Equilíbrio Sustentável: um imperativo ético para os nossos dias


A falta de equilíbrio no modo de ser e agir das pessoas na sociedade parece ser uma marca da cultura atual que, paradoxalmente, procura caminhos de sustentabilidades em meio aos excessos e desperdícios vividos cotidianamente. Os limites planetários estão progressivamente aparecendo em escala local e global, obrigando a sociedade a buscar pontos de equilíbrio nos saberes científicos, no consumo exagerado, no fascínio desenvolvimentista, na adequação aos ritmos biológicos e no respeito à capacidade de suporte da natureza.

                                                       

O primeiro equilíbrio deve ser buscado no seio da cultura, cujo ethos é marcado profundamente pelos saberes científicos. Segundo o grande filósofo Aristóteles, os saberes podem ser considerados teóricos, poiéticos e práticos. Se olharmos a realidade atual de nossas ciências, vamos perceber que os saberes teóricos e poéticos são os que ocupam os maiores espaços no mundo científico, caminhando em passos rápidos e fragmentando-se vertiginosamente. Ao contrário, o saber prático caminha em passos lentos, procurando religar e dar um sentido maior no modo de ser e agir das pessoas e da sociedade. Segundo Aristóteles, os saberes teóricos são aqueles que partem de algo já existente, cabendo às ciências relacionadas com eles o dever de interpretar, descrever, tematizar e utilizar aquilo que é dado pela natureza, através de sucessivos processos evolutivos. São exemplos desses saberes: a ciência da vida, da terra, entre outros. Já os saberes poiéticos são aqueles relacionados com o fazer, o fabricar, seja a partir daquilo que nasce das instituições ou inspirações artísticas ou das produções tecnológicas, utilizando-se da natureza os elementos físicos, químicos e biológicos. O fascínio pelos saberes poiéticos da tecnologia é, sem dúvida, uma marca forte da cultura atual. No entanto, diante da crise ambiental planetária, esses dois saberes dominantes são insuficientes para resolver os impasses dos limites ecológicos que a cada dia se mostram mais evidentes no planeta terra. Daí a necessidade de um maior espaço para o saber prático, cuja ciência por excelência é a ética, pois esta mexe com os hábitos e os costumes do ser humano, normatizando ações e corrigindo comportamentos ambientalmente insustentáveis.

Infelizmente o saber prático da ética tem sido relegado em segundo plano, tendo como conseqüência o desequilíbrio nas relações antropológicas e cosmológicas. A busca de um maior equilíbrio entre os saberes teóricos, poiéticos e práticos é uma exigência fundamental para a construção da sustentabilidade planetária que tanto desejamos.

O segundo equilíbrio está relacionado com o consumo e a disponibilidade de recursos da natureza. A lógica dominante que está por trás do consumo insaciável parte da premissa de que os recursos da natureza são infinitos e que a disponibilidade deles é inesgotável. A falácia dessa premissa é a de que ela não leva em conta que o planeta não suporta a retirada excessiva dos recursos que foram acumulados durante milhões de anos, e nem sequer a assimilação imediata dos passivos que são gerados pelo consumismo desenfreado. O carbono acumulado na atmosfera, gerado pela sede insaciável do consumo de combustíveis fósseis, pelas queimadas e outros efeitos danosos ao meio ambiente, não pode ser assimilado na mesma intensidade das demandas da sociedade de consumo.

A falta de equilíbrio entre o consumo e a disponibilidade dos recursos do planeta é uma forma de injustiça ambiental e social. Ambiental, por que a escala lenta e evolutiva dos recursos da natureza está sendo explorada pela voracidade do consumo imediato e descartável, gerando um acúmulo imensurável de sucatas, impossíveis de serem assimiladas pelo planeta em curto e médio prazo. Social, por que estabelece valores plasmados nos padrões de consumo, excluindo muitas camadas sociais que não tem acesso aos bens e, eliminando, egoisticamente, a possibilidade de as gerações futuras usufruírem dos recursos do planeta. O cenário atual de degradação do equilíbrio ambiental nos mostra a importância da consciência sobre a limitação dos recursos naturais, pois a exploração irracional compromete as gerações presentes e futuras. Assim a consciência ética planetária nos alerta sobre a importância de buscarmos um equilíbrio entre o consumo e os bens disponíveis da natureza, pois o ritmo da sociedade consumista está muito alem da capacidade de suporte da natureza. A vaidade em consumir desmedidamente poderá resultar numa atitude de injustiça com a criação e a sociedade futura.

O terceiro equilíbrio está relacionado com o desenvolvimento necessário e a preservação imprescindível. Num país como o Brasil, que ambientalmente detém uma megabiodiversidade e socialmente cresce nos acessos aos bens necessários para manter um padrão digno de sobrevivência, mesmo mantendo uma distribuição de renda desigual, é fundamental que os modelos de desenvolvimento levem em conta a preservação do patrimônio natural. A riqueza do potencial existente em nossa fauna e flora que poderá se reverter em beneficio das gerações presentes e futuras é algo difícil de ser mensurado. Os dados revelados pelas ciências representam muito pouco daquilo que ainda faz parte do mundo do desconhecido. Daí a importância ética em galgar degraus do desenvolvimento em consonância com a preservação ambiental. Modelos de desenvolvimento que destroem irresponsavelmente os recursos planetários são eticamente considerados injustos e incompatíveis com a relação ontológica do ser humano com Deus e todos os seres criados. A destruição do meio ambiente e o seu uso impróprio ou egoísta e a apropriação violenta dos recursos da terra geram conflitos por que são frutos de um conceito inumano de desenvolvimento. Talvez esse equilíbrio seja, no momento atual, o mais prioritário, pois todos nós desejamos um país que posso desenvolver-se economicamente e socialmente, sem comprometer a conservação do seu potencial ecológico e ecossistêmico.

Por Pe. Josafá Carlos de Siqueira SJ é sacerdote jesuíta e natural de Pirenópolis, Goiás. Licenciado em Ciências Biológicas, bacharel em Teologia e Filosofia e Doutor em Biologia Vegetal pela Unicamp. Atualmente é reitor da PUC Rio e professor de graduação e pós -graduação do Departamento de Geografia e Meio Ambiente.

Fonte: Livro Rio + 20 – Reflexões sobre a sustentabilidade socioambiental – Editora PUC Rio 2012. 

Laísa Mangelli

Desafio urgente: a responsabilidade socioambiental das empresas


   Já se deixou para trás o economicismo do Nobel, Milton Fridman, que, no Time de setembro de 1970, dizia: “a responsabilidade social da empresa consiste em maximizar os ganhos dos acionistas”. Mais realista é Noam Chomsky: “As empresas é o que há de mais próximo das instituições totalitárias. Elas não têm que prestar esclarecimento ao público ou à sociedade. Agem como predadoras, tendo como presas as outras empresas. Para se defender, as populações dispõem apenas de um instrumento: o Estado. Mas, há, no entanto, uma diferença que não se pode negligenciar: enquanto, por exemplo, a General Electric não deve satisfação a ninguém, o Estado deve regularmente se explicar à população” (em Le Monde Diplomatique Brasil, n. 1, agosto 2007, p. 6).

                  

   Já há décadas que as empresas se deram conta de que são parte da sociedade e que carregam a responsabilidade social no sentido de colaborarem para termos uma sociedade melhor.

   Ela pode ser assim definida: A responsabilidade social é a obrigação que a empresa assume de buscar metas que, a meio e longo prazo, sejam boas para ela e também para o conjunto da sociedade na qual está inserida.

   Essa definição não deve ser confundida com a obrigação social que significa o cumprimento das obrigações legais e o pagamento dos impostos e dos encargos sociais dos trabalhadores. Isso é simplesmente exigido por lei. Nem significa a resposta social: a capacidade de uma empresa de responder às mudanças ocorridas na economia globalizada e na sociedade, como, por exemplo, a mudança da política econômica do governo, uma nova legislação e as transformações do perfil dos consumidores. A resposta social é aquilo que uma empresa tem que fazer para se adequar e poder se reproduzir.

   Responsabilidade social vai além disso tudo: o que a empresa faz, depois de cumprir com todos os preceitos legais, para melhorar a sociedade da qual ela é parte e garantir a qualidade de vida e o meio ambiente? Não só o que ela faz para a comunidade, o que seria filantropia, mas o que ela faz com a comunidade, envolvendo seus membros com projetos elaborados e supervisionados em comum. Isso é libertador.

   Nos últimos anos, no entanto, graças à consciência ecológica despertada pelo desarranjo do sistema-Terra e do sistema-vida surgiu o tema da responsabilidade socioambiental. O fato maior ocorreu no dia 2 de fevereiro do ano de 2007 quando o organismo da ONU, que congrega 2.500 cientistas de mais de 135 países, o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC), após seis anos de pesquisa, deu a público seus dados. Não estamos indo ao encontro do aquecimento global e de profundas mudanças climáticas. Já estamos dentro delas. O estado da Terra mudou. O clima vai variar muito, podendo, se pouco fizermos, chegar até a 4-6 graus Celsius. Esta mudança, com 90% de certeza, é androgênica, quer dizer, é provocada pelo ser humano, melhor, pelo tipo de produção e de consumo que já tem cerca de três séculos de existência e que hoje foi globalizado. Os gases de efeito estufa, especialmente o dióxido de carbono e o metano, são os principais causadores do aquecimento global.

   A questão que se coloca para as empresas é esta: em que medida elas concorrem para despoluir o planeta, introduzir um novo paradigma de produção, de consumo e de elaboração dos dejetos, em consonância com os ritmos da natureza e a teia da vida e não mais sacrificando os bens e serviços naturais.

   Esse é um tema que está sendo discutido em todas as grandes corporações mundiais, especialmente depois do relatório de Nicholas Stern (ex-economista-senior do Banco Mundial), do relatório do ex-vice-presidente dos USA Al Gore, “Uma verdade incômoda”, e dos várias Convenções da ONU sobre o aquecimento global. Se a partir de agora não se investirem cerca de 450 bilhões de dólares anuais para estabilizar o clima do planeta, nos anos 2030-2040 será tarde demais e a Terra entrará numa era das grandes dizimações, atingindo pesadamente a espécie humana. Uma reunião de julho de 2013 da Agencia Internacional de Energia (AIE) enfatizava que as decisões têm que ser tomadas agora e não em 2020. O ano 2015 é nossa última chance. Depois será tarde demais e iríamos ao encontro do indizível.

