Copa do Mundo x Saneamento Básico


Se o critério de classificação do mundial fossem as condições sanitárias, quem venceria?

Levantamento realizado pela ABES compara os índices de saneamento básico entre todos os países que participarão do torneio esportivo. Para o presidente da ABES, Dante Ragazzi Pauli, o Governo Federal, Estados e Municípios precisam se acostumar a trabalhar em equipe, como um time de futebol.

 Se a Copa do Mundo fosse uma competição que levasse em consideração as condições de saneamento básico, o Brasil não passaria da fase de grupos. Esta é a constatação de um levantamento realizado pela ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, comparando as condições sanitárias entre todos os países que participarão do mundial, a partir de 12 de junho, tal qual estão dispostos na tabela da Copa. O estudo foi feito com base em dados do Programa de Monitoramento Conjunto para o abastecimento de água e saneamento – UNICEF e Organização Mundial da Saúde (OMS) – (Joint Monitoring Programme – JMP – (http://www.wssinfo.org/), dos Objetivos do Milênio (http://www.un.org/millenniumgoals/) e da Organização Mundial da Saúde (http://www.who.int/water_sanitation_health/mdg1/en/).

 

O Brasil, apesar de obter um índice de 81,3% na combinação de fatores que classificam como satisfatórias as condições sanitárias de um país, de acordo com estes órgãos, fica abaixo de dois países do grupo A: Croácia (98,2%) e México (85,3%), só ganhando de Camarões (45,2%.). Por isso, não avança para as oitavas de final. Na Copa do Saneamento, Alemanha levantaria a taça. Em segundo lugar viria a França, em terceiro, a Holanda e em quarto, a Austrália.

 

O JMP considera satisfatórias as condições de saneamento a partir de um conjunto de itens, como:

 

Água: ligações domiciliares, Poços Artesianos, Captação, armazenamento e utilização de água da chuva, dentre outros;

 

E para o Saneamento: a existência de vaso sanitário, sistema de coleta de esgoto (coleta, bombeamento, tratamento e disposição final adequada) e fossa séptica, entre outros.

No Brasil, 93% da população urbana têm acesso à água tratada, mas apenas 56% têm acesso à rede coletora de esgoto. No que se refere ao tratamento de esgoto, apenas 69% do esgoto coletado recebe tratamento (dados do SNIS-2012).

 

De outra perspectiva dessa situação: 32 milhões de brasileiros não têm acesso adequado ao abastecimento de água (rede geral de abastecimento), 85 milhões de brasileiros não têm acesso adequado ao esgotamento sanitário (rede coletora nas zonas urbanas e rede coletora ou fossa séptica nas zonas rurais), 134 milhões não têm os esgotos de suas casas tratados e 6,6 milhões não têm nem sequer banheiro.

 

Além disso, a cobertura de saneamento é muito heterogênea no País. De acordo com os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2012), as únicas unidades da federação com mais de 70% dos domicílios urbanos atendidos em coleta de esgotos são Distrito Federal, São Paulo e Minas Gerais. As menores coberturas são Amapá, Pará, Rondônia e Piauí.

 

 “Temos que ressaltar que houve avanços no setor, como a Lei de Saneamento, a Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), que deixam mais claros os desafios da universalização. Mas há metas estabelecidas difíceis de alcançar e dificuldade dos municípios e estados brasileiros em avançar no saneamento. Por isso é muito importante que estados e municípios reconheçam que têm participação fundamental no avanço do setor no Brasil, tanto quanto o Governo Federal, ou seja, temos que jogar como um time”, afirma o presidente da ABES, Dante Ragazzi Pauli.

 

Fonte: http://www.abes-dn.org.br/Artigos/b2_artigo22.php

Laísa Mangelli

Aedes aegypti: a proliferação do mosquito


 

Aedes aegypti: a proliferação do mosquito e a falta de saneamento básico no país. Entrevista especial com Jáder da Cruz Cardoso

 

“O sucesso desses mosquitos é garantido, em grande parte, pelo crescimento e aglomeração populacional que urbaniza aceleradamente os municípios, pela pobreza, falta de saneamento nas cidades, descarte inadequado de resíduos sólidos (e pífios investimentos na reciclagem), modelo de desenvolvimento que prioriza o consumo de recursos naturais, mudanças do clima, falta de educação da população e falhas na fiscalização e gestão pública”, afirma o biólogo.

 

Foto :Gilberto-Winter / www.acquasolution.com
 

Sendo o Aedes aegypti um mosquito de “hábitos urbanos” e associado “às grandes aglomerações humanas”, tanto a população quanto o poder público têm responsabilidade no combate ao transmissor da Dengue e do vírus da Zika, diz Jáder da Cruz Cardoso à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail. “Se um proprietário deixa uma piscina ou calha sem manutenção ou acumula resíduos sólidos a céu aberto no seu quintal ou em terrenos baldios, isso é (ir)responsabilidade sua. (…) Por outro lado, o poder público também tem suas responsabilidades, oferecendo saneamento básicoe infraestrutura adequada nas cidades e atuando de forma efetiva nas ações de controle vetorial, educação em saúde, vigilância e prevenção das doenças transmitidas por esses insetos”, frisa.

 

Segundo ele, a proliferação do mosquito no país está associada à “falta de condições adequadas de saneamento na maioria dos municípios brasileiros”, especialmente em “regiões com falta de acesso à água potável, onde a população necessita armazenar água em barris e tonéis”, ou em “cidades com limitações no gerenciamento de resíduos sólidos e falta de coleta seletiva”.

Jáder da Cruz Cardoso é graduado em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS, especializado em Entomologia Médica pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – USP, mestre em Biociências/Zoologia pela PUC–RS e doutor em Ciências pelo departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP. Atualmente, é professor do curso de Ciências Biológicas e do Mestrado em Saúde e Desenvolvimento Humano do Centro Universitário La Salle – Unilasalle/Canoas. Também é sanitarista da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, desempenhando suas atividades no Centro Estadual de Vigilância em Saúde – CEVS.

Confira a entrevista.

 

Foto: www.researchgate.net
 

IHU On-Line – De que maneira as condições de estrutura e acesso ao saneamento básico incidem sobre as condições de saúde da população?

 

Jáder da Cruz Cardoso – Cidades com oferta de água potável, esgotos sanitários recebendo o devido tratamento, drenagem das águas pluviais, limpeza urbana e gerenciamento dos resíduos sólidos oferecem aos seus habitantes melhores condições ambientais que irão ampliar a qualidade de vida dos cidadãos. Por outro lado, a falta de saneamento básico degrada os ambientes e a vida das pessoas, possibilitando que populações humanas (especialmente crianças) convivam diretamente expostas à água contaminada, resíduos sólidos e todo tipo de restos orgânicos e esgoto a céu aberto. Quanto melhores as condições do meio ambiente, mais saudáveis serão as pessoas.

IHU On-Line – Quais são as principais doenças que podem proliferar em função de condições precárias ou falta de saneamento básico?

Jáder da Cruz Cardoso – Infelizmente, os investimentos em saneamento básico não são prioritários na grande maioria dos municípios brasileiros. Essa falta de cuidado com a saúde ambiental amplia a incidência de doenças de veiculação hídrica, como hepatite, leptospirose e diarreias. Insetos como baratas e moscas encontram, nesses cenários degradados, condições favoráveis à ocorrência em grandes quantidades. A falta de saneamento também contribui para o aumento da densidade de mosquitos transmissores de agentes causadores de FilarioseDengue,Chikungunya e Zika nos grandes centros.

IHU On-Line – Especificamente em relação ao mosquito Aedes aegypti, as campanhas têm sido focadas na convocação e responsabilidade da população no combate aos criadouros do inseto. Mas qual é o peso da questão do saneamento básico na luta contra o mosquito e as doenças que ele transmite?

