governadores, prefeitos e também para empresários e consumidores. A diretora do Departamento de Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Zilda Veloso, acredita que, para a lei pegar, será necessária uma mudança cultural: “Ela é uma lei de mudança de postura. Nós estamos rompendo com uma cultura milenar de enterramento de resíduo no solo. Tratar o lixo era enterrá-lo. A lei diz: só o que pode ser enterrado é rejeito. Então, nós temos aí um ciclo para romper”.  Após tantas décadas de discussão, a PNRS enfrenta agora outro desafio: sair do papel.

Fonte imagem: http://www.sxc.hu/

Laísa Mangelli

Política Nacional de Resíduos Sólidos – O desafio de garantir uma lei de proteção ambiental


Entrevista especial com Alessandro Soares

 

“Não vejo, mesmo sabendo que em algumas localidades há uma parceria entre catadores e prefeitura, uma confiança no trabalho que pode ser realizado pelos catadores”, constata o biólogo.

 

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Fonte: lixoeletronico.org/

De acordo com o Ministério da Saúde, a Lei 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, contém instrumentos importantes para permitir o avanço necessário ao país no enfrentamento dos principais problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo inadequado dos resíduos sólidos. Apesar dos avanços, os desafios ainda são enormes, como avalia Alessandro Soares, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

 

“A lei 12.305 validou muitas coisas que eram desejos antigos dos catadores: não só a maior facilidade para a contratação de cooperativas para realizar a coleta seletiva, mas o reconhecimento como um agente de proteção ambiental. Entretanto, ainda temos que nos acostumar com certos apontamentos da lei”, considera. 

 

Além da questão de gestão e relação entre os catadores e os órgãos públicos, há também a problemática da construção dos aterros sanitários, pois a maioria dos municípios tem uma estrutura precária para dar conta desta determinação. “As condições para construção de um aterro sanitário são tão especiais que não é em qualquer lugar que se constrói. O aterro, por norma, deve ter vida útil de 10 anos, o que exige bastante espaço para armazenamento, sendo afastado da população e cuidando o lençol freático; não são condições fáceis”, esclarece Alessandro.

 

O resultado de tal conjuntura é uma queda de braço entre a Confederação Nacional dos Municípios – CNM e a obrigatoriedade de cumprimento da legislação. Entretanto, o entrevistado é enfático. “Deveriam (os municípios) ter se manifestado durante a construção da lei. Agora não adianta muito dizer isso. O que separa o cumprimento ou não da lei é a quantidade de dinheiro que pode ser investido no gerenciamento dos resíduos”, avalia.

 

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Foto: Arquivo pessoal

Alessandro Soares (foto) é biólogo e membro do Centro de Assessoria Multiprofissional – CAMP.

 

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line – Como a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS está sendo desenvolvida na grande Porto Alegre? Quais são seus efeitos até agora?

Alessandro Soares – É um processo lento. A Lei 12.305/2010 validou muitas coisas que eram desejos antigos dos catadores: não só a maior facilidade para a contratação de cooperativas para realizar a coleta seletiva, mas o reconhecimento como um agente de proteção ambiental. Entretanto, temos que nos acostumar com certos apontamentos da lei. Não vejo, mesmo sabendo que em algumas localidades há uma parceria entre catadores e prefeitura, uma confiança no trabalho que pode ser realizado pelos catadores. Por um lado, existe razão de não haver confiança, por outro, há uma falha por não se investir na formação desses trabalhadores.

 

Revisei os planos de gerenciamento de alguns municípios da região. Inclusive, alguns muito parecidos, de estrutura semelhante, o que me leva a crer que foram construídos pela mesma empresa/pessoa; a construção de um plano deste tipo é complicada e necessita da descrição de inúmeras variáveis. No geral, temos muito o que fazer, mas já houve avanços – em Canoas, por exemplo, as cooperativas assumiram a coleta; em Dois Irmãos, a cooperativa realiza a coleta seletiva e do material orgânico. Estes são pontos muito positivos.

 

IHU On-Line – A PNRS determina que os catadores sejam responsáveis pela coleta seletiva nos municípios. Como está acontecendo a introdução deles nesse serviço em São Leopoldo e no Vale do Sinos? Houve algum treinamento?