   Estas questões ambientais são de tal importância que se antepõem à questão da simples responsabilidade social. Se não garantirmos primeiramente o planeta Terra com seus ecossistemas, não há como salvar a sociedade e o complexo empresarial. Portanto: é urgente a responsabilidade socioambiental das empresas e dos Estados.

Por Leonardo Boff (Filósofo, teólogo, escritor e comissionado da Carta da Terra).

* Publicado originalmente no site Adital

Fonte: Envolverde

Agora vai


Agora vai … artigo de Efraim Rodrigues

cuidando do planeta

 

[EcoDebate] Você se lembra onde estava quando caíram as torres gêmeas ?

Daqui a 1000 anos os alunos de história estarão decorando o 18/06/2015.

Até aqui, a conservação andou de lado. Falamos muito, alguns poucos mudaram seu modo de vida, mas mudança em nível mundial, mensurável não aconteceu. Ao contrário, com a ascensão social de grande contingentes ao redor do mundo, a degradação de recursos naturais só piorou, com casas maiores, carros maiores, mais viagens de avião e maior consumo de carne. Todos querem ser o Grande Gatsby.

Não há artigo ou palestra de ambientalista que não comece com alguma citação da reunião do Rio em 1992. Alguém viu alguma mudança? Eu não. Ainda que nossa consciência global tenha melhorado, e muito, nestes 20 anos, as grandes reuniões são reativas. Elas acontecem porque há um sentimento de que algo precisa feito, mas seu resultado sempre é mais reuniões, documentos e viagens e hotéis para homens de terno.

No dia 18/06/2015 a Igreja Católica manifestou da maneira mais forte possível que não mais crê que o ambiente, entre outras questões terrenas, criariam certa “confusão” para a fé ou para o aprimoramento espiritual. A encíclica deixa claro que cuidar do ambiente é questão de compaixão, os mais pobres sofrem mais as mudanças do clima.

A encíclica também conserta o erro histórico de uma igreja medieval que permitia comprar indulgências. Assim como o dinheiro não inocenta um assassino, não vamos a lugar algum comprando permissões para poluir.

O Papa tem sido também um exemplo de simplicidade, estabelecendo um exemplo de vida com significado em oposição a seu antecessor, mais chegado a sapatinhos vermelhos de marca.

Por centenas de anos acreditamos que o planeta seria o jardim para Adão e Eva se multiplicarem. E neste particular, católicos, judeus, muçulmanos e comunistas se igualaram.

No entanto, a evolução de Darwin reafirma o gênesis, assim como a preocupação com o futuro climático do planeta reafirma a compaixão católica.

Tivemos que esperar a chegada de um líder espiritual com vivência científica em química, literatura e psicologia para conciliar a divergência entre ciência e religião, que só existe mesmo porque interessa.

Jeb Bush, candidato católico à presidente dos EUA, tem sua plataforma eleitoral no descrédito da ciência do clima em favor da “fé”. Seu comitê já está recorrendo ao conceito católico de livre arbítrio para tentar não perder votos. E como ficam as petroleiras e distribuidoras?

Como disse Upton Sinclair; É difícil fazer um homem entender algo, se o seu salário depende dele não entendê-lo. Não será fácil, mas ao menos agora temos um líder à altura do desafio.

PS: Para os que não gostaram da escola ser ainda a mesma daqui a mil anos, lembro que ela já era assim quando a Igreja lançou a bula intercoetera em 1493…

Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim@efraim.com.br), Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa FODEPAL da FAO-ONU, JICA e Vale, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores e Ecologia da Restauração, finalista do 56º Prêmio Jabuti 2014. Nos fins de semana ajuda escolas do Vale do Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha em adubo orgânico.

 

Publicado no Portal EcoDebate, 19/06/2015

Educação Ambiental: infelizmente ainda está faltando muito


Educação Ambiental: infelizmente ainda está faltando muito, artigo de Luiz Eduardo Corrêa Lima

sustentabilidade

 

[EcoDebate] O Brasil é um país onde o setor primário, isto é, a agricultura, a pecuária e a mineração se constituem na base da economia. Além disso, o setor secundário é quase totalmente ocupado por empresas multinacionais e a grande maioria delas é totalmente despreocupada com as questões ambientais e menos preocupadas ainda com o Brasil e a população brasileira. Se não bastasse isso, ainda temos essa mania terrível de achar que a economia é tudo. Em suma, aqui no Brasil, além de termos a infeliz mania de achar que a economia é, de fato, a única coisa importante para o país, ainda sofremos com a exagerada exploração dos recursos naturais e o desleixo das empresas multinacionais.

Assim, com essas condições funcionais e operacionais de nossa base econômica, associadas com essa mania inverídica da importância quase exclusiva de entender a economia como sendo o único mecanismo de avaliação do desenvolvimento, seguimos nosso triste caminho, quem nem Dom Quixote, na busca de dias melhores. É bom lembrar que essas condições estão tão arraigadas que lamentavelmente atingem tanto os dirigentes (governantes) nacionais, como a grande maioria das pessoas e por isso mesmo consistem claramente na raiz de nossa eterna dependência.

Um país que possui essas características básicas e ainda com essa população, de visão generalizadamente caolha, apresenta uma cultura que realmente não permite pensar que a Educação Ambiental seja realmente algo importante e necessário para melhorar o desenvolvimento e a qualidade de vida das pessoas. Há necessidade de mudar essa cultura, desqualificando esse pensamento errôneo e criando novas maneiras de pensar que produzam novos comportamentos e que possam gerar novas atitudes na população brasileira. Temos sim que colocar metas de Educação Ambiental e de Desenvolvimento Sustentável na vanguarda de nossas ações para que ocupemos o nosso devido lugar no cenário internacional.

Mas, como no momento presente, a sociedade brasileira infelizmente ainda não está preparada para entender a importância de determinados conceitos, os quais deveriam ser consequências de uma base sólida de Educação Ambiental, temos muito que trabalhar para mudar o quadro. Palavras e expressões como Sustentabilidade, Biodiversidade, Economia Verde, Desmatamento Zero e outras tantas, ainda soam de maneira destoante e ilógica na mente da maioria dos brasileiros e isso ocorre exatamente porque para a grande parte das pessoas essas palavras são menos importantes, porque na visão delas, os conceitos por trás delas não têm nenhuma relação próxima com a Economia Nacional, o que certamente é um grande equívoco.

Desta maneira, como será possível fazer Educação Ambiental no país, se o propósito da Educação Ambiental é exatamente ao contrário dos valores culturais estabelecidos na população e se os interesses desse tipo de modelo educacional são totalmente antagônicos aos interesses primários dos dirigentes e das próprias pessoas? Assim, acaba se falando muito de Educação Ambiental, mas se faz efetivamente muito pouco (quase nada) sobre essa proposta educacional. Embora haja alguns bons trabalhos na área, esses são pouco significativos perto da necessidade e assim, o tempo passa e a caravana segue praticamente do mesmo jeito. Mudar essa imagem conflitante é realmente uma tarefa bastante difícil, mas que precisa ser cumprida.

Temos uma Constituição Federal que determina a Educação Ambiental como mecanismo obrigatório e orientador das atividades formadoras básicas na área ambiental. Entretanto, por outro lado, desenvolvemos uma ação efetiva que contradiz aquilo que a Constituição preconiza. Quer dizer, existe um grande contrassenso entre o que a diretriz legal maior do país propõe e aquilo que na realidade se aplica. Em contra partida, o mundo civilizado e os países desenvolvidos, cientes da necessidade da Educação Ambiental e clamando por melhor maneira de tratamento planetário, atua prioritária e exatamente nessa área, tentando orientar e criar melhores mecanismos e soluções ambientais, pelo menos no âmbito de seus respectivos territórios. Enquanto isso, aqui no Brasil, nós continuamos brincando de fazer Educação Ambiental e permitindo que muitas multinacionais, principalmente aquelas ligadas ao setor primário, façam o que quiserem do ponto de vista ambiental.

A Legislação Brasileira é muito boa, ouso dizer que talvez seja a melhor do mundo, no que diz respeito à área ambiental, porém, a nossa cultura de que “algumas leis pegam e outras não”, nos condiciona à eterna dependência do Poder Judiciário capenga (na verdade totalmente paralítico) que o país possui e que simplesmente não funciona. Assim, temos a necessidade premente de criarmos a prática efetiva de cumprir a lei, sempre priorizando o interesse maior da comunidade e deixar de lado esse “faz de contas legal” em que vivemos, mormente na área ambiental.

O caso recente da SAMARCO, que produziu o lamentável evento em Mariana/MG, retrata muito bem o que foi dito acima e que costumeiramente acontece em nosso país. A SAMARCO é uma empresa de Mineração, ligada diretamente a duas mega multinacionais do setor e que historicamente têm feito coisas erradas e não se preocupam muito em cumprir a legislação, aqui no Brasil. De repente ocorreu um grave problema e aí se descobriu que, de acordo com os preceitos legais, tudo estava errado há muito tempo e que essa é só uma pequena questão, apenas a ponta do iceberg e que obviamente trouxe consigo uma série de outros problemas muito maiores.

Mas, o que a legislação diz a esse respeito que a SAMARCO e tantas outras não cumprem? A legislação diz exatamente tudo o que a SAMARCO não fez e que a maioria das empresas do setor minerário também não fazem. Por sua vez, a população também não sabe e infelizmente nem quer saber o que a legislação diz, até ocorrer o grande problema, como aconteceu. A partir daí a coisa muda. Depois do problema estabelecido, isto é. depois que o leite foi derramado, é que se quer impedir o seu derramamento. Ora, isso é fisicamente impossível.

Então se começa a discutir outras coisas, que não são o problema em si, como, por exemplo: que coisas que deveriam ter sido feitas e que não foram? Quem vai pagar o quê a quem? Por que alguém tem pagar alguma coisa? Quanto e quando alguém tem que pagar? Mais uma vez só se pensa em economia (dinheiro). Enfim, nenhuma dessas coisas, principalmente dinheiro, resolve o problema depois dele já ter ocorrido, quando muito essas coisas podem servir como mecanismo para calar a boca de alguns e para que as coisas erradas continuem acontecendo. Tem um ditado muito antigo que diz: “prevenir é melhor do que remediar”, mas aqui no Brasil prevenção, embora esteja na lei, na prática não existe.