Jáder da Cruz Cardoso – Devemos levar em consideração que o Aedes aegypti é um mosquito de hábitos urbanos, associado às grandes aglomerações humanas. Os criadouros preferenciais desses mosquitos estão presentes nos quintais e/ou dentro das residências e estabelecimentos comerciais. É natural que a população seja convidada a combater esta espécie que, muitas vezes, recebe da própria população condições favoráveis à proliferação. Se um proprietário deixa uma piscina ou calha sem manutenção ou acumula resíduos sólidos a céu aberto no seu quintal ou em terrenos baldios, isso é (ir)responsabilidade sua. Portanto deve, sim, ser convocado a participar de campanhas de combate. Por outro lado, o poder público também tem suas responsabilidades, oferecendo saneamento básico e infraestrutura adequada nas cidades e atuando de forma efetiva nas ações de controle vetorial, educação em saúde, vigilância e prevenção das doenças transmitidas por esses insetos. A falta de condições adequadas de saneamento na maioria dos municípios brasileiros ainda favorece muito a proliferação desta e de outras espécies de mosquitos. Em regiões com falta de acesso à água potável, onde a população necessita armazenar água em barris e tonéis, a proliferação do vetor é favorecida. O mesmo vale para diversas cidades com limitações no gerenciamento deresíduos sólidos e falta de coleta seletiva, contribuindo com aumento de criadouros de mosquitos espalhados pelo seu território.

IHU On-Line – O mosquito Aedes aegypti já esteve radicado no Brasil? Como ele foi reintroduzido no país?

Jáder da Cruz Cardoso – Sim, Aedes aegypti chegou ao Brasil provavelmente em navios negreiros, no período colonial. Devido à sua importância como vetor do vírus da febre amarela urbana, foi alvo de muitas campanhas de controle, chegando a ser considerado erradicado em 1955. No entanto, como estava disseminado por outros países da América, incluindo os vizinhos Venezuela e Guianas, não foi difícil sua reintrodução por Belém do Pará, em 1967. Desse período até os dias de hoje, essa espécie se espalhou por praticamente todos os grandes centros urbanos do país.

“O Ministério da Saúde recomenda o uso de larvicidas, todos avaliados e aprovados pela Organização Mundial de Saúde

IHU On-Line – A febre Chikungunya e o vírus da Zika são doenças relativamente novas no país. Como elas chegaram aqui?

Jáder da Cruz Cardoso – No Brasil, os primeiros casos de Chikungunya foram detectados em 2014, e Zika, em 2015. Ambas as doenças são causadas por vírus transmitidos por Aedes aegypti. Para haver a transmissão de uma doença vetorial, necessitamos do vetor (mosquito), do agente patogênico (vírus) e de pessoas saudáveis (suscetíveis). No Brasil temos ambientes impactados pelo homem e extremamente favoráveis à proliferação de Aedes aegypti, especialmente nas grandes cidades. Além disso, a maioria da população nunca teve contato com esses vírus, não possuindo, portanto, resposta imunológica a esses organismos. Nessa cadeia de transmissão falta o vírus propriamente dito. Nos dias de hoje, com a agilidade dos meios de transporte (especialmente aéreos), esse elo pode ser completado por pessoas que adquirem patógenos durante uma viagem, chegando ao país no período de transmissibilidade. Não existe consenso sobre como, exatamente, essas doenças entraram no Brasil. Acredita-se que tenha sido a partir de brasileiros que tenham viajado para áreas com circulação desses vírus, iniciando a transmissão no retorno ou por meio de turistas procedentes dessas áreas endêmicas em visita ao país.

IHU On-Line – De que maneira o senhor avalia o uso de larvicidas no combate ao Aedes aegypti no Brasil? No Rio Grande do Sul, como vê a suspensão do uso do larvicida Pyriproxyfen em reservatórios de água potável?

Jáder da Cruz Cardoso – As estratégias de combate ao Aedes aegypti incluem prioritariamente a não oferta de criadouros para as larvas. Em situações específicas nas quais os depósitos não podem ser protegidos fisicamente ou há necessidade de armazenamento de água, em virtude da falta de abastecimento, necessitamos de alternativas para diminuir a infestação de mosquitos. Nesse sentido, o Ministério da Saúde recomenda o uso de larvicidas, todos avaliados e aprovados pela Organização Mundial de Saúde – OMS. Na lista desses larvicidas recomendados está oPyriproxyfen, amplamente utilizado no país. Até o momento, alguns estudos têm mostrado evidências da associação entre vírus da Zika e microcefalia, como a presença do vírus no líquido amniótico de mães que tiveram filhos com microcefalia.

Por outro lado, ainda não existem estudos epidemiológicos que comprovem cientificamente a associação do uso dePyriproxyfen com microcefalia. As secretarias estaduais de saúde têm autonomia para utilizar (ou não) os produtos adquiridos e distribuídos pelo Ministério da Saúde. O Estado optou, de forma acertada, por suspender o larvicida em depósitos com água para consumo humano, como medida de precaução. Nos demais tipos de criadouros continua recomendado o uso do Pyriproxyfen, reiterando a importância de priorizar a proteção ou eliminação mecânica dos depósitos.

IHU On-Line – Em seus estudos o senhor defende a importância da Vigilância Entomológica dentro das políticas de saúde pública. Em que ela consiste, qual seu papel na prevenção da saúde e como é realizada hoje no Brasil?

Jáder da Cruz Cardoso – A Vigilância Entomológica é uma estratégia de saúde pública direcionada a doenças transmitidas por insetos. Utiliza o monitoramento constante de populações de insetos vetores como forma de reunir informações sobre biologia e ecologia das espécies, visando detectar padrões de densidade, distribuição e comportamento que possam interferir na ocorrência de doenças e agravos. No caso de doenças como Dengue, Chikungunya e Zika, para estimar o risco de transmissão, é necessário conhecer a distribuição geográfica do vetor (Aedes aegypti), calcular índices de infestação e abundância, conhecer aspectos ecológicos e biológicos da espécie e ter pessoas treinadas para a identificação e reconhecimento morfológico da espécie em meio a tanta biodiversidade de mosquitos.

No Brasil, outros programas envolvendo doenças transmitidas por vetores como leishmanioses, doença de chagas, filarioses e malária também lançam mão de conceitos, metodologias e estratégias da Vigilância Entomológica. Apesar dos esforços para qualificação das ações e consolidação da Vigilância Entomológica no país, ainda existem algumas limitações. Muitas universidades, especialmente no sul do Brasil, ainda não atentaram para a necessidade de formação de entomólogos (profissionais que estudam insetos) capacitados para atuação em saúde pública. Além disso, os profissionais habilitados, disponíveis no mercado, com conhecimentos específicos e fundamentais para qualificar equipes multiprofissionais de combate a doenças transmitidas por vetores, não são absorvidos pelas secretarias de saúde municipais e estaduais, nem pelo Ministério da Saúde.

IHU On-Line – Recente pesquisa do Instituto Butantã revelou uma grande capacidade de adaptação do inseto ao ambiente, como a habilidade de se reproduzir em menores volumes de água, a resistência a inseticidas e a variação no horário do ataque às pessoas, que agora também ocorre à noite. Em que essa capacidade evolutiva do mosquito pode implicar nas políticas de combate a esses insetos e erradicação das doenças por ele transmitidas?

Jáder da Cruz Cardoso – O estudo confirma aquilo que estamos percebendo no dia a dia. Embora existam padrões biológicos bem característicos de cada espécie, esses mosquitos se ajustaram muito bem às pressões seletivas e condições de vida oferecidas nos ambientes antropizados. São insetos extremamente oportunistas. A alta capacidade de conseguir responder às mudanças impostas pelo meio ambiente requer estratégias de controle cada vez mais integradas, focadas no saneamento ambiental e participação da comunidade. Ao contrário do que fora preconizado no passado, Aedes aegypti não é uma espécie a ser erradicada, mas sim, mantida em baixas densidades, para inviabilizar a transmissão de patógenos.