Alessandro Soares – Acompanhei este processo em Canoas entre 2010 e 2011. Como era um acontecimento novo, houve alguns equívocos. Mas, em suma, é fundamental que os catadores se aproximem da fonte de sua matéria-prima. Creio que os catadores de São Leopoldo necessitam fazer um benchmarking em Canoas para ver quais problemas aconteceram. Sobre os treinamentos, sempre há alguma ação, mas não se tem uma metodologia de inserção destes catadores na realização da coleta. As universidades e organizações não governamentais – ONGs ajudam no que podem.

 

IHU On-Line – Como os catadores e cooperativas têm reagido diante da proposta de fazer a coleta seletiva, como determina a PNRS?

Alessandro Soares – Em todos os lugares por onde passo, vejo os catadores ambicionando isso. Exceto em Porto Alegre. Acho que os catadores devem lutar por este trabalho.

 

IHU On-Line – Como vai funcionar esse trabalho na prática ou como tem funcionado no Vale do Sinos? Esse processo é viável? Que infraestrutura os catadores precisam para realizar essa atividade?

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Alessandro Soares – É interessante pensar nisso. Como vai funcionar eu não sei. Eu teria algumas ideias se estivesse envolvido no processo. Vejo que o projeto começa pela proposta financeira para as cooperativas por parte das prefeituras, sendo que deveria iniciar pelo levantamento do roteiro para o trabalho, para aí, sim, levantarem-se os custos e o preço final pelo serviço. Fazer também um levantamento da geração atualizada de resíduo e um estudo de quantos catadores em quantas cooperativas são necessários para dar conta do resíduo gerado. A viabilidade disso tem que ser calculada sobre a parte de infraestrutura; no geral os galpões de reciclagem têm deficiências fortíssimas em seus espaços de trabalho, carências estruturais e de segurança. Temos trabalho pela frente.

 

IHU On-Line – Quantos municípios gaúchos têm o serviço de coleta seletiva? O que dificulta a adesão de muitas cidades à coleta seletiva? Qual a eficiência desse serviço?

Alessandro Soares – Não tenho este levantamento – o site do Compromisso Empresarial pela Reciclagem – CEMPRE é uma boa fonte. A coleta seletiva é cara se comparada à coleta tradicional. Um valor aproximadamente 4,5 vezes maior pela tonelada coletada. Mas a lei obriga a isso, então os municípios devem se adequar.

 

IHU On-Line – A PNRS também prevê a extinção de lixões até 2014. Considerando a estrutura do Vale, essa meta poderá ser cumprida na região? Os municípios da grande Porto Alegre têm planos de ação para garantir o destino correto do lixo?

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A quantidade de

lixões tem diminuído

Alessandro Soares – Esta questão é complicada. Temos que dividir conceitualmente a diferença de lixões e aterros sanitários. A quantidade de lixões tem diminuído, mas ainda vejo a disposição de resíduos em aterros por longo tempo. Infelizmente.

 

IHU On-Line – Os municípios têm estrutura para fazer aterros em vez de lixões?

Alessandro Soares – No geral, não. As condições para construção de um aterro sanitário são tão especiais que não é em qualquer lugar que se constrói. O aterro, por norma, deve ter vida útil de 10 anos, o que exige bastante espaço para armazenamento, sendo afastado da população e cuidando o lençol freático; não são condições fáceis.

 

IHU On-Line – Quais são as fragilidades da PNRS? A Confederação Nacional dos Municípios alegou que é impossível cumprir 10% do que prevê a lei. O senhor concorda?

Alessandro Soares – Deveriam ter se manifestado durante a construção da lei. Agora não adianta muito dizer isso. O que separa o cumprimento ou não da lei é a quantidade de dinheiro que pode ser investido no gerenciamento dos resíduos. Não deve ser barato manter um trabalho deste tipo.

 

IHU On-Line – Quais são as metas mais urgentes da PNRS a serem cumpridas?

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Muitas embalagens

são recicláveis

Alessandro Soares – Na minha opinião, vejo que se deve regularizar de forma mais clara a logística reversa. Muitas embalagens plásticas são recicláveis, mas não são comercializadas pelas cooperativas, uma deficiência clara de mercado e de falta de investimento em pesquisa. A lei nos traz que a empresa produtora deve se responsabilizar pelo ciclo de vida de seus produtos. Esta conta ainda está sendo enterrada nos aterros. Também aponto na direção do apoio mais formal aos catadores, na realização da coleta seletiva por estes e em uma proposta voltada ao cumprimento do controle social por parte da população.

 

Fonte: IHU – Unisinos