Passa o tempo e todo mundo se esquece, com aconteceu com a Vila Socó, em Cubatão/SP (1984), na Baia de Guanabara/RJ (2000), em Cataguases/MG (2008), São Sebastião/SP (2013), só para citar alguns e fica assim até que outro problema apareça. Essa situação viciada precisa ter fim e isso pode ser conseguido facilmente, com efetiva educação ambiental e naturalmente com cumprimento da legislação.

Assim, voltamos a nossa questão inicial, precisamos de Educação Ambiental, mas também precisamos aprender a cumprir as leis, além de fiscalizar e denunciar quem não as cumpre. Precisamos nos informar melhor sobre as potencialidades dos danos ambientais e sociais produzidos pelos setores primários e secundários da produção, principalmente pelas atividades ligadas à mineração.

Bem, depois de tantos esclarecimentos preliminares sobre esta problemática, que é de fato bastante confusa, fica a seguinte pergunta: como deveremos fazer para tentar solucionar essa situação e começar a resolver os problemas?

Acredito que primeiramente haja necessidade de informar os riscos efetivos produzidos pelas diferentes atividades antrópicas e a partir daí elaborar os planos de educação ambiental que viabilizem prioritariamente orientar as ações preventivas e secundariamente as ações corretivas. Por outro lado, também é fundamental obrigar e acompanhar as empresas dos setores interessados na produção de seus programas de prevenção, de fiscalização e de controle de suas atividades. Infelizmente na nossa cultura, sem fiscalização ninguém faz nada.

Com a tradição brasileira é de país pouco industrializado e de base agrícola, a Educação Ambiental tem que se implantar sobre os aspectos agropastoris e minerários incialmente e crescer a partir dessas possibilidades. A população brasileira necessita saber, de fato, sobre os riscos ambientais que está correndo, quando desmata uma área natural, cultiva um solo, planta determinada cultura agrícola, introduz um determinado fertilizante, aplica certo agrotóxico e principalmente quando extrai um mineral qualquer e acumula os rejeitos da extração. Além disso, também é necessário que se invista em orientar a população sobre as vantagens, as desvantagens e os possíveis riscos de cada um dos aspectos citados e também sobre a legislação relacionada com os mesmos.

Enquanto a população continuar totalmente alheia e desinteressada sobre essa realidade, certamente não haverá um progresso efetivo nos mecanismos de Educação Ambiental e consequentemente também não haverá condições do país prosperar de maneira responsável e sustentável, tratando melhor os seus espaços ambientais e sua população. Particularmente as comunidades mais próximas de cada empreendimento, devem estar bem informadas e conscientes do que estão sujeitas.

É preciso que as verdades sejam ditas no que se refere as ações dos governos e dos empresários dos setores da agricultura e da mineração e de suas respectivas posturas, quase sempre contrárias ao interesse ambiental e a proteção da natureza. A população brasileira precisa saber que de um modo geral, os governos em todas as esferas do Poder e os produtores agrícolas e mineradores, por conta de seus respectivos interesses corporativistas, egoístas e imediatistas, além do pouco interesse ambiental, estão mais afim de burlar a legislação e enganar a população para ganhar mais dinheiro, do que trabalhar para garantir a qualidade ambiental e a sustentabilidade dos seus próprios empreendimentos agrícolas e minerários.

Os trabalhadores dos diferentes setores agrícolas, os mineradores e os demais segmentos da população do entorno dos grandes empreendimentos do setor primário da produção, precisam estar efetivamente informados sobre todos os procedimentos e sobre toda a legislação ambiental que se relaciona com o empreendimento. O Código Florestal e o Código de Mineração precisam ser conhecidos de toda população brasileira. As medidas compensatórias e mitigadoras e mesmo as maneiras de inviabilização de alguns projetos precisam estar presentes na educação básica e na formação dos cidadãos, para que eles possam conhecer, opinar, discutir e até decidir sobre essas atividades e as consequências de seus riscos potenciais.

Apenas dessa maneira é que estaremos realizando a verdadeira Educação Ambiental que o país tanto precisa e que poderá transformar a população brasileira, enquadrando cada setor dentro das devidas possibilidades legais, mas preservando suas necessidades e ampliando a capacidade de produção e de controle das diferentes atividades. Por mais que a produção agrícola e minerária sejam importantes e necessárias, do ponto de vista econômico, a educação ambiental pode, deve e tem que ser a mola mestre que poderá trazer dias melhores ao Brasil no futuro. Mas, é preciso que se queira realmente que isso aconteça e que se invista profundamente nisso. Para tanto, há necessidade de estabelecer Programas de Educação Ambiental específicos para as diferentes áreas, localidades, culturas florestais, tipos de minérios.

A Educação Ambiental tem que ser muito séria e tem que estar realmente adaptada ao ambiente a que se propõe, pois do contrário continuará sendo uma falácia que continuará fazendo pouca diferença no contexto real e na necessidade do país e da população brasileira. Urge que as autoridades constituídas se tiverem verdadeiro interesse no país e no seu desenvolvimento sustentável, passem a se manifestar ativamente, definindo critérios claros e atuando mais abertamente nessa direção.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (59) é Biólogo, Professor, Pesquisador, Escritor e Ambientalista

 

in EcoDebate, 08/02/2016

Responsabilidade e foco – Meio ambiente e sociedade


Inseridos em um grupo de organizações preocupadas com o bem-estar social e a preservação do meio ambiente e visando realizar projetos diretamente relacionados a estes valores, a Ejel – Consultoria e Projetos Elétricos Jr. criou, dentro da sua gestão, o Núcleo de Responsabilidade Socioambiental (Núcleo RSA). A Ejel é uma associação civil com fins educacionais, formada por graduandos em engenharia elétrica pela UFSJ, que realiza serviços de consultoria e projetos pertinentes à Engenharia Elétrica. A partir de um projeto trainee da empresa, em 2012, a ideia de criação do núcleo foi lançada e, com a gestão 2013 definida, foi finalizada e consolidada.

O núcleo possui, desde o ano passado, duas diretrizes de atuação: sociedade e meio ambiente. Uma parceria com a APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) de São João Del Rei-MG foi instituída, visando a capacitação dos integrantes da associação e trazendo novas perspectivas de atuação no mercado para os mesmos, inclusive. A APAC realiza um projeto de extrema importância, de reinserção do condenado na sociedade e a parceria com a Ejel trouxe excelentes oportunidades para ambos os lados. Estar em contato com realidades diferentes nos torna pessoas melhores, capazes de conviver com as diferenças e respeitá-las. Foi realizado um minicurso na área de Instalações Elétricas, onde houve uma grande troca de experiências entre todos, provando que a integração no mercado pode ocorrer através de pequenas ações locais, desde que se tenha um ideal.

O elo com a APAC ainda é mantido, e pretende-se estendê-lo através de novos treinamentos, focando outros tipos de capacitações dentro da área de atuação.

Visando minimizar os danos ao meio ambiente, pelo descarte inadequado de eletrônicos e outros componentes, o núcleo criou formas alternativas de recolhimento deste tipo de material. Pontos de coleta foram espalhados pelo campus da UFSJ, no qual localiza-se a empresa, contribuindo assim para a coleta de lixo eletrônico em São João Del Rei. Já neste ano, com os resultados obtidos no ano passado e a expansão do núcleo, notou-se a viabilidade de expandir os pontos de coleta para toda a cidade.

Mas o que fazer com todo o lixo eletrônico coletado? Há um espaço apropriado na universidade para armazenamento, e que atualmente está sendo transferido para outro local. Visando a criação de um laboratório, onde possa ser realizada a triagem do material recolhido e, então, parte dele ser destinado à criação de kits didáticos, visando capacitações futuras.

Pretendendo consolidar ainda mais os projetos já existentes,  a empresa conta com mais colaboradores presentes no núcleo, e dois coordenadores gerais, com a autonomia para direcionar e propor novas ações.  Há muito o que crescer e oportunidades não faltam.

1º treinamento de instalações elétricas ministrado pela Ejel na APAC

 

 

 

 

 

    

 

 

 

Após este tempo, o núcleo é extremamente importante dentro da empresa e para toda a região na qual estão inseridos. Através das atividades, conseguiram muita prospecção da marca além de retornar à sociedade ações de inclusão e capacitação, promovendo conceitos como sustentabilidade, empreendedorismo, aliados aos conhecimentos técnicos em Engenharia Elétrica. Hoje em dia, discute-se muito sobre a responsabilidade socioambiental, mas através do núcleo a empresa afirma que pequenas ações locais podem fazer, e muito, a diferença.

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Para superar a sociedade do lixo e desperdício


Por Antonio Martins, do Outras Palavras

Um júbilo talvez precipitado espalhou-se, há três anos, entre os que lutam para que o Brasil combata a cultura do lixo e do desperdício. Aprovou-se, após duas décadas de lutas, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Alcançaram-se conquistas importantes – a substituição dos “lixões” por aterros sanitários está em curso. Mas muitos se esqueceram do principal. Aquela vitória era apenas o primeiro passo para a urgente (e já muito atrasada) adoção de políticas efetivas de reciclagem e reaproveitamento.

O economista Ricardo Abramovay acaba de lançar  um livro,com Juliana Simões Speranza e Cécile Petitgand , o Lixo Zero1. A obra lembra que, em termos gerais, o país gera um volume imenso e desnecessário de detritos, que emporcalham as cidades e a natureza, e desperdiçam vasta riqueza, contida no que é tolamente descartado.

Muito além do diagnóstico, o livro vai à busca das causas e saídas. Falta estabelecer efetivamente no Brasil, diz Abramovay, o princípio do poluidor-pagador. Só ele será capaz de desarmar uma cadeia de irresponsabilidade cujas consequências sociais e ambientais são indesejáveis.

Abramovay explica: os custos do processo de reaproveitamento de materiais (separação, coleta, transporte, reaproveitamento) não podem continuar despejados sobre as costas do setor público. Do contrário, a limpeza pública será sempre ineficiente: o volume de lixo produzido por fabricantes e consumidores crescerá rápida e incessantemente.

O caminho é cobrar o setor privado. Do ponto de vista ético, significa responsabilizar quem suja por limpar. Em termos de eficiência, é o único caminho para pressionar os produtores a adotar práticas e métodos mais limpos. Um punhado de setores – pneus e óleos combustíveis, por exemplo – alcançou índices autos de reaproveitamento, mesmo para padrões internacionais. Em outros – eletrônicos, pilhas, lâmpadas –, o trabalho começa.