“Ao contrário do que muitos pensam, Aedes aegypti é uma espécie que não pode mais ser erradicada

 

IHU On-Line – De que maneira avalia o uso de Aedes aegypti transgênicos como política de combate ao mosquito? E dos mosquitos machos esterilizados por radiação?

Jáder da Cruz Cardoso – Considerando toda a complexidade que envolve a biologia e ecologia de Aedes aegypti, são necessárias ações integradas de controle do vetor. A biotecnologia é mais uma estratégia que se soma às existentes, mas mosquitos transgênicos ou esterilizados por raios X ou Gama são tecnologias que ainda necessitam de mais tempo para serem incluídas como estratégias recomendadas, pelo Ministério da Saúde, para uso em todo o território nacional. O mosquito transgênico com gene letal que impede o desenvolvimento da larva, por exemplo, ainda não tem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Esse é um tema polêmico e muitos estudiosos questionam a liberação no meio ambiente de espécies modificadas geneticamente sem medir as consequências disso. De qualquer maneira, o conhecimento científico só avança com pesquisas e, neste momento, vários pesquisadores estão nos laboratórios ou fazendo testes de campo, em algum município, para ampliar os conhecimentos sobre esse assunto.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Jáder da Cruz Cardoso – Como já foi dito, ao contrário do que muitos pensam, Aedes aegypti é uma espécie que não pode mais ser erradicada. E muitos afirmam que “um mosquitinho desses” não pode ser mais forte do que nós, os humanos. Creio que esta visão antropocêntrica atrapalha muito o combate ao vetor. A população tem informações sobre o risco, mas não acredita nele, não enxerga. O sucesso desses mosquitos é garantido, em grande parte, pelo crescimento e aglomeração populacional que urbaniza aceleradamente os municípios, pela pobreza, falta de saneamento nas cidades, descarte inadequado de resíduos sólidos (e pífios investimentos na reciclagem), modelo de desenvolvimento que prioriza o consumo de recursos naturais, mudanças do clima, falta de educação da população e falhas na fiscalização e gestão pública. Além disso, há uma alta carência de recursos para o SUS e pesquisas aplicadas à saúde e qualidade de vida da população.

Este cenário só poderá ser alterado se o poder público e a população estiverem articulados com todos os segmentos da sociedade (a imprensa tem papel fundamental nisso!), defendendo políticas públicas que favoreçam investimentos pesados em saneamento básico, acesso à moradia, combate à pobreza, educação e preservação ambiental, modelo de desenvolvimento que priorize energias limpas e ambientes mais saudáveis para se viver nas cidades. As altas densidades e distribuição desses mosquitos demonstram o quanto ainda temos que avançar como sociedade.

Por Leslie Chaves e Patricia Fachin

Fonte: IHU

Campanha da Fraternidade alerta para necessidade de saneamento básico no Brasil


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Lançamento da Campanha da Fraternidade
Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil

“O acesso à água potável e ao esgotamento sanitário é condição necessária para a superação da injustiça social, a erradicação da pobreza e da fome, a superação dos altos índices de mortalidade infantil e de doenças evitáveis e para a sustentabilidade ambiental”. Com essa mensagem, o papa Francisco convida as pessoas a se mobilizarem, a partir de suas comunidades, para promoção da justiça e do direito ao saneamento básico, na Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016.

Lançada nesta quarta-feira, 10 de fevereiro, pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), a campanha vai alertar sobre o direito de todas as pessoas ao saneamento básico e debater políticas públicas e ações que garantam a integridade e o futuro do meio ambiente. Com o tema “Casa comum, nossa responsabilidade” e o lema “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca”, a campanha também vai tratar do desenvolvimento, da saúde integral e da qualidade de vida aos cidadãos.

casacomum-ecod.jpgO presidente do Conic, dom Flávio Irala, disse que tratar do tema é fundamental porque ele nem sempre tem visibilidade nas propostas públicas e nos movimentos sociais. “Nos preocupamos com o fato de que mais da metade da população permaneçam sem acesso à rede de coleta de esgoto e que apenas 40% dos esgotos sejam tratados. Nenhuma pessoa deve ser privada do acesso aos benefícios do saneamento básico em função da sua condição socioeconômica. O acesso ao saneamento promove a inclusão social e a garantia dos principais instrumentos de proteção da qualidade dos recursos hídricos e dos inibidores de doenças, como cólera, febre amarela, chikungunya, dengue, diarreia, bem como para evitar a proliferação do vírus Zika”, disse.

Dados divulgados pelo Conic mostram que, mesmo estando entre as maiores economias do mundo, o Brasil tem mais de 100 milhões de pessoas sem saneamento básico.

O ministro das Cidades, Gilberto Kassab, também esteve na CNBB e disse que o governo federal fará sua parte para dar todo apoio nessa campanha. “É fundamental que possamos continuar investindo cada vez mais, para que tenhamos condições de combater epidemias, que possamos levar qualidade de vida e dignidade às pessoas”, afirmou.

Realizada no Brasil desde 1963, esta é a quarta vez que a Campanha da Fraternidade é lançada pela CNBB junto com o Conic – as outras ocorreram em 2000, 2005 e 2010. Este ano, a campanha ecumênica conta também com o apoio da Misereor, entidade da Igreja Católica na Alemanha que trabalha na cooperação para o desenvolvimento de países da Ásia, da África e da América Latina.

Dentro da programação da campanha, no próximo dia 15 haverá uma audiência pública no Congresso Nacional sobre o tema.

(Por Andreia Verdélio, da Agência Brasil)

Fonte: EcoD

Mais da metade dos municípios não tem serviços de saneamento básico


Entrevista especial com Édison Carlos

 

“Seriam necessários R$ 304 bilhões para água e esgotos em 20 anos, ou seja, pouco mais de R$ 15 bilhões por ano. Estamos, portanto, muito longe do necessário para ter essa infraestrutura básica em 20 anos”, adverte o presidente do Instituto Trata Brasil.

O monitoramento das obras de saneamento básicorealizadas pelos PAC 1 e PAC 2, realizado pelo Instituto Trata Brasil, revela não só que a maioria das obras estão atrasadas ou paralisadas, mas que “17% da população não recebe água tratada e 51% não tem acesso à coleta de esgotos”, informa Édison Carlos em entrevista concedida àIHU On-Line por e-mail.

Das 219 obras analisadas — 149 de esgotos e 70 de água — em municípios com população superior a 500 mil habitantes, no período de 2007 a 2013, “foram 24% de obras de esgotos do PAC 1 concluídas e 19% considerando a soma dos 2 PACs. Nas obras de água, o cenário vai de 34% de obras concluídas no PAC 1 até 27% quando se consideram os 2 PACs”, diz.

O atraso das obras está relacionado a problemas gerados pela apresentação de “projetos desatualizados ou tecnicamente falhos”. “Nas primeiras inspeções e análises dos técnicos, as obras foram paralisadas por problemas nos projetos. Passada esta fase, muitos problemas foram detectados por conta da demora de licenças ambientais, por deficiência técnica das empreiteiras, pela burocracia para os recursos chegarem às obras, entre outros”, resume.

Édison Carlos ressalta que o atual quadro do saneamento básico no Brasil é explicado pelo “descaso público por décadas”. “Prevaleceram primordialmente as obras de abastecimento de água, e o esgoto foi deixado de lado”, pontua. Ele lembra ainda que “o saneamento básico só ganhou uma Lei Federal em 2007, quando o setor ganhou as novas diretrizes, obrigando os municípios, por exemplo, a fazerem um Plano Municipal de Saneamento”. De acordo com o presidente do Instituto Trata Brasil, os recursos financeiros para o saneamento básico já estão disponíveis, os problemas, contudo, “estão na execução destas obras. Ainda falta um caminho longo a percorrer, mas não há como negar que o saneamento básico, hoje, tem um olhar mais crítico do que anos atrás. A Copa do Mundo não ajudou em absolutamente nada o saneamento”.