Mas a própria PNRS é omissa em relação a algo decisivo: as embalagens. Isso permite a inúmeros setores optar pelo descartável (por exemplo, as garrafas pet que infestam e entristecem a paisagem dos rios), onde a alternativa do reaproveitamento (garrafas de vidro retornáveis) seria plenamente viável e já foi usada no passado.

Obrigar os poluidores a pagar inclui reabrir debates-tabu – por exemplo, sobre a justiça e o papel pedagógico das taxas do lixo. Além disso, abre espaço para importantes avanços sociais. Pois permitirá ao poder público, por exemplo, remunerar os catadores pelo trabalho de limpeza urbana que executam. Estas dezenas de milhares de brasileiros, cuja renda parca provém hoje apenas do que coletam e vendem, não têm hoje condições práticas de recolher, por exemplo, vidro e papel – cujo preço de mercado é irrisório.

                     

Segue a entrevista com Ricardo Abramovay, concedida ao site Outras Palavras:

No debate público, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) é vista quase sempre como um grande avanço – ainda mais por ter sido concebida por meio de debate amplo entre governo, sociedade civil e empresas. Mas o livro que de que você é co-autor toca numa ferida importante: passam-se os anos e o país parece avançar muito pouco na reciclagem, na valorização dos catadores e na recuperação das riquezas contidas no lixo. Quais as razões para isso?

De fato o País avançou muito mais na redução dos lixões do que na transformação dos resíduos em base para a produção de nova riqueza. Hoje quase 60% dos resíduos vão para aterros sanitários. Em 2007, esta destinação não chegava a 40% do que era gerado. O que ainda vai para os lixões e sua forma um pouco menos nociva que são os aterros controlados é gigantesco e representa um desafio extraordinário. Esta destinação absurda marca, sobretudo, os pequenos municípios e as regiões mais pobres do País e só poderá ser suprimida se houver consórcios entre municípios para organizar a coleta e a destinação dos resíduos. Mas mesmo que se resolva esta questão elementar, básica, de saúde pública, resta o mais importante: a maior parte do remanescente do consumo dos brasileiros não é reutilizada como riqueza. Que os resíduos dirijam-se a aterros sanitários, é melhor do que mandar estes materiais para lixões. Mas o mais importante não é isso.

Ao longo do livro, vocês parecem insistir na efetivação de um princípio, sem o qual as políticas de sustentabilidade relacionadas ao lixo seriam inefetivas: a noção de poluidor-pagador. Por que ela é tão importante?

A PNRS está inspirada numa sequência muito construtiva. Seu ponto de partida é e só poderia ser de natureza ética. O valor do qual tudo depende é (para usar uma expressão aplicada na política pública japonesa) a emergência de uma sociedade saudável do ponto de vista do ciclo de vida dos materiais que utiliza, ou seja, o contrário do que prevalece hoje. Deste valor, decorre um princípio: o princípio do poluidor pagador.

Os resíduos (inevitavelmente inerentes aos bens e serviços que a sociedade consome) não podem emporcalhar as ruas, os rios, o mar e o ar, mas, mais que isso, eles devem ter uma destinação que permita sua reinserção em novos ciclos produtivos, convertendo-se em fontes de nova riqueza e não em base para a destruição dos ecossistemas. Para isso, é necessário que todos os responsáveis por sua geração paguem para que esta recuperação seja levada adiante, sobretudo, quem fabrica ou importa o produto. E claro que isso será repassado para os preços e, portanto, para os consumidores.

Definidos estes valores e este princípio, é fundamental que a política tenha objetivos: no caso brasileiro, além de passar a uma sociedade de reciclagem e estimular que a concepção dos produtos incorpore esta opção social, é fundamental o objetivo de valorizar o trabalho dos catadores de resíduos sólidos, modernizando suas formas de atuação. Um objetivo que muitos municípios no mundo hoje definem (São Francisco, por exemplo) é lixo zero, o que inspirou o título de nosso livro. Dos valores, dos princípios e dos objetivos decorrerão estratégias (que deveriam materializar-se nos Planos estaduais e municipais de resíduos sólidos), táticas com a organização imediata da coordenação dos atores voltados ao cumprimento dos objetivos estabelecidos e, por fim, métricas capazes de avaliar como este conjunto funciona. Esta ordem é fundamental e seu ponto de partida é de natureza ética, são valores que a sociedade deve discutir e pelos quais ela vai optar.

Na apresentação do livro, vocês afirmam que o princípio do poluidor-pagador está diluído na Política Nacional de Recursos Sólidos. Ela não definiria eficazmente a relação de responsabilidades entre empresas e municípios e, ao mesmo tempo, estaria à espera de definições complexas no interior das cadeias produtivas. Poderia desenvolver mais estas insuficiências?

Os países e os setores econômicos que estão conseguindo reduzir a produção de resíduos e aumentar sua taxa de reciclagem são aqueles que adotaram o princípio da responsabilidade estendida do produtor. O produtor ou o importador (e não o serviço de limpeza pública) é que paga para que se retirem das ruas os resíduos decorrentes do consumo daquilo que ele ofereceu. Isso já se faz no Brasil com pneus, baterias automotivas, óleos combustíveis e suas embalagens e embalagens de agrotóxicos. O Brasil tem excelente desempenho, como mostramos no livro, nestes setores. O setor privado é que concebeu, construiu e hoje paga pela logística reversa, ou seja, pelo recolhimento e o reaproveitamento de cada um destes produtos.

No caso dos pneus, por exemplo, eles hoje são um importante componente na produção de cimento e entram na produção de asfalto. E não são as prefeituras, nem os Estados nem o Governo Federal os que pagam por isso. São as empresas. A lei diz que este princípio deve reger a logística reversa não só destes produtos, mas também de pilhas, lâmpadas e eletroeletrônicos. A dificuldade é que contrariamente àqueles anteriormente citados, o descarte de pilhas, lâmpadas e eletrônicos é muito mais descentralizado, depende do que acontece em cada domicílio. Mas a lei determina que o setor privado organize o sistema de coleta e destinação adequada destes produtos.

Ficou, entretanto um segmento fora desta determinação: é o de embalagens. Neste caso, a lei diz que os fabricantes e importadores levarão uma proposta ao Governo Federal e caberá a este dizer se a proposta é ou não razoável. Se não for razoável, a lei dá ao Governo o poder de determinar como a coleta e a reciclagem das embalagens deverá ser feita.

Parece haver um entrave político severo ao estabelecimento do princípio do poluidor-pagador, no Brasil. As medidas de responsabilização do consumidor final pela separação e reciclagem de seu lixo são combatidas ferozmente pela maior parte da mídia e dos políticos e acabam rejeitadas. É o caso da taxa do lixo, que a prefeitura de SP tentou implantar. Como romper este impasse?

Exatamente aí entra o segundo obstáculo que enfrenta a emergência de uma sociedade saudável sob o prisma de seu ciclo de materiais. Cada vez que se fala que o consumidor tem que pagar, isso aparece como extorsão. A supressão da taxa do lixo foi uma das mais irresponsáveis medidas já tomadas no âmbito das políticas públicas. Não conheço nenhum especialista no tema que aprove esta supressão. Ela cria a ilusão de que retirar o lixo da frente da casa das pessoas é gratuito. Pior: ela impede o estabelecimento de políticas que beneficiem os domicílios e os condomínios com uma gestão adequada e que punam os que têm gestão imprópria.

Mas, além disso, existe o mito de que é injusta a incorporação dos custos da coleta e da destinação adequada dos resíduos aos preços. Acreditar nisso é perpetuar o regime de preços mentirosos de nossa vida econômica, em que não pagamos por um imenso conjunto de custos ligados ao que consumimos. Nós pagamos o que é coletado na frente de nossos domicílios (só que hoje isso se esconde no carnê do IPTU) e nós pagamos pela destinação incorreta destes resíduos sob a forma de ruas sujas e desperdício de materiais que poderiam voltar a fazer parte da riqueza social e são simplesmente desperdiçados.

O Brasil, em tempos de muito menor consciência ambiental, já conviveu com práticas importantes de reaproveitamento: por exemplo, a que vigorou por muito tempo na reutilização de garrafas de vidro, para refrigerantes e cerveja, e foi abandonada após a introdução da lata de alumínio. Se temos ao menos vestígios da cultura de reaproveitamento, que impede um debate mais amplo sobre medidas que restabeleçam esta prática, punindo financeiramente o consumidor que não reaproveita embalagens?

Há dois obstáculos importantes, no que se refere aos atores privados, para que deixemos de ser uma sociedade do jogar fora. O primeiro refere-se às empresas: no setor de embalagens, que responde por parte muito importante daquilo que hoje vai para o lixo. O setor privado, no que se refere a embalagens, está muito aquém daquilo com o qual já se compromete há anos em países desenvolvidos, onde as empresas assumem os custos da coleta seletiva. Na União Europeia isso acontece já há vários anos e explica que aí estejam os países de melhor desempenho na gestão dos resíduos.

A grande novidade, neste sentido, é que grandes empresas globais como a Coca-Cola e a Nestlé Waters aderiram à ideia de responsabilidade estendida do produtor nos Estados Unidos. Os americanos, até hoje, estão em último lugar, entre os países desenvolvidos, em matéria de coleta e reciclagem. Foi formada, ano passado, uma ONG chamada Recycling Reinvented, da qual faz parte Robert Kennedy Jr. e que chegou à conclusão que se a coleta seletiva depender de dinheiro dos municípios ela não vai acontecer nunca, na escala compatível com o aumento constante do consumo.

Portanto, as empresas é que devem organizar e assumir os custos desta coleta. A adesão de dois gigantes globais (Coca-Cola e Nestlé Waters) a esta ideia é altamente promissora. Falta agora que isso se aplique também aos países em desenvolvimento.

Vocês se referem diversas vezes às políticas que, em diversos países, estimulam a separação e reciclagem do lixo, estabelecendo taxas de coleta e reduzindo-as, para premiar os cidadãos que tratam devidamente seus resíduos. Pode dar exemplos concretos sobre estas políticas?

Os países que conseguem reduzir seus resíduos e ampliar sua reciclagem (os mais importantes são os quinze mais ricos da União Européia) obedecem a quatro parâmetros fundamentais. Em primeiro lugar, o produtor e o importador é que pagam pela coleta e destinação correta dos resíduos. Na Europa, isso ocorre com o Ponto Verde. Isso quer dizer que cada empresa vai atrás dos resíduos do que oferece? Claro que não e isso nos leva ao segundo parâmetro: as empresas foram organizações privadas sem fins lucrativos ou públicas e não estatais que organizam e respondem pelo funcionamento deste sistema. E o consumidor?

O terceiro parâmetro é que o consumidor paga tanto a taxa de lixo como é estimulado e orientado na separação correta dos materiais que irão para a reciclagem. Não basta se queixar que as pessoas são descuidadas ou que não têm consciência ambiental. É preciso orientá-las muito especificamente sobre a destinação a ser dada a cada tipo de material.

Quem faz isso e quem paga para que isso seja feito? São e tem que ser as empresas, pois a renda que elas obtêm com aquilo que vendem é indissociável das embalagens em que seus produtos são oferecidos. O Ponto Verde, na Europa investe em publicidade para orientar e educar o consumidor. Por fim, quarto parâmetro, o Estado tem papel decisivo: ele não só fiscaliza, como estabelece metas a serem obedecidas por estas organizações privadas. No início do milênio a União Européia impôs a coleta e reciclagem de quatro quilos per capita de produtos eletrônicos por parte de fabricantes e importadores. Hoje este montante já está em vinte quilos per capita.

Vocês também lembram que o Brasil, embora, em termos globais, recicle pouco, destaca-se positivamente no reaproveitamento de alguns materiais – por exemplo, o alumínio. De que maneira estimular estas pequenas conquistas, e o que isso tem a ver com medidas concretas de valorização dos catadores.

O trabalho dos catadores é fundamental, mas ele não faz do Brasil uma sociedade de reciclagem. Sem os catadores a situação das ruas seria muito pior do que já é, em matéria de lixo. Mas os últimos trabalhos do IPEA mostram que nós desperdiçamos parcela imensa de uma riqueza que poderia ser reutilizada. A estimativa do IPEA é que isso corresponde a R$ 8 bilhões por ano.

É fundamental rever a maneira como se remunera o trabalho dos catadores. Esta remuneração não pode depender apenas da venda do que eles coletam. Alguns dos materiais recolhidos têm valor e uma demanda forte (é o caso das latinhas). Outros têm baixo valor, mas mesmo assim, é importante que eles retirem estes materiais das ruas e os destinem à reciclagem. Quando o fazem, estão prestando um serviço ambiental que deve ser remunerado e que não se confunde com aquilo que obtêm pela venda de seus produtos.

Embora relevante, do ponto de vista cultural e social, o trabalho dos catadores parece muito insuficiente, diante dos imensos volumes de lixo não reciclado no Brasil. Não seria a hora de passar de uma visão romântica sobre o catador para políticas que de fato ampliem o alcance de seu trabalho – entre outras, a remuneração pelo poder público do serviços prestados por eles e o estímulo a cooperativas, à mecanização e à mudança de escala de seu trabalho?

Hoje os próprios catadores encaram sua atividade, cada vez mais, como negócio. Claro que existe um imenso e majoritário contingente que vive e trabalha em condições indignas. Mas aqueles que conseguem organizar suas atividades como negócios, estabelecer alianças com vários tipos de organização e afirmar o interesse público do que fazem, mostram um promissor caminho para o futuro.

A Bolsa Verde do Rio de Janeiro, por exemplo, tem nos catadores um pilar decisivo de sua iniciativa de crédito de logística reversa. A ideia é que as empresas, ao colocarem um produto no mercado, devem comprar um crédito que corresponde ao certificado de que alguém (alguma organização) garante que aquele produto será coletado e destinado de forma adequada. Vale a pena ver, em vídeo, a explicação em seis minutos sobre como funciona este mecanismo.

Você destaca a importância de combater a obsolescência programada. De que maneira fazê-lo estabelecendo, também aqui, o princípio do poluidor-pagador. Não seria possível incorporar ao preço de produtos como eletrônicos e eletrodomésticos um imposto ambiental pago pelo consumidor e restituído em valores crescentes, à medida que os diluído ao longo do tempo, à media em que o uso se prolongasse?

Os mecanismos são vários. O importante são duas coisas. A primeira é que, no caso de produtos eletrônicos, pilhas e lâmpadas, eles não podem ser coletados por catadores, pois muitas vezes contêm elementos tóxicos que exigem manuseio especializado. Mas é fundamental organizar um sistema que estimule sua devolução pelo consumidor e não basta simplesmente dizer que num bairro distante de onde o comprador mora o produto pode ser recebido. A descentralização tem que ser muito forte.

O segundo ponto a sublinhar aí é que a grande inovação, nesta área, é que o design de produtos eletrônicos, de uns dez anos para cá, vem incorporando a destinação correta dos resíduos. Isso não ocorria quando estes produtos eram fundidos em plataformas quase inacessíveis às possibilidades de reciclagem. Hoje a desmontagem ativa é uma das áreas mais importantes do design industrial, pois exige que o fabricante conceba o produto tendo em vista a revalorização, depois de seu uso, dos materiais de que ele é composto. Isso já ocorre com computadores, celulares, cadeiras e materiais de construção, onde o conceito de demolição vai sendo substituído pelo de desconstrução, o que supõe conceber as edificações já no horizonte de reutilização futura inteligente e valorativa dos elementos que a formam. Vale muito a pena ver o recente relatório da Fundação Ellen Macarthur sobre este tema.

Três anos após a aprovação da lei que instituiu a PNRS, que ajustes você considera necessários e como eles poderiam se expressar no debate em torno das eleições de 2014?

O mais importante, do qual tudo, absolutamente tudo vai depender é responder a esta singela pergunta: quem paga a conta. Se isso for explícito e visível, as chances de que a capacidade inovadora do setor privado faça dos resíduos uma fonte de riqueza e estimule a transição da sociedade do jogar fora para a sociedade da reciclagem, estas chances serão imensas. Se continuarmos fingindo que as prefeituras terão capacidade de organizar e assumir os custos da coleta seletiva, continuaremos na condição de uma sociedade do desperdício, cujos espaços públicos serão cada vez mais sujos.

Fonte: Envolverde

Por que o Brasil não consegue determinar o lugar do indígena na sociedade


                                 

No imaginário do nosso Brasil brasileiro, índio fica bem numa foto exótica na Floresta Amazônica ou num livro romântico de José de Alencar.

A reportagem é de Léticia Duarte, publicada originalmente pelo jornal Zero Hora e reproduzida por CombateRacismoAmbiental, 18-05-2014.

Mas os conflitos recentes no norte gaúcho, que culminaram na morte de dois agricultores em uma área de disputa por terras com caingangues, voltaram a expor o dilema mais real e perverso de um país que há mais de 500 anos ainda tenta descobrir qual é o lugar dos povos indígenas nesta pátria nem tão gentil.

A realidade ecoou crua, com tiros, pedradas e pauladas. Dois irmãos abatidos no fim de abril ao tentarem furar o bloqueio de uma estrada em que indígenas protestavam pela demarcação de terras, na conflagrada Faxinalzinho, de 2,5 mil habitantes. Foi mais um capítulo em um cotidiano de tensão histórico, acirrado pelas oscilações do poder público na política de demarcação de terras em todo o território nacional.

Somente no norte do Rio Grande do Sul, são 14 focos de tensão por disputas territoriais, segundo estimativa doConselho Indigenista Missionário (CIMI) – e em pelo menos 10 Estados do país a situação é crítica. Em Mato Grosso do Sul, o mais violento foco de conflitos com o agronegócio da soja e da cana-de-açúcar, o número de mortes de indígenas já passa de 300 desde 2004.

Para o historiador da Faculdade Meridional (IMED) Henrique Kujawa, um dos autores do livro Conflitos Agrários no Norte Gaúcho: Índios, Negros e Colonos (Imed, 2013), as razões do tensionamento crescente recaem sobre nossa política indígena, historicamente contraditória.

No início do século 20, inspirado pela lógica positivista, o governo de Borges de Medeiros foi pioneiro na demarcação de reservas, instituindo 11 áreas indígenas no norte do Rio Grande do Sul. A partir dos anos 1960, no governo Brizola, as mesmas reservas foram partidas em lotes e vendidas para agricultores. A partir de 1988, a Constituição Federaldevolveu todas as áreas originárias aos indígenas, estipulando prazo de cinco anos para a regularização.

No Rio Grande do Sul, durante a década de 1990 foram restabelecidos os limites das áreas indígenas historicamente demarcadas, e os agricultores tiveram que sair das terras que haviam comprado nos anos 1960. Na última década, os indígenas passaram a reivindicar as terras ocupadas por agricultores no início do século 20.

– Tanto indígenas como agricultores ficam como ioiôs, jogados de um lado para o outro. É todo um conjunto de conflito pela posse das terras – observa Kujawa.

Por trás da hesitação dos governos em devolver terras hoje produtivas aos indígenas reside outro imbróglio: o embate entre o modelo desenvolvimentista e uma cultura ancestral que escapa a essa lógica. Assim, no Brasil com pretensões modernas, prevaleceu durante muito tempo a ideia de que o índio deveria ser eliminado ou incorporado à civilização.

– O índio que vive na oca é um espetáculo. Mas na medida em que chega perto, que começa a disputar espaço, vira um obstáculo que atrapalha. O Brasil tem essa obsessão desenvolvimentista que passa por isso, ver índio como atraso. Se chegar no Tocantins, por exemplo, e perguntar se ali tem índio, são capazes de dizer que não. Só diz que tem se não puder esconder – analisa o antropólogo Roberto DaMatta.

No confronto entre essas diferentes visões, o brasileiro se divide entre dois extremos. Em sua dissertação de mestrado em história pela Universidade Federal de Pernambuco, intitulada O Lugar do Índio: Conflitos, Esbulhos de Terras e Resistência Indígena no Século XIX: o caso de Escada-PE (1860-1880), o historiador Edson Silva lembra que, na época pós-independência, a imagem do índio foi utilizada como símbolo da nacionalidade deste Brasil emergente à procura de identidade, que tentava se libertar da imagem dos colonizadores portugueses, ganhando impulso épico com a literatura romântica.

Já a partir de meados do século XIX, com o afã progressista, propagou-se o discurso de que era preciso converter os “bárbaros” índios em “homens civilizados” – e seu não ajustamento à lógica capitalista teria levado os indígenas a serem tachados de preguiçosos, vagabundos. Hoje, o impasse permanece.

– O índio continua com uma representação folclórica e distorcida, que leva a muito preconceito. Temos uma relação esquizofrênica com os índios: se ele está na floresta, é selvagem, provoca medo. Se está no nosso mundo, não são índios. Hoje, segundo estimativas oficiais, 40% dos índios estão urbanizados, e isso significa repensar o lugar do índio na nossa sociedade. Mas ainda existe um não-lugar – analisa Edson.