Com a promulgação da Lei 11.445/2007Édison Carlos diz que havia esperança de que os municípios levassem mais a sério o setor, “mas não é bem isso que acontece atualmente. Pela Lei, por exemplo, todas as cidades deveriam ter entregado seus Planos Municipais de Saneamento Básico até 2010, prazo estendido a 2013 e há pouco novamente postergado a 2015. Mais da metade dos municípios não tem seus serviços regulados por agências reguladoras (outra obrigação legal)”, conclui.

Édison Carlos é químico industrial graduado pelas Faculdades Oswaldo Cruz e pós-graduado em Comunicação Estratégica. Atuou por quase 20 anos em várias posições no Grupo Solvay, sendo que, nos últimos anos, foi responsável pela área de Comunicação e Assuntos Corporativos da Solvay Indupa. Em 2012, recebeu o prêmio “Faz Diferença – Personalidade do Ano”, do Jornal O Globo – categoria “Revista Amanhã”, que premia quem mais se destacou na área da Sustentabilidade em todo o país.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são os principais apontamentos feitos pelo monitoramento “De Olho no PAC”, realizado pelo Instituto Trata Brasil, especialmente em relação ao tratamento de água e esgoto?

Édison Carlos – Foram analisadas 219 obras do PAC nos municípios com uma população superior a 500 mil habitantes; foram 149 obras de esgotos e 70 de água. Nas obras de esgotos, de 2007 até dezembro de 2013, foram 24% de obras de esgotos do PAC 1 concluídas e 19% considerando a soma dos 2 PACs. Nas obras de água, o cenário vai de 34% de obras concluídas no PAC 1 até 27% quando se consideram os 2 PACs.

IHU On-Line – Quais são as principais obras de saneamento desenvolvidas pelo PAC Saneamento?

Édison Carlos – Geralmente, as obras de ampliação do sistema sanitário (redes de coleta e estações de tratamento de esgotos) são mais evidentes nas cidades que monitoramos dentro do relatório “De Olho no PAC”. Nas obras de água prevalece a ampliação do sistema de abastecimento (de estações de tratamento, adutoras e redes de distribuição).

IHU On-Line – Por quais razões 54% das obras do PAC Saneamento estão atrasadas ou paradas?

Édison Carlos – Na maior parte do PAC 1, os maiores problemas foram gerados pela apresentação de projetos com problemas (desatualizados ou tecnicamente falhos). Nas primeiras inspeções e análises dos técnicos, as obras foram paralisadas por problemas nos projetos. Passada esta fase, muitos problemas foram detectados por conta da demora de licenças ambientais, por deficiência técnica das empreiteiras, pela burocracia para os recursos chegarem às obras, entre outros. Quando as obras são paralisadas, os recursos do governo federal ficam congelados e só voltam ao responsável da obra quando tudo se normaliza.

 

“Em São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, ainda há condomínios luxuosos que não são conectados às redes de esgotos e trabalham no sistema de fossa"

IHU On-Line – Como entender os problemas com saneamento nos últimos anos, em que o Estado investiu dinheiro público em obras da Copa, por exemplo?

 

Édison Carlos – É importante entendermos que o saneamento foi um setor que sofreu com o descaso público por décadas; prevaleceram primordialmente as obras de abastecimento de água, e o esgoto foi deixado de lado. O saneamento básico só ganhou uma Lei Federal em 2007, quando o setor ganhou as novas diretrizes, obrigando os municípios, por exemplo, a fazerem um Plano Municipal de Saneamento. Os recursos financeiros existem por parte do Governo Federal, bilhões de reais já foram destinados para as obras do PAC, por exemplo, entretanto os problemas estão na execução destas obras. Ainda falta um caminho longo a percorrer, mas não há como negar que o saneamento básico, hoje, tem um olhar mais crítico do que anos atrás. A Copa do Mundo não ajudou em absolutamente nada o saneamento.

IHU On-Line – O monitoramento “De olho no PAC” analisou a situação do saneamento básico em cidades com mais de 500 mil habitantes. É possível traçar um perfil dessas cidades? Quais indicativos apontam para a falta de saneamento básico em regiões populosas?

Édison Carlos – São as grandes cidades brasileiras; parte delas são capitais e as outras são grandes cidades das regiões metropolitanas. Os problemas variam de cidade para cidade; em São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, ainda há condomínios luxuosos que não são conectados às redes de esgotos e trabalham no sistema de fossa e até mesmo de poços artesianos como fonte de água; porém, são estados que também sofrem com as áreas irregulares, não contempladas com os serviços de saneamento devido a questões judiciais.

Nas regiões do Nordeste e Norte, a ausência do saneamento é histórica; ainda existem municípios em que a população não aceita pagar por uma taxa mínima para se ligar à rede de esgoto, ou seja, precisamos informar melhor a população sobre a importância de ter saneamento como forma de melhorar nossa qualidade de vida.

IHU On-Line – O Instituto Trata Brasil assinala as capitais João Pessoa, Natal, Belém e Fortaleza como as que enfrentam maiores dificuldades em relação ao enfrentamento dessa questão. Qual a situação dessas capitais? Por que a questão do saneamento está atrasada em relação às demais capitais?

Édison Carlos – Praticamente todas as obras destas capitais estão paralisadas ou atrasadas por questões contratuais. Eu ressalto que a própria Região Sul do Brasil também enfrenta sérios problemas com o saneamento básico, principalmente Santa Catarina. Não é uma questão econômica, é mais uma questão cultural.


“A própria Região Sul do Brasil também enfrenta sérios problemas com o saneamento básico, principalmente Santa Catarina”

IHU On-Line – O Instituto Trata Brasil chama a atenção para o valor de 121 milhões gastos em 2013 para tratar de pacientes que sofreram com infecções gastrointestinais por conta da poluição da água. Quais são, por outro lado, os gastos com saneamento?

Édison Carlos – De acordo com o Governo Federal, os investimentos em saneamento em 2012 foram de R$ 9,7 bilhões, mas este valor ainda é muito baixo comparando-se com os valores necessários para universalizar os serviços até 2033, segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANSAB do Governo Federal. Pelo PLANSABseriam necessários R$ 304 bilhões para água e esgotos em 20 anos, ou seja, pouco mais de R$ 15 bilhões por ano. Estamos, portanto, muito longe do necessário para ter essa infraestrutura básica em 20 anos.

IHU On-Line – De acordo com a pesquisa do Trata Brasil, 34 milhões de pessoas não são atendidas com rede de água e 103 milhões de brasileiros não estão conectados às redes de esgoto. O que isso significa considerando a população brasileira?

Édison Carlos – 17% da população não recebe água tratada e 51% não tem acesso à coleta de esgotos.

IHU On-Line – Há soluções práticas para resolver a questão do saneamento básico no Brasil no curto prazo?

Édison Carlos – Saneamento não se resolve da noite para o dia, mas tudo começa sendo prioridade para prefeitos e governadores. Existem leis, mas não há punição para quem não as cumpre. Com a Lei 11.445/2007, a esperança era de que os municípios levassem mais a sério o setor, mas não é bem isso que acontece atualmente. Pela Lei, por exemplo, todas as cidades deveriam ter entregado seus Planos Municipais de Saneamento Básico até 2010, prazo estendido a 2013 e há pouco novamente postergado a 2015. Mais da metade dos municípios não tem seus serviços regulados por agências reguladoras (outra obrigação legal).

Quem tem o poder de mudar a situação, portanto, é o cidadão. Precisamos cobrar providências aos nossos governantes. O papel do Instituto Trata Brasil é o de informar a população para sensibilizar cada pessoa de que saneamento é um problema a ser discutido em conjunto com o poder público. Com as eleições se aproximando, é importante que sejam analisadas as propostas dos candidatos e que no futuro sejam cobradas as suas ações.

Fonte: IHU – Unisinos

Fotos: (1) urbanidades.arq.br (2) exame2.com.br

Saneamento básico na Amazônia


UNICEF e Kimberly-Clark promoverão saneamento básico em cerca de 300 municípios da Amazônia

 
 
Para melhorar o acesso a saneamento básico de crianças e adolescentes em cerca de 300 municípios da Amazônia brasileira, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) anunciou nesta semana (17) uma parceria com a Neve, marca da Kimberly-Clark que atua no segmento de papel higiênico. A cooperação vai apoiar cidades na elaboração de avaliações e políticas públicas para aprimorar sistemas de esgoto na região.

A iniciativa faz parte do Selo UNICEF Município Aprovado, que capacita gestores, técnicos, lideranças comunitárias, famílias e adolescentes, além de monitorar os progressos obtidos com a implementação de programas de governo voltados para a infância e a adolescência.

De acordo com o Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS), em 2014 metade do esgoto gerado no Brasil era despejado irregularmente. Também neste ano, quase 30 milhões de pessoas não tinham acesso a água tratada no país, segundo informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Mais de 4 milhões de brasileiros não possuíam banheiro em suas casas.

Os dados alarmantes explicam a 112ª posição do Brasil num ranking de saneamento básico divulgado pelo Instituto Trata Brasil e que avaliou 200 países dois anos atrás.

“A aliança com Neve permite levar aos municípios da Amazônia um tema estratégico e prioritário para as crianças do Brasil. A falta de acesso à água e ao saneamento afeta sua saúde, condições de aprendizagem e dignidade. Portanto, limita as oportunidades de desenvolvimento integral das crianças e das próprias comunidades”, explica o coordenador do UNICEF na região amazônica, Unai Sacona.

A parceria da Neve com o UNICEF está alinhada à meta da Kimberly-Clark de levar desenvolvimento para aproximadamente 50 milhões de pessoas até 2022 por meio das plataformas de responsabilidade social de suas marcas.

A PNAD de 2013 revelou que somente 11% das crianças em situação de pobreza na Amazônia viviam em moradias com esgotamento sanitário ou um sistema de coleta de água de chuva, 35% delas tinham acesso a fossa séptica não conectada a um sistema de esgoto, 46% faziam uso de poços rudimentares e 35% utilizavam poços escavados à mão.

Fonte: ONUBR

Eunice Danazio Valentin: carioca nota dez


Moradora do Morro do Alemão, a aposentada Eunice Danazio Valentin fundou uma associação de moradores e conseguiu levar água, luz e saneamento para a região, além de contribuir para a abertura de uma creche municipal

Felipe Fittipaldi

 

Durante os Carnavais das décadas de 70 e 80, a então empregada doméstica Eunice Danazio Valentin protagonizava uma cena pitoresca no Complexo do Alemão. Vestida com a fantasia da ala das baianas da escola de samba Imperatriz Leopoldinense, descia o morro onde morava rumo ao Sambódromo. Naquela época, em que os traficantes ainda não haviam implantado o regime de terror que imperou até a ocupação do território pela polícia, em 2010, o desfile de Eunice era recebido com euforia pela criançada. “Olha a baiana”, gritavam. Com o tempo, o lugar onde ela vivia começou a ser chamado Morro da Baiana, denominação que se mantém até hoje.

Mas a fama de Eunice não decorre apenas de seus desfiles pelo Alemão. Desde que se mudou para lá, em 1968, ela se transformou em uma ativa líder comunitária que não se intimidava ao postar-se em gabinetes de políticos e repartições públicas. Graças a seus esforços como fundadora da associação de moradores, conseguiu levar água, luz e saneamento para a região, além de contribuir para a abertura da Creche Municipal Eliana Saturnino Braga, a primeira e única do Morro da Baiana, que hoje atende 85 crianças. “Bati em centenas de portas e gastei muita saliva. Era o jeito que eu tinha de o poder público me ouvir, e fui ouvida”, diz ela.

Aposentada e com 67 anos, Eunice mora atualmente em Olaria, bairro vizinho ao complexo. Seu trabalho pioneiro foi sucedido por uma série de outras iniciativas semelhantes, principalmente nos últimos três anos, a partir da implantação das Unidades de Polícia Pacificadora na região.

Isso não significa que ela não mantenha os vínculos com o lugar. Uma simples caminhada a seu lado já revela quanto ela é popular no morro que leva seu apelido, sede de uma das oito UPPs do complexo e de uma estação do teleférico que conecta as diversas favelas. Ali, todos a conhecem e a saúdam respeitosamente quando passa: “Olha a dona Baiana”, dizem.

 

Fonte: Planeta Sustentável

A desigualdade de acesso ao saneamento básico


No mundo, mais 2,5 bilhões de pessoas vivem sem acesso a banheiros e sistema de esgoto adequado (ONU)

Maria Luísa Brasil Gonçalves Ferreira*

Os direitos humanos são direitos básicos, essenciais e inerentes a todos os seres humanos, independente de raça, classe social, gênero, nacionalidade ou qualquer outro tipo de discriminação. Com a promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948, a comunidade internacional celebrou acordo que visa garantir a todos, de forma equânime, o exercício de seus direitos inatos.

A Declaração de Estocolmo, em 1972, incluiu o meio ambiente no rol de direitos humanos, determinando que é dever de todos proteger e buscar melhoria do meio ambiente humano. No mundo, mais 2,5 bilhões de pessoas vivem sem acesso a banheiros e sistema de esgoto adequado.

Em 2015, durante a 70ª sessão da Assembleia Geral da ONU, criou-se a Agenda 2030 que fixou vários objetivos, dentre eles, o objetivo nº 6, que determinou que os países devam se esforçar para que, até 2030, todos tenham acesso a saneamento e higiene adequados e também para acabar com a defecação a céu aberto. Contudo, somente em 2017 é que o saneamento básico foi reconhecido como direito humano.

O acesso ao saneamento básico é uma garantia do mínimo existencial, de qualidade de vida e de efetivação do princípio da dignidade humana, intimamente relacionado com o direito a sadia qualidade de vida. Portanto, é de interesse de toda a sociedade que seja diagnosticado como o racismo institucional influencia no acesso ao saneamento básico, para que, posteriormente, seja encontrada forma eficaz de interromper essa influência.

A universalização do acesso ao saneamento básico, além de significar o cumprimento de legislação federal, significa a efetivação de recomendações internacionais e possibilita a efetivação de direitos humanos.

De acordo com estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil, os estados que menos receberam investimentos em saneamento básico entre 2015 e 2017 foram Amazonas, Acre, Amapá, Alagoas e Rondônia, totalizando 1,7%. Todos esses Estados são da Região Norte do país, onde se encontra a maior concentração de pobreza, portanto, onde há menos acesso a infraestrutura, está também a maior concentração de pobreza – junto com a Região Nordeste.

A política pública relacionada ao saneamento básico já existe, e um dos seus princípios basilares é a universalização do acesso. Em 2007 entrou em vigência a Lei nº 11.445, que estabeleceu a universalização do acesso ao saneamento básico como um dos princípios fundamentais e definiu universalização como sendo a ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico. Este princípio da universalização, mesmo após dez anos de vigência da lei, não atingiu seu objetivo tendo em vista os números alarmantes de população sem acesso ao saneamento básico no Brasil.

Entre 2007 e 2017, houve aumento no acesso ao tratamento de água e esgoto: o total de brasileiros atendidos por abastecimento de água tratada passou de 80,9% para 83,3%; enquanto a população atendida por coleta de esgoto passou de 42% para 50,3%.

Apesar do aumento global no acesso, a região Norte do país possui números preocupantes: apenas 8,7% da população possui acesso a esgoto e 16,4% da população possui acesso ao tratamento desse esgoto. Além disso, somente 56% da população possui cobertura de água potável, números muito inferiores aos da Região Sudeste – que possui os melhores indicadores do país (91,2% de cobertura de água, 77,2% tem acesso à rede de esgoto e 47,4% ao tratamento de esgoto).