À medida que o índio deixa de se enquadrar no estereótipo idílico, aumenta o discurso de culpabilização por estarem “aculturados”, como se, por usarem telefone celular ou energia elétrica, deixassem de ser índios. O que é considerado preconceito por estudiosos da cultura indígena.

– Ser índio é bem mais do que usar um cocar, é uma forma de entender o mundo. A gente come comida japonesa e não deixa de ser ocidental. Esse argumento de que eles não são mais índios serve para invalidar as reivindicações por terra, porque não seria culturalmente válido, e isso tem um fundo perverso, que anula a identidade do outro. NaConstituição está garantido que eles têm direito a terras, mas como se descaracteriza isso? Dizendo que não são mais índios – critica a professora Paula Caleffi, doutora em história pela Universidad Complutense de Madrid com tese sobre os índios guaranis.

Ao vincular os indígenas a uma ideia de passado, o país deixaria de enfrentar o tema como parte do presente e do futuro do país. Presos a chavões como a ideia de que o país dispõe de “muita terra para pouco índio”, por exemplo, perderíamos a oportunidade de discutir a distribuição da terra.

O pesquisador do Centro de Estudos Ameríndios da USP Spency Pimentel, professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), observa que 98,5% das terras destinadas para indígenas estão na Amazônia, enquanto 52% da população indígena vive fora dela – em 1,5% das áreas restantes.

– O país fez reforma agrária em terras indígenas, os povos não foram consultados. Existe esse problema político na democracia brasileira. Ainda hoje muitas políticas são impostas, não passam por diálogo com eles. É preciso criar esses esses espaços de diálogo – defende.

Em meio a tantas teses, quem ouve o que representantes indígenas têm a dizer pode se surpreender. Indígena munduruku e conselheiro-executivo do Museu do Índio do Rio de Janeiro, o escritor Daniel Munduruku, que tem mestrado em antropologia social e doutorado em educação pela USP, chega a questionar a própria definição de índio:

– Chamar alguém de índio é desqualificar seu pertencimento a uma humanidade que foi sendo construída ao longo de milhares de anos. Este é um termo que diminui, que vem sendo usado pelo sistema econômico para facilitar o estereótipo e assim construir uma imagem negativa da cultura indígena.

Creio que o grande papel dos indígenas na sociedade brasileira é manterem-se vivos para poder questionar o status quo que os quer destituídos de seus direitos básicos. O grande papel é mostrar que se pode ter tudo, sem deixar de ser o que se é.

Em pleno século 21, os índios ainda procuram seu quinhão na aldeia global.

Fonte: IHU – Unisinos

A COP21 e o pesadelo geracional


A COP21 e o pesadelo geracional, artigo de Lucio Carvalho

opiniao

 

[EcoDebate] Há dias que eu tinha em mente um spot que o Greenpeace produziu há alguns anos atrás, sobre as mudanças climáticas e que, ao som de Frank Sinatra cantando My Way, mostrava cenas de inundações, derretimento das calotas polares e outros efeitos visíveis do aquecimento global. Ao fim do spot uma pergunta sobrepunha-se às imagens: “Lembra como sua geração sonhava em mudar o mundo?” e, pouco antes do fim, a resposta: “Parabéns, vocês conseguiram.”

O clipe, no YouTube, pode ser visto aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=8FL2phXalpY

Hoje, percebi que a lembrança me vinha em mente, entre outras razões, em função do começo daCOP 21. E também porque, a despeito do tamanho exíguo, a mensagem do spot é mesmo impactante. Mas, antes de lembrar, estive como imerso numa espécie de pesadelo. Um pesadelo geracional.

O filme, mais claro impossível, depõe contra um sonho geracional deposto, talvez extinto já, de uma fatia da população que, chegando hoje aos 60 ou 70 anos, embalou-se no sonho hippie e contracultural de mudar o mundo e, passado esse tempo todo, eis que nada de se perceber as mudanças decorrentes de um novo modo de vida. Este projeto utópico dos anos 60, se um dia pensou-se revolucionário, acabou por revelar-se mera continuidade do modo de vida precedente de um modo geral no ocidente, nada além disso.

E então, pensando não nos termos de uma análise histórica, mas do mundo ao meu redor, é fácil perceber que o movimento geracional é contínuo e se a geração que viveu a Segunda Guerra Mundial e seus desdobramentos terríveis começa a deixar de existir e dar lugar às pessoas influenciadas pelo sonho de mudança dos anos 60, o legado destes sequer pode ser considerado melhor que o daqueles. Para comprovar isto, basta ver onde estão hoje, no Brasil mesmo, lideranças políticas que viveram no bojo daquele movimento, porque pensar em seu projeto de renovação social seria o mesmo que buscar uma agulha num palheiro, ou pior que isso, nos lamaçais da realidade, sem falar nos simbólicos.

E o pesadelo se torna mais assustador ao concluir-se que mesmo essas pessoas já começam a deixar o poder para outra geração e esta é composta por pessoas que nunca experimentaram os rigores de graves crises econômicas ou o pesadelo político de um regime opressivo, ou ainda a tarefa de reconstruir um mundo minado pela guerra. Seria possível imaginar que essa geração poderá efetivamente resgatar o saldo das anteriores? Mas, pensando-se em perspectiva, será que foram preparadas para isso? É muito difícil saber. O indubitável é que talvez não lhes reste alternativa e, caso tenham habilidade para engendrar relações mais harmônicas com o ambiente e com a sociedade, poderão realizar o que os que apenas sonharam deixaram de fazer ou postergaram. Talvez o façam justamente por ter de fazer, e não por sonhar. Seria uma solução pragmática, embora não se possa garantir que venha a funcionar. Talvez, mais que uma solução, seja uma esperança.

De outra sorte, ao pensar nisso fica claro que convivemos concomitantemente, de certo modo, com todas estas gerações. Confesso que tenho receio de que uma geração que usa mais tempo no Instagram que em bibliotecas e que encontra num clique qualquer informação mas sem ninguém saber ao certo se em condições de interpretá-la, dará conta ou até mesmo se é justo concentrar em seus ombros tal responsabilidade. Talvez, fazê-lo seria apenas adiar as soluções urgentes que o planeta demanda. Todavia, culpá-los por antecedência, porque o poder político ainda não encontra-se em suas mãos, é de uma vileza sem tamanho. A mim parece que, por depormos a falência de uma geração que se mostrou incapaz de engendrar um mundo melhor, não podemos por isso mesmo negligenciar de nossas responsabilidades. Este seria um comportamento a Pôncio Pilatos. E, convenhamos, é o que de menos precisamos.

Usar da consciência e partir racionalmente para soluções que envolvem o meio ambiente é fundamental, mas isso não deve partir de todos? Em caso contrário, como partiria justamente de quem ainda não tem meios de fazer as coisas e teve seu direito a sonhar um mundo diferente e que foi interditado precocemente pelo fracasso dos outros? Essa por óbvio que não é uma questão a ser debatida na COP 21 que começa agora, mas é a questão das questões para o nosso dia a dia e para o futuro dos que virão, do qual todos bem que poderíamos estar mais ocupados em colaborar ao invés de meramente despejar o fracasso anterior. Ou iremos, ao invés de dar continuidade ao sonho, propiciar condições para dar continuidade ao próprio fracasso?

Então, estou esperando pela continuidade do spot do Greenpeace, um que talvez fale sobre pessoas inocentes que podem tomar outros caminhos, mas desde que ninguém os vete antecipadamente.

Lucio Carvalho é autor de Inclusão em Pauta (Ed. do Autor/KDP), A Aposta (Ed. Movimento) e do blog Em Meia Palavra (http://emmeiapalavra.com ).

 

in EcoDebate, 02/12/2015

“Não é preciso crescer sempre para que a sociedade se desenvolva”.


Entrevista especial com Junior Ruiz Garcia

 

“Sendo a economia um subsistema aberto do meio ambiente, não há economia sem meio ambiente, já que toda produção econômica depende do fluxo de matéria e energia advinda do meio ambiente”, frisa o economista. 

A solução para o antagonismo entre os conceitos “desenvolvimento” e “sustentabilidade”, quando se trata de pensar um modelo econômico que proporcione desenvolvimento e preserve o meio ambiente, deve ser formulada pela Economia a partir de uma perspectiva econômico-ecológica. A sugestão é do economista Junior Ruiz Garcia, para quem “o desenvolvimento deve ser entendido como um processo de mudanças qualitativas na sociedade, que não necessariamente implicaria em crescimento econômico, entendido como aumento da produção de bens e serviços econômicos”. A concepção de sustentabilidade, de acordo com essa compreensão, “está relacionada ao conceito de ‘durabilidade ou continuidade’ ao longo do tempo. Dessa maneira, a sustentabilidade de uma sociedade dependerá basicamente da sua escala (tamanho físico), de sua estrutura de consumo de bens e serviços econômicos e da tecnologia disponível para produzir os bens e serviços econômicos, desde que respeite os limites biofísicos impostos pelo ecossistema global", esclarece Garcia na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line.

Segundo ele, o sistema econômico é um subsistema dentro do “sistema natural”, que sustenta a dinâmica econômica; portanto, “se a produção econômica de bens e serviços de uma sociedade respeita a limitação imposta pelo sistema, (…) essa sociedade seria sustentável”.

Garcia esclarece que a economia neoclássica ensinada nos cursos de Economia “entende o desenvolvimento sustentável como a manutenção do estoque total de capital de uma sociedade, sendo formado pelo capital feito pelo homem (inclui o capital físico, tais como máquinas e equipamentos, capital humano, capital social, etc.) e pelo capital natural (recursos naturais)”. A partir dessa lógica de capitais substitutos entre si, “a sustentabilidade do sistema econômico ou o desenvolvimento sustentável seria alcançado a partir da manutenção do estoque de capital total, independentemente de sua composição.

No limite, essa visão supõe que é possível a sociedade viver sem recursos naturais, já que os capitais são substitutos perfeitos! Na verdade, o capital feito pelo homem e o capital natural são complementares. Desse modo, sempre a sociedade precisará manter um estoque mínimo de capital natural, o problema é saber quanto”, salienta. Considerando as discussões acerca da escassez dos recursos naturais, o economista questiona: “Não deveríamos promover o crescimento nas regiões que realmente precisam de crescimento, como as regiões pobres? Será que as regiões desenvolvidas ainda precisam de crescimento econômico ou de uma melhor distribuição dos benefícios?”.

Junior Ruiz Garcia é graduado em Economia pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, mestre em Desenvolvimento Econômico Agrícola e Agrário pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente pelo Instituto de Economia da Unicamp. É pesquisador do Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental – NEEA do Instituto de Economia da Unicamp e do Núcleo de Economia Empresarial do Departamento de Economia da UFPR. Também leciona no curso de Ciências Econômicas, no Mestrado Profissional em Desenvolvimento Econômico e no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Econômico do Departamento de Economia da UFPR.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como conciliar os conceitos desenvolvimento e sustentabilidade, visto que para autores como Serge Latouche eles são incompatíveis?

Junior Ruiz Garcia – O desenvolvimento deve ser entendido como um processo de mudanças qualitativas na sociedade, que não necessariamente implicaria em crescimento econômico, entendido como aumento da produção de bens e serviços econômicos. A produção de bens econômicos necessariamente implica a retirada de recursos do sistema natural e a geração de resíduos, já que o sistema econômico é um subsistema aberto dentro do sistema natural. Um subsistema aberto significa que há troca de matéria e energia com o sistema, neste caso, a Terra. Nenhum subsistema pode ser maior que o sistema, ou seja, não é possível pensar em crescimento econômico infinito. Para ilustrar essa questão, veja a seguinte situação: em algum momento de nossas vidas (nós somos um subsistema aberto dentro do sistema maior, representado pela Terra) paramos de crescer em termos quantitativos (biológicos), mas não paramos o nosso desenvolvimento; sempre estamos adquirindo novos conhecimentos e experiências, nos tornando um indivíduo melhor (esperamos que isso sempre aconteça). O mesmo pode ocorrer com uma sociedade: não é preciso crescer sempre para que a sociedade se desenvolva.

Já a sustentabilidade está relacionada ao conceito de “durabilidade ou continuidade” ao longo do tempo. Dessa maneira, a sustentabilidade de uma sociedade dependerá basicamente da sua escala (tamanho físico), de sua estrutura de consumo de bens e serviços econômicos, desde que respeite os limites biofísicos impostos pelo ecossistema global, e da tecnologia disponível para produzir os bens e serviços econômicos. Se a produção econômica de bens e serviços de uma sociedade respeita a limitação imposta pelo sistema (representada por sua capacidade de provimento de recursos naturais e de assimilação dos resíduos), já que o sistema econômico é um subsistema, essa sociedade seria sustentável.

Contudo, no contexto atual, em que vivemos em um mundo com sete bilhões de pessoas e com uma estrutura de consumo intensiva em energia e matéria, não existirá compatibilidade entre desenvolvimento e sustentabilidade, a não ser que a sociedade empreenda uma mudança radical em sua estrutura de consumo e estabilize o crescimento demográfico.

 

“A abordagem acerca da sustentabilidade e da dimensão ecológica deveria ser tratada na dinâmica a partir de uma perspectiva transversal (transdisciplinar), e não como um apêndice”

IHU On-Line – É possível pensar desenvolvimento sustentável a partir de princípios econômicos?

 

Junior Ruiz Garcia – Como a teoria econômica tradicional ignora o sistema natural em suas análises e modelos teóricos, tratando a problemática ambiental a partir apenas da perspectiva de externalidades (efeitos positivos ou negativos não intencionais decorrentes da decisão de produção e consumo de um agente econômico sobre outros agentes que podem gerar uma perda ou um ganho no grau de bem-estar), que significa externo ao mercado, as externalidades são tratadas pela teoria econômica tradicional como uma exceção à regra.

Assim, o entendimento de desenvolvimento sustentável não cabe na teoria econômica tradicional, embora a economia tradicional neoclássica apresente um entendimento. A economia neoclássica, também conhecida como mainstream econômico, que é ensinada em praticamente todos os cursos de economia do mundo e é base para a tomada de decisão dos agentes econômicos, entende o desenvolvimento sustentável como a manutenção do estoque total de capital de uma sociedade, sendo formado pelo capital feito pelo homem (inclui o capital físico tais como máquinas e equipamentos, capital humano, capital social, etc.) e pelo capital natural (recursos naturais). Como essa escola supõe que esses capitais são substitutos perfeitos entre si, a sustentabilidade do sistema econômico ou o desenvolvimento sustentável seria alcançado a partir da manutenção do estoque de capital total, independentemente de sua composição.

No limite, essa visão supõe que é possível a sociedade viver sem recursos naturais já que os capitais são substitutos perfeitos! Na verdade, o capital feito pelo homem e o capital natural são complementares. Desse modo, sempre a sociedade precisará manter um estoque mínimo de capital natural, o problema é saber quanto.

IHU On-Line – As abordagens de desenvolvimento sustentável feitas a partir da perspectiva econômica e do mercado têm recebido críticas de ambientalistas e especialistas da área ambiental, porque têm uma perspectiva mercadológica. Como o senhor interpreta essa concepção de desenvolvimento sustentável?

Junior Ruiz Garcia – Como a teoria econômica tradicional entende a problemática ambiental a partir do conceito de externalidades e o desenvolvimento sustentável implica a manutenção do estoque de capital, a solução seria a internalização das externalidades ambientais na decisão dos agentes econômicos, ou seja, o mercado promoveria a alocação eficiente dos recursos naturais. Para internalizar as externalidades é preciso valorá-las já que elas são externas ao mercado, e aí que vem o problema, como valorar algo que não tem preço? Por exemplo, qual o valor da água, da floresta amazônica, do Rio Tietê, se eles são insubstituíveis, não têm direitos de propriedade definidos e ainda aportam à sociedade um conjunto de bens e serviços que em sua maioria também são insubstituíveis? Ou seja, o mercado por si só não tem condições de promover o desenvolvimento sustentável.

IHU On-Line – Que relações estabelece entre as discussões acerca do meio ambiente e a Economia?

Junior Ruiz Garcia – Sendo a economia um subsistema aberto do meio ambiente, não há economia sem meio ambiente, já que toda produção econômica depende do fluxo de matéria e energia advinda do meio ambiente. Algum bem ou serviço econômico pode ser produzido sem o uso de recursos naturais e sem a geração de resíduos lançados no meio ambiente?

IHU On-Line – Como a discussão acerca da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável deve ser abordada pela Economia?

Junior Ruiz Garcia – Deve ser abordada a partir da restrição absoluta imposta pelo sistema natural, já que a economia é um subsistema daquele. Desse modo, a dimensão ecológica estaria no centro da análise econômica, onde a economia deveria respeitar a capacidade de carga do sistema natural (escala), representada pelo provimento de recursos naturais e por sua capacidade de assimilação de resíduos. Nesta perspectiva, não há espaço, por exemplo, para a busca pelo crescimento econômico infinito como é defendido pela teoria econômica tradicional.

 

“O sistema natural sustenta a dinâmica econômica, sem o qual não existiria o sistema econômico”

IHU On-Line – Por que a discussão acerca do desenvolvimento sustentável não tem sido feita nos cursos de Economia?

 

Junior Ruiz Garcia – A discussão sobre o desenvolvimento sustentável tem sido realizada pelos cursos ou disciplinas de Desenvolvimento Econômico. O problema é que a discussão sobre o papel do sistema natural na dinâmica econômica tem estado ausente nos cursos de economia. Essa afirmação pode ser verificada ao consultar as grades dos principais cursos de Economia oferecidos no Brasil e no restante do mundo e pela bibliografia adotada por estes cursos — no máximo essa discussão é colocada em uma disciplina optativa ou nos últimos capítulos dos livros.

Assim, se houver tempo, o professor discutirá com seus alunos. Isso ocorre porque a principal base teórica (representada pela Economia Neoclássica) adotada pelos cursos de Economia trata a questão ambiental como uma subdisciplina dentro do ensino de Economia e da análise econômica. Por exemplo, no curso de Introdução à Economia, Macroeconomia e Microeconomia, que representam as bases teóricas para a formação do economista, o sistema econômico é visto como isolado do sistema natural, como se ele fosse o todo, o “Universo”, ou seja, não há meio ambiente. Nesta perspectiva, o sistema econômico não precisaria do meio ambiente! Embora exista na economia toda uma discussão sobre a relação entre o meio ambiente e o sistema econômico, levada a cabo pela Economia Ecológica, mas que está ausente dos cursos de economia.

IHU On-Line – Que papel o sistema natural assume na dinâmica econômica?

Junior Ruiz Garcia – O sistema natural sustenta a dinâmica econômica, sem o qual não existiria o sistema econômico.

IHU On-Line – E que papel ele poderia assumir a partir das discussões acerca da sustentabilidade?

Junior Ruiz Garcia – A abordagem acerca da sustentabilidade e da dimensão ecológica deveria ser tratada na dinâmica econômica a partir de uma perspectiva transversal (transdisciplinar) como destaca a Economia Ecológica, e não como um apêndice ou complementar à análise como tem sido apresentada pela Economia Tradicional.

IHU On-Line – É possível conciliar crescimento, desenvolvimento e preservação ao mesmo tempo?

Junior Ruiz Garcia – Não é que eu seja contra o crescimento econômico. Algumas regiões do mundo e do Brasil ainda precisam de crescimento para promover suas mudanças estruturais em termos qualitativos e de bem-estar. Por exemplo, para universalizar o acesso ao saneamento básico (captação, tratamento e distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto e dos resíduos sólidos) é preciso crescimento, porque implica o aumento da infraestrutura, a conversão de recursos naturais em bens econômicos. No entanto, quando os economistas falam em crescimento econômico, não importa o tipo de produto que será produzido.

Por exemplo, a produção de armas gera crescimento econômico, mas será que realmente aumenta o bem-estar das pessoas como faria a universalização do acesso à infraestrutura de saneamento básico?

Acrescento ainda os seguintes motivos para essa reflexão sobre o crescimento econômico. Primeiro, a sociedade está vivendo um contexto que chamamos de “mundo cheio”, em que o recurso escasso é o recurso natural; desse modo, não deveríamos promover o crescimento nas regiões que realmente precisam de crescimento, como as regiões pobres? Será que as regiões desenvolvidas ainda precisam de crescimento econômico ou de uma melhor distribuição dos benefícios? Segundo, a sociedade já viveu muitos períodos de crescimento e nem por isso conseguiu eliminar a pobreza no mundo; além disso, aumentou a degradação dos ecossistemas, veja os problemas relacionados com as mudanças climáticas induzidas pela aceleração do efeito estufa.