Em ranking dos vinte melhores municípios em relação ao saneamento básico, realizado em 2017 pelo Instituto Trata Brasil (2017), treze posições são ocupadas por municípios da Região Sudeste (as quatro primeiras, inclusive), cinco posições ocupadas por municípios da Região Sul (todas são cidades do Paraná) e as duas posições restantes ocupadas pela Região Nordeste (municípios da Bahia e Paraíba). Em contrapartida, o estudo apresentou o ranking dos dez piores municípios: dois são da Região Sudeste (Rio de Janeiro), um da Região Sul (Rio Grande do Sul), um da Região Centro-Oeste (Mato Grosso), um da Região Nordeste (Pernambuco) e cinco municípios são da Região Norte (Amazonas, Amapá, Rondônia e Pará).

No ranking dos dez piores municípios em relação ao saneamento básico, quatro pertencem à Região Norte e atendem menos da metade de sua população com água.O município de Santarém, no Pará, não realiza nenhuma coleta de esgoto apesar de possuir mais de 200 mil habitantes.

As análises dos dados de saneamento básico na região Norte são alarmantes, sobretudo se comparada com as outras regiões do país. os Estados que menos receberam investimentos em saneamento básico nos últimos três anos foram Amazonas, Acre, Amapá, Alagoas e Rondônia, totalizando 1,7%. O mais impressionante desses dados é que a Região Norte é a maior do Brasil e corresponde a 45% de todo o território nacional.

Políticas públicas são ações de governo para realizar interesses coletivos por meio da prestação de serviços e entrega de bens à sociedade. A formulação de uma política pública envolve diversas etapas e não se esgota quando é colocada em prática.

Após a criação e implementação de determinada política pública, é necessário que se faça a avaliação de sua dinâmica, isto é, avaliando como a implementação da política está interferindo na sociedade. A avaliação é feita por diversos atores sociais, como políticos, entidades de classe, organizações não governamentais e os próprios cidadãos, e cada conjunto de atores faz essa avaliação utilizando-se de técnicas diversas. As manifestações públicas, por meio de protestos feitos por atingidos, por exemplo, representam uma avaliação dos méritos, ainda que seja informal, portanto, cada grupo social desempenha papel fundamental no aprimoramento da política pública.

Portanto, a existência de uma política pública, institucionalizada por meio da legislação, não significa a efetiva solução do problema. É necessário que a população se mobilize para fiscalizar e cobrar dos governos a solução do problema. Protestos públicos organizados pela população são consideradas formas de avaliar o mérito da política pública, podendo influenciar o governo a pensar em soluções mais efetivas ou a reformular a política vigente.

*Maria Luísa Brasil Gonçalves Ferreira – Bacharel em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Pós-graduanda pela Escola Superior de Advocacia da OAB. Assistente jurídica no Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Fórum Água debate gestão estratégica nas empresas


             

Em comemoração ao Dia Mundial da Água, 22/03, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) reunirá líderes de empresas para tratar do tema no Fórum Água: gestão estratégica no setor empresarial. O evento será realizado nesta quarta-feira, 19/03, na cidade de São Paulo.

Na ocasião, também será lançada a publicação "Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento Básico – 2014", parceria do CEBDS com o Instituto Trata Brasil.

A programação contará com palestras de especialistas, que falarão a respeito dos desafios e oportunidades na gestão de recursos hídricos. Entre eles:
Marina Grossi, presidente do CEBDS;
Benedito Braga, presidente do Conselho Mundial da Água;
Edison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil;
Antônio Henrique de Carvalho, diretor do Departamento de Saúde Ambiental do Ministério da Saúde;
Albano Araújo, coordenador de Conservação de Água Doce da TNC, e
Angelo Lima, analista do Programa de Conservação do WWF.

Inscrições devem ser feitas por e-mail. As vagas são limitadas e sua presença só estará garantida se receber confirmação da equipe do CEBDS. Confira a programação completa no site da iniciativa.

FÓRUM ÁGUA
Data:
19/03, às 9h30 às 17h
Local: Hotel Estanplaza International – Auditório Belém
Endereço: Rua Fernandes Moreira, nº 1293, Chácara Santo Antônio – São Paulo/SP
Inscrições: por e-mail.

 

Fonte: Planeta Sustentável

Brasil aparece em 77º em ranking de desempenho ambiental


Índice avaliou 178 países em diversas categorias, sendo que o Brasil se destaca negativamente principalmente na questão do saneamento básico, no desmatamento e na tendência de aumento da intensidade de carbono na economia

 

Pesquisadores das Universidades de Yale e Colúmbia, ambas nos Estados Unidos, em parceria com o Fórum Econômico Mundial, divulgaram nesta semana o Environmental Performance Index 2014 (EPI), classificando 178 países de acordo com dois grandes temas: “Proteção da saúde humana das ameaças da natureza”, que inclui questões como saneamento básico e impactos da poluição do ar e da água; e “Vitalidade dos ecossistemas”, que engloba, entre outros fatores, leis de proteção da biodiversidade e impactos da matriz energética no meio ambiente.

Considerando todos os critérios, a Suíça aparece como o líder do ranking, seguida por Luxemburgo, Austrália, Singapura e República Tcheca.

“Muitos dos países que figuram no topo neste ano são os mesmos de edições passadas. Isso demonstra como um bom desempenho ambiental está relacionado com políticas de longo prazo que priorizem a proteção dos ecossistemas e que comprometam investimentos neste sentido”, afirmou Angel Hsu, principal autor do índice.

Entre as grandes potências, a Alemanha é a melhor classificada, em sexto lugar. O Reino Unido está em 12º, o Japão, em 26º, a França, em 27º, e os Estados Unidos, em 33º. 

Já os países emergentes apresentaram modestas melhoras no ranking, mas ainda ocupam baixas posições, devido principalmente à sua urbanização desordenada, crescimento acelerado – movido muitas vezes pela destruição de ecossistemas – e pela ausência de leis de proteção ambiental.

A África do Sul está em 72º, a Rússia, em 73º, o Brasil, em 77º, a China, em 118º e a Índia aparece bem ao fim da lista, em 155º.

A posição ruim do Brasil se justifica pelo seu péssimo desempenho em alguns dos critérios. Em mortalidade infantil, por exemplo, apesar dos avanços dos últimos anos, o país ainda é o 95º no ranking. Em acesso a saneamento básico, que também resulta na alta mortalidade infantil, é o 98º.

 Em “tendência para o aumento de intensidade de carbono”, o Brasil está em 93º, um sinal de que a economia e o setor de energia estão seguindo um caminho de mais emissões de gases do efeito estufa, algo que é facilmente constatado pelo maior uso de termoelétricas e pelas promessas do governo de mais investimentos em carvão.

Mas a pior classificação do país é em “mudança de cobertura florestal”, 105º, destacando o aumento do desmatamento no ano passado, que pode estar relacionado com o enfraquecimento do Código Florestal, alterado em 2012.

No entanto, nem tudo é ruim para o Brasil; aparecemos em primeiro no item “poluição do ar – exposição a particulados (PM 2,5)”. Isso se deve ao grande número de habitantes do país que não vive metrópoles, e que, portanto, não está exposto a tanta poluição de automóveis e fábricas. A nossa atual matriz energética baseada em hidroeletricidade também explica o bom resultado.

Todas as cinco piores nações do ranking, Somália, Mali, Haiti, Lesoto e Afeganistão, estão envolvidas em conflitos civis ou em caos social devido a catástrofes naturais. É o caso do Haiti, que ainda está buscando se recuperar do terremoto de 2010, um reflexo de que, sem estabilidade política e institucional, não há proteção do meio ambiente, afirma o EPI.

“O nosso índice pode ajudar a direcionar os esforços internacionais na busca por cumprir as Metas de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Porém, ainda vemos que existe uma falta de estrutura política para que se acelere a transformação necessária para um modelo econômico e social realmente sustentável”, concluiu Hsu.

Imagem: Crianças brincam perto de esgoto a céu aberto em Brasília / Valter Campanato / AgenciaBrasil   
               O desmatamento voltou a crescer no Brasil em 2013 / Wikimedia Commons 

Fonte: Instituto Carbono Brasil

Apenas 39% do esgoto do país é tratado


Meta de universalização do saneamento básico está ameaçada. Entrevista especial com Édison Carlos

 

“Apenas 39% do esgoto do país é tratado, para termos uma ideia de quanto o Brasil tem de desafio nessa questão”, afirma o presidente do Trata Brasil.

 

Foto: urbanidades.arq.br
 

Se os investimentos em saneamento básico continuarem seguindo os mesmos índices dos últimos cinco anos, o Plano Nacional de Saneamento Básico, que pretende universalizar os serviços no país até 2033, “não irá acontecer”, adverteÉdison Carlos em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone.

 

De acordo com o presidente do Instituto Trata Brasil, oRanking do Saneamento Básico analisou a situação das 100 maiores cidades brasileiras em relação ao saneamento, e os dados indicam que “praticamente metade dessas 100 grandes cidades não alcançaria a universalização, se mantidos os índices de evolução dos últimos cinco, seis anos”.

Édison Carlos salienta que, diferente de outros anos, os investimentos no setor têm evoluído, mas o que se questiona, pontua, “não é que não há avanços, mas a velocidade do avanço. Nós estamos falando de demorar 20 anos para ter a infraestrutura mais básica que uma cidade deveria ter. É ridículo falarmos em 20 anos para ter água e esgoto para todo mundo. Isso, em um país desenvolvido, há décadas já não é mais discutido”.

Os problemas referentes à demora no desenvolvimento das obras, assegura, não estão mais relacionados com o financiamento. “Podemos dizer claramente que antes de 2007 tínhamos todos os problemas possíveis no setor de saneamento, desde não haver uma lei nacional que regulamentasse o saneamento, até de não haver recursos disponíveis pelo governo Federal, principalmente. Mas, depois de 2007, com a lei do saneamento e com a criação doPAC e do Ministério das Cidades, podemos dizer com certeza que não têm faltado recursos para saneamento”. Embora o Brasil precise investir cerca de 16 bilhões por ano, seis a mais do que tem investido, os gargalos a serem enfrentados são de ordem burocrática, como em relação ao repasse das verbas, e de dificuldades na criação de projetos municipais para dar continuidade ao Plano Nacional de Saneamento Básico. “Falta capacidade de muitos munícipios em elaborar projetos, então muitas vezes o Ministério tem o dinheiro parado, mas os municípios não têm projetos”, lamenta.

Édison Carlos é químico industrial graduado pelas Faculdades Oswaldo Cruz e pós-graduado em Comunicação Estratégica. Atuou por quase 20 anos em várias posições no Grupo Solvay, sendo que, nos últimos anos, foi responsável pela área de Comunicação e Assuntos Corporativos da Solvay Indupa.

Confira a entrevista.

 

Foto: Revista Exame
 

IHU On-Line – Quais são as principais metas do Plano Nacional de Saneamento Básico e por quais razões o Brasil provavelmente não conseguirá cumpri-las, conforme indica o Ranking do Saneamento Básico divulgado pelo Instituto Trata Brasil?

 

Édison Carlos – As metas principais do Plano Nacional de Saneamento Básico estão ligadas à universalização do serviço de saneamento, ou seja, que praticamente todos os brasileiros tenham água tratada, coleta e tratamento de esgoto em até 20 anos, isto é, até 2033. Isso significa que todos os municípios brasileiros deveriam estar muito próximos dos 100% de atendimento em duas décadas, contando a partir de 2014.

Todos os anos o Instituto Trata Brasil faz um ranking da situação das 100 maiores cidades, com relação ao saneamento básico. Dessa forma, olhamos os indicadores, os quais as próprias cidades enviam para oMinistério das Cidades, que publica esses números nacionais e nós coletamos esses dados das 100 maiores cidades. A partir disso, fizemos uma análise dos últimos cinco, seis anos e projetamos esse crescimento dos indicadores para 20 anos, e várias dessas cidades — praticamente metade dessas 100 grandes cidades — não alcançariam a universalização, se mantidos os índices de evolução dos últimos cinco, seis anos. Então, estamos dizendo que é possível sim se universalizar, mas a se manter o ritmo que tem ocorrido nessas grandes cidades nos últimos anos, isso não irá acontecer.

IHU On-Line – Quais são as principais dificuldades de se avançar no sentido de alcançar as metas do Plano Nacional de Saneamento Básico? O problema é basicamente de ordem financeira? 

Édison Carlos – Não é. Podemos dizer claramente que antes de 2007 tínhamos todos os problemas possíveis no setor de saneamento, desde não haver uma lei nacional que regulamentasse o saneamento, até de não haver recursos disponíveis pelo governo Federal, principalmente. Mas, depois de 2007, com a lei do saneamento e com a criação doPAC e do Ministério das Cidades, podemos dizer com certeza que não têm faltado recursos para saneamento nos últimos anos. Logicamente que se precisa de muito recurso. O Plano Nacional de Saneamento sugere 304 bilhões em 20 anos só para água e esgoto. Então, é muito dinheiro, estamos falando na faixa de 15, 16 bilhões por ano só para água e esgoto, mas o Brasil tem investido na faixa dos 10 bilhões. É muito dinheiro, mas não é isso que tem feito com que o saneamento não ande, existem outros gargalos, desde gargalos burocráticos — a dificuldade de o dinheiro sair de Brasília e chegar às obras —, até a falta de capacidade de muitos munícipios em elaborar projetos; então muitas vezes o Ministério tem o dinheiro parado, mas os municípios não têm projetos. 

"A maior empresa do Brasil, no estado mais rico do Brasil, está postergando obras de esgotamento sanitário em detrimento das obras de água"

 

Existe também uma dificuldade de apoio do município no momento em que as empresas de água e esgoto precisam fazer as obras na cidade; ou seja, há problemas de licenças ambientais e vontade política também. Em muitos municípios brasileiros esse assunto não é sequer discutido. Junta-se a isso o cidadão que não é bem informado sobre o tema, que muitas vezes não associa a falta de saneamento com o problema da saúde, por exemplo, e não cobra solução. Dessa forma, o problema vai desde o cidadão que não se envolve com esse tema, de uma autoridade, seja um prefeito ou um governador, que também não demonstra interesse pelo assunto do saneamento porque prefere outras obras mais visíveis do ponto de vista eleitoral — construir hospital, por exemplo —, até aquele prefeito, governador que tem interesse em resolver, mas daí cai em outros gargalos, como chamamos, que é a dificuldade de elaborar um bom projeto, ou de buscar dinheiro em Brasília.

Temos uma série de problemas, mas mesmo assim o setor tem evoluído. O que questionamos bastante no Trata Brasilnão é que não há avanços, mas a velocidade do avanço. Nós estamos falando de demorar 20 anos para ter a infraestrutura mais básica que uma cidade deveria ter. É ridículo falarmos em 20 anos para ter água e esgoto para todo mundo. Isso, em um país desenvolvido, há décadas já não é mais discutido; imagina na Europa uma pessoa nascer em um lugar que não tenha saneamento. E nós temos um prazo de 20 anos, correndo o risco ainda de não atingir, mesmo em duas décadas; é um quadro muito preocupante.

IHU On-Line – O que distingue as cidades com melhor saneamento básico no país, a exemplo de Franca, Limeira, Santos e Taubaté, em São Paulo; Maringá, Londrina, Curitiba e Ponta Grossa, no Paraná; Niterói, no Rio de Janeiro; e Uberlândia, em Minas Gerais, das cidades mais carentes em saneamento, como Porto Velho, Santarém e Ananindeua, no Pará; Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco; Macapá, no Amapá; Várzea Grande, em Mato Grosso; Gravataí, no Rio Grande do Sul; Belém e Manaus; e São João de Meriti, no Rio de Janeiro?