Terceiro, é impossível buscar o crescimento econômico infinito sendo o sistema econômico um subsistema do sistema natural; nunca um subsistema pode ser maior que o sistema que o sustenta.

IHU On-Line – Depois das crises financeiras de 2008, a Economia e os economistas receberam muitas críticas e ficaram até desacreditados por parte da população. A partir disso e também considerando as discussões acerca da sustentabilidade, há como pensar as questões socioambientais para além da Economia?

Junior Ruiz Garcia – Há, mas isso envolve uma profunda revisão das teorias econômicas e do ensino da Economia na graduação, em que a dimensão ecológica assumiria o centro dos modelos teóricos e da análise econômica.

 

Fonte: IHU – Unisinos

Confira 18 motivos para incentivar a agricultura urbana


Artigo da jornalista Claudia Visoni para o blog Simplesmente

Típico da nossa sociedade compartimentada, o viaduto é uma solução pontual e ineficiente para apenas um problema. Custa muito, em geral não resolve o congestionamento, mas consegue aniquilar a qualidade de qualquer espaço urbano. Uma horta comunitária em uma praça ou uma horta para comercialização nas zonas mais afastadas do centro representa o oposto: solução quase grátis, prazerosa e sistêmica para um montão de problemas. Senhores governantes: por que investir tanto em viadutos e tão pouco em agricultura urbana?

Quando comecei a plantar comida na cidade, só estava pensando no primeiro objetivo dessa lista. Aos poucos, fui descobrindo todos os outros. 

        

Benefícios ambientais

1. Menos pressão sobre os recursos naturais – Cada pé de alface produzido no quintal ou na horta da esquina dispensa espaço no campo, transporte e embalagem. Na verdade, no caso da hortaliça-símbolo da salada, até o método de colheita muda: você só retira da planta as folhas que vai consumir naquele momento e ela continua produzindo por mais alguns meses. É urgente que as populações urbanas reduzam a demanda sobre os recursos naturais, pois as cidades hoje ocupam 2% da superfície terrestre mas consomem 75% dos recursos.

2. Combate às ilhas de calor –  Áreas pavimentadas irradiam 50% a mais de calor do que superfícies com vegetação. Em São Paulo, a geógrafa Magda Lombardo constatou que a temperatura pode variar até 12 graus entre um bairro e outro. Não por acaso, a Serra da Cantareira e a região de Parelheiros são as mais frescas da cidade: é onde a vegetação se concentra.

3. Permeabilização do solo – Enchentes e enxurradas violentas são em parte resultado do excesso de pavimentação na cidade. E simples jardins de grama, onde o solo fica compactado, não absorvem tanta água quanto canteiros fofinhos das hortas.

4. Umidificação do ar – As plantas contribuem para reter água no solo e manter a umidade atmosférica em dias sem chuva.

5. Refúgio de biodiversidade – Nas hortas comunitárias recuperamos espécies comestíveis que se tornaram raras (como caruru, ora-pro-nobis, bertalha), plantamos variedades crioulas (as plantas “vira-lata” que têm maior variedade genética e por isso são mais resistentes às condições climáticas adversas) e atraímos uma rica microfauna, especialmente polinizadores como abelhas de diversas espécies, que estão em risco de extinção provavelmente pelo uso de agrotóxicos nas zonas rurais. Sou voluntária da Horta do Ciclista e testemunha de que as borboletas, joaninhas e abelhas aparecem em plena  Avenida Paulista quando plantamos flores e hortaliças.

6. Redução da produção de lixo – Os alimentos produzidos localmente não só dispensam embalagens (que correspondem à maior parte do lixo seco produzido) como absorvem grande quantidade de resíduo orgânico na fabricação de adubo e até materiais de difícil descarte como pneus e restos de madeira, que são usados na delimitação de canteiros.

7. Adaptação às mudanças climáticas – A emissão descontrolada de gases do efeito estufa está tornando o clima mais instável e imprevisível, o que é péssimo para a produção de alimentos. A agricultura urbana tem sido considerada uma importante alternativa para a segurança alimentar e existem estudos indicando que cerca de 40% dos alimentos podem ser produzidos dentro das cidades. 

 

Benefícios urbanísticos

8. Conservação de espaços públicos – Para explicar vou contar uma historinha: em 12 de outubro de 2012, quando fizemos o primeiro mutirão na Horta do Ciclista encontramos no local muito lixo, cacos de vidro e até fezes e seringa usada. A partir do momento que começamos  a cuidar daquele canteiro, a população passou a respeitar. Não houve depredação nem mesmo durante as grandes festas e manifestações que têm acontecido na Avenida Paulista.

9. Redução da criminalidade – Uma horta necessita de cuidados diários e se torna um local muito visitado. Famílias com crianças pequenas gostam de freqüentá-las, assim como velhinhos, grupos de estudantes e um monte de gente bem intencionada em busca de uma canto pacífico na urbe. O clima comunitário naturalmente afasta quem está pretendendo cometer atos ilícitos. No Brasil ainda não há estimativas sobre isso, mas nos Estados Unidos vários estudos já foram feitos, alguns deles citados nesse artigo http://www.motherjones.com/media/2012/07/chicago-food-desert-urban-farming.

10. Vida local – Um dos problemas das grandes cidades, particularmente de São Paulo, é o excesso de deslocamentos numa malha viária sobrecarregada. A agricultura – seja ela praticada como forma de lazer, trabalho comunitário ou profissão – fixa as pessoas no território diminuindo a demanda por transporte.

11. Contenção da mancha urbana – Se há incentivo para a produção agrícola nas franjas das cidades e a atividade se combina com turismo rural, diminui a pressão para desmatar e lotear.  Mas esse benefício a população e os agricultores não conseguem manter sem o apoio do poder público.

 

Benefícios sociais e pessoais

12. Renascimento da vida comunitária – As hortas promovem a integração entre pessoas de diferentes idades, origens e estilos de vida. Assim como os cachorros, são mediadores sociais muito eficientes. Não falta assunto quando há tanta coisa a admirar, tanta tarefa a compartilhar, tanta dica e receita a trocar.

13. Lazer gratuito – Plantar custa praticamente nada. É divertido, um bom pretexto para juntar os amigos e fazer um lanche comunitário e ainda dá para levar umas verduras para casa sem pagar.

14. Mais saúde – Agricultura é exercício e cada pessoa regula a intensidade. Do tai-chi-chuan contemplativo de joaninhas ao aero-power-enxadão, tem ginástica para todos os gostos. Além disso, mexer com a terra é terapia preventiva e curativa de depressão, ansiedade, adicção, sedentarismo, obesidade, entre outros problemas, sobretudo mentais. E nesse item tem até pesquisa brasileira para comprovar. A autora é Silvana Ribeiro, da Faculdade de Saúde Pública da USP.

15. Educação ambiental na prática – Ver de perto o desenvolvimento das plantas, da germinação à decomposição, é muito melhor e mais eficaz do que aprender sobre os ciclos da natureza numa sala de aula ou num livro. Além de uma universidade viva de botânica, as hortas são excelentes locais para estudar o ciclo da água e a microfauna, entre muitos outros temas.

16. Educação nutricional – Como na TV não passa anúncio de brócolis e abobrinha e o “estilo de vida moderno” afastou muitas famílias dos alimentos na forma natural, existem crianças hoje em dia nunca viram um pimentão ou uma cenoura. Para ter uma ideia dos riscos da alimentação industrializada para as próximas gerações, sugiro assistir o documentário Muito Além do Peso. Para ver como a agricultura urbana pode inverter esse jogo, sugiro ler American Grown (de Michelle Obama) e Edible Schoolyard (de Alice Waters). Ou simplesmente dar uma voltinha na horta comunitária mais perto de você.

17. Promoção da segurança alimentar – Nossos antepassados sabiam conseguir comida sem ter que comprar. Praticamente toda a humanidade era composta de camponeses. Esses conhecimentos foram sendo desprezados nas últimas décadas e, diante da  perspectiva de crise econômica e ambiental, reavivá-los pode ser muito útil. Se você não gosta de conversa apocalíptica, favor voltar ao item anterior: segurança alimentar não é só ter o que comer, é também saber escolher os alimentos corretamente.

18. Integração agricultor/consumidor – Quem planta comida, mesmo que seja em três vasos no quintal, se torna curioso a respeito da origem dos alimentos que consome. E se sente irmanado aos agricultores: quer saber mais, tem vontade de visitar e apoiar os produtores, busca alimentos  cultivados de forma mais justa e sem uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos. Junto com as hortas urbanas que surgem nos bairros de classe média de São Paulo estão nascendo muitas conexões e até amizades com agricultores próximos da metrópole. Um ciclo virtuoso e nutritivo de cuidados mútuos.

 

Para saber mais – A cidadezinha de Tordmorden, na Inglaterra, ficou famosa porque tem hortas comunitárias em todos os cantos, até na delegacia e no cemitério. O pessoal de lá registrou dicas para quem quer replicar a experiência:

1) Comece com o que você tem e não com o que você não tem;
2) Não faça um plano estratégico;
3) Não espere por permissão;
4) Simplifique;
5) Deixe a existência da horta divulgar o movimento e provocar diálogos;
6) Faça conexões;
7) Comece agora, pensando duas gerações adiante;
8) Redescubra talentos esquecidos;
9) Reconecte pequenas empresas e artesãos com os consumidores;
10) Redesenhe sua cidade.

Aqui no Brasil, nós, do grupo Hortelões Urbanos, fizemos esse roteiro colaborativo para uma horta comunitária:

1) Encontre um espaço disponível;
2) Procure parceiros;
3)Converse com os vizinhos;
4) Vá com a turma visitar as hortas comunitárias que já existem;
5) Junte os voluntários para desenhar e planejar a horta que será construída;
6) Consiga sementes, mudas, composto orgânico, enxadas, pazinhas de jardinagem, folhas secas, material para delimitar os canteiros e fazer plaquinhas;
7) Realize o primeiro mutirão;
8 ) Monte uma escala de trabalho para regas e manutenção;
9) Crie uma forma de contato para outras pessoas se comunicarem com o pessoal da horta (blog, e-mail, grupo no Facebook, o que preferirem);
10) Celebre a abundância e a solidariedade.

 

Artigo publicado originalmente em: http://conectarcomunicacao.com.br/blog/

Fonte: Cidades Sustentáveis