Édison Carlos – Em todas as cidades que estão bem no ranking, é verificado o foco claro da administração pública no avanço do saneamento, o qual vem avançando há muito anos, e isso demonstra que o poder público local tem se empenhado na solução do problema, pois essa é uma solução de longo prazo. Ou seja, independente do prefeito ou do partido político que lidera a cidade, o saneamento continuou sendo foco de atenção. Então, se olharmos Franca,SantosLimeiraMaringá, grandes cidades do Paraná, em todas elas há investimentos fortes há muito anos.

O que distingue as primeiras cidades das últimas é investimento forte e vontade de resolver. No rodapé do ranking é possível ver que existem cidades que há dez anos estão exatamente no mesmo lugar, então quer dizer que não houvenenhuma prioridade do poder público local em resolver o problema. Além disso, a cidade cresce, porque mais pessoas vão morar nas grandes cidades; esse fenômeno de imigração de área rural para área urbana, logicamente que esse pico já aconteceu, mas esse processo continua, todo dia a cidade cresce um pouquinho. Se não há um serviço de saneamento que avance, os indicadores pioram, porque há mais pessoas que não estão sendo atendidas, e os indicadores, além de não subirem, ainda caem.

Desse modo, se pegarmos, por exemplo, as 20 piores cidades do ranking, em qualquer ano que olharmos, elas estariam aí embaixo. O avanço é muito pequeno e muito lento, sendo que são todas grandes cidades, não tem uma cidade abaixo de 250 mil habitantes, todas elas têm recursos, sabem fazer obras, então estas não têm como dizer que não sabem. Isso é mais chocante ainda porque estamos falando de grandes cidades, até capitais como Manaus,BelémPorto VelhoRio BrancoTeresina, são capitais que avançam muito pouco. O que estamos dizendo é o seguinte: a se manter nesse ritmo, o Plano Nacional não irá acontecer. Mas lógico que torcemos para que a repercussão dessas publicações, dessa discussão faça com que as autoridades olhem com mais cuidado para o saneamento e se reverta esse histórico muito ruim.

 

"Estamos falando de duas décadas para ter uma estrutura que deveria ser construída antes de a cidade nascer"

IHU On-Line – Quais são as dificuldades que o país ainda enfrenta em relação ao tratamento de esgoto? Esse é o principal problema?

Édison Carlos – Sim, sem dúvida. São dois indicadores que avançam muito pouco dentro do ranking. Um é o tratamento do esgoto, em que temos muitas cidades com taxas altas de coleta, mas taxas muito baixas de tratamento — a rede passa na rua, pega o esgoto das casas, mas joga em um rio, riacho, no mar, em algum lugar —, então o esgoto é coletado, mas não é tratado. Apenas 39% do esgoto do país é tratado, para termos uma ideia de quanto o Brasil tem de desafio nessa questão. Esse baixo índice de tratamento é um indicador muito ruim.

Outro indicador que avançou muito pouco se refere às perdas de água no sistema de distribuição, e agora todo mundo olha como absurdo esse indicador por conta da crise hídrica. Mas historicamente sempre houve perdas muito grandes no sistema de distribuição de água potável que não consegue chegar às nossas casas. Esse dois indicadores são os que menos avançaram historicamente.

IHU On-Line – Em que consiste o estudo sobre a ociosidade das redes de esgotos no Brasil? Como ajudaria a resolver o problema de tratamento de esgoto?

Édison Carlos – Quando falamos da ociosidade das redes, estamos falando das redes que existem, mas com as quais as pessoas não se conectam. Imagina que você mora em uma rua que não tem rede de esgoto, e chega um momento em que aquela rede passa, mas você decide não ligar sua casa porque não quer que aumente sua conta de água, uma vez que o esgoto está atrelado à conta de água. Dessa maneira você continua usando aquela fossa em seu quintal, continua jogando o esgoto no rio ou jogando na rua, porque você decide por algum motivo que não quer ligar sua casa à rede. Aquela rede fica obsoleta, acaba estragando, o prestador de serviço não consegue ter recursos financeiros, porque é da tarifa que ele consegue ter dinheiro para ampliar o sistema. Então isso gera um problema ambiental, pois as pessoas continuam jogando o esgoto no lugar errado mesmo tendo a rede. Também é um problema de saúde pública, porque jogar esgoto no lugar errado é uma fonte de doença, e é um problema econômico, porque o sistema de saneamento não recebe o recurso para aquela obra feita.

Apuramos que, só nas 100 maiores cidades, existem 3,5 milhões de pessoas que poderiam estar ligadas à rede de esgotos e não estão porque decidiram não ligar. Este é outro problema, e não é o caso de culpar a empresa de água e esgoto; a rede está lá, é uma decisão do cidadão que precisa ser revertida, porque muitas vezes a pessoa tem dois celulares na cintura, uma TV a cabo e não quer pagar 20 ou 30 reais de esgoto. Trata-se de uma falta de visão, devalorização da infraestrutura de saneamento, em que a pessoa às vezes não valoriza esse serviço, enquanto recebe e paga por outros serviços sem questionar.

IHU On-Line – A crise hídrica pode impactar negativamente o desenvolvimento do Plano Nacional de Saneamento Básico?

Édison Carlos – Gera, sem dúvida, um impacto. Por exemplo, a Sabesp acabou de anunciar que vai suspender por quatro meses as obras de esgoto por falta de caixa, ou seja, para atender as obras de água, pararam as obras de esgoto. Esse é um problema enorme porque é jogado para frente um problema que já é grande. Então, a maior empresa do Brasil, no estado mais rico do Brasil, está postergando obras de esgotamento sanitário em detrimento das obras de água por conta da crise hídrica. Isso é um problema não só por causa da paralisação, mas porque se sinaliza para a sociedade que o esgoto pode ficar em segundo plano.

A crise hídrica é muito boa por um lado, nos faz refletir sobre a água, porque, ao menos no Sudeste, vivíamos com a sensação de abundância, de que havia muita água, e nós nunca mais vamos olhar a água dessa forma. Então o cidadão vai aprender a usar com mais critério, vai se envolver mais nesse assunto; o tema do saneamento também vem à tona com o esgoto, porque as coisas estão conjugadas, mas não tem dúvida de que também impacta nesses indicadores por conta da crise econômica. Estamos em uma crise econômica enorme, mas também tem o fator da falta de água, a crise de energia elétrica é uma crise de água e isso tudo faz com que as metas sejam afrouxadas, postergadas, e acabamos jogando para frente um problema que já é muito grande.

"É o momento de pararmos de pedir posto de saúde e hospital e pedirmos que se faça infraestrutura, cuja falta nos leva para o hospital"

IHU On-Line – É possível estimar como o ajuste fiscal feito pelo governo pode impactar nas obras de saneamento, no PAC?

Édison Carlos – Não, mas nos preocupamos porque estamos falando de duas décadas para ter uma estrutura que deveria ser construída antes de a cidade nascer. Qualquer coisa que seja postergada por 20 anos — este prazo já é um absurdo — terá sempre um atraso maior, porque daqui a pouco vamos estar falando de 25 anos. Estamos muito preocupados porque quanto mais a meta do plano nacional de saneamento anda, mais distante ela fica.

IHU On-line – Deseja acrescentar algo?

Édison Carlos – Eu sempre chamo a atenção para o fato de que o cidadão tem um papel muito importante nesse processo. Na verdade quem pauta as autoridades somos nós, cidadãos e eleitores. No ano que vem teremos eleições para prefeito e não podemos perder essa oportunidade de cobrar saneamento, nas campanhas eleitorais. Essa é a oportunidade em que o cidadão fica mais próximo da autoridade, porque os candidatos vêm pedir os nossos votos. É o momento de pararmos de pedir posto de saúde e hospital e pedirmos que se faça infraestrutura, cuja falta nos leva para o hospital.

Por Patrícia Fachin

Fonte: IHU