Origem de derramamento de óleo ainda é mistério, diz Marinha


Demora do governo federal em agir pode ter relação com dificuldade de descobrir origem do óleo (Igor Santos – Secom)

Depois de anunciar que estava próximo de revelar a causa do maior acidente com petróleo do país e de chegar apontar um navio grego como o responsável pelo crime ambiental, o governo admite que, na realidade, ainda não sabe qual foi a causa da tragédia.

Em audiência pública realizada pela CPI do Óleo, na Câmara dos Deputados, o vice-almirante da Marinha Marcelo Francisco Campos, responsável pela coordenação das investigações e operações em campo, resumiu a situação atual.

“Não sabemos até o momento qual foi a origem desse derramamento, bem como a data”, disse. Campos afirmou que a única possibilidade descartada no momento é a de vazamento do petróleo cru. Segundo ele, a Marinha considera a possibilidade de derramamento acidental ou intencional, além de um incidente durante a transferência de óleo entre embarcações. “Cogitamos, ainda, com menor probabilidade, o naufrágio de um petroleiro. Todas as hipóteses do inquérito administrativo são consideradas” comentou.

A Marinha reafirmou que o óleo seria uma mistura de petróleo da Venezuela. Passados 101 dias desde a primeira ocorrência do derramamento no litoral da Paraíba, em 30 de agosto, uma faixa 3.600 km do litoral já foi atingida pelo óleo. São 906 localidades der 127 municípios nas regiões Nordeste e Sudeste.

O levantamento das ações feitas pela Marinha, Ibama e demais órgãos que atuam na retirada do petróleo cru aponta que 5 mil toneladas de óleo foram coletadas.

Segundo os dados oficiais, há 31 dias não aparecem novas manchas no mar. Nos últimos 35 dias, foram encontrados apenas vestígios de óleo. “Há uma estabilização das ocorrências”, comentou Campos.

Nas contas da Marinha, as ações reunidas por todas as instâncias somam mais de 16 mil pessoas trabalhando nas operações. “Estamos lidando com algo inédito e que se constitui em uma grande agressão ao nosso País”, disse.

No início de novembro, a Polícia Federal chegou a apreender documentos em escritórios ligados a empresas de navegação no Rio de Janeiro. Na ocasião, a Marinha informava que, com a ajuda de relatórios da Petrobras, perícia técnica e estudos de uma empresa de engenharia, a Hex, de Brasília, chegou à identificação do navio grego Bouboulina, como suspeito de ser a origem do vazamento de óleo cru. A empresa Delta Tankers, no entanto, dona da embarcação, negou qualquer relação com a tragédia e se prontificou a cooperar com as investigações.

Agência Estado

‘Assinatura’ da Venezuela é achada em manchas de petróleo espalhadas pelo Nordeste


Ainda não é possível dizer que todo o vazamento que atinge praias tem a mesma origem. (Prefeitura de Piaçabuçu/Ascom/Fotos Públicas)

Investigações sigilosas da Marinha e da Petrobras encontraram petróleo com a mesma “assinatura” do óleo da Venezuela em manchas que se espalharam até agora por pelo menos 138 pontos do litoral dos nove estados do Nordeste. Nessa terça-feira (8), o presidente Jair Bolsonaro disse não descartar uma ação criminosa. E o Sergipe planeja usar boias para impedir que o material atinja a bacia de rios, como Vaza Barris e São Francisco.

Segundo uma fonte da alta cúpula do governo, trata-se do mesmo tipo de óleo extraído da Venezuela – o que corrobora rumores a esse respeito veiculados desde a semana passada. A conclusão já foi informada ao Ibama, órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente. Mas não é possível dizer que todo o vazamento que atinge praias tem a mesma origem. A Marinha e a Polícia Federal analisam amostras e não deram informações oficiais.

Ainda nessa terça, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que há a possibilidade de que o derramamento tenha sido criminoso. Ele, no entanto, ponderou que as investigações estão em curso. A reportagem questionou a Petrobras sobre a possível presença de óleo da Venezuela nas instalações da refinaria Abreu e Lima, estrutura que, em princípio, seria construída com a parceria da estatal PDVSA. A Petrobras informou que nunca processou óleo de origem venezuelana em Abreu e Lima.

Por meio de nota, a estatal declarou que a análise realizada pela empresa em amostras de petróleo cru encontrado em praias do Nordeste “atestou, por meio da observação de moléculas específicas, que a família de compostos orgânicos do material encontrada não é compatível com a dos óleos produzidos e comercializados pela companhia”. Os testes foram realizados nos laboratórios do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), no Rio.

“Nós temos isso bem documentado, coletamos 23 amostras, nosso centro de pesquisas realizou análises bioquímicas e chegou à conclusão de que não se trata de nenhum óleo produzido e/ou comercializado pela Petrobras”, disse o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, após audiência na Câmara. Segundo ele, já foram recolhidas 133 toneladas de resíduo oleoso de praias.

A estatal PDVSA foi procurada e não se pronunciou. As investigações sobre a origem do óleo ainda não avançaram. Para David Zee, professor da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio (Uerj), o vazamento de um navio constitui “uma hipótese possível”. “Pela quantidade espalhada pode até ser a carga completa de um petroleiro.”

Em nota, a Marinha disse ter empenhado 1.583 militares, cinco navios e uma aeronave nessas operações de análise e monitoramento. A Marinha ainda classificou a ocorrência como “inédita”.

Boias e preocupação

O governo de Sergipe anunciou que colocará boias absorventes para evitar que o óleo que polui a zona litorânea sergipana entre nos rios, sobretudo o São Francisco. Os equipamentos serão cedidos pela Petrobras. O trabalho de retirada do óleo da costa continua, assim como o monitoramento, tanto por parte da Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema) como por órgãos federais.

A situação preocupa, além das autoridades, ambientalistas. “Sem dúvida é o maior desastre ambiental no litoral do Nordeste do Brasil”, diz Flávio Lima, coordenador geral do Projeto Cetáceos da Costa Branca da Universidade Estadual de Rio Grande do Norte (UERN). Ele e sua equipe estão envolvidos no atendimento dos animais contaminados pelo óleo de origem ainda desconhecida e identificado como petróleo cru.

Até o momento, em todo o Nordeste, 16 tartarugas marinhas, espécie ameaçada de extinção, foram contaminadas pela substância – e o lançamento delas também deixou de ocorrer. O vazamento do óleo já atinge 61 municípios.

“Além do risco de contaminação para a megafauna marinha local, que envolve diversas espécies de aves, cetáceos e o peixe-boi marinho, espécie de mamífero marinho mais ameaçada de extinção do país, é preocupante a exposição da população e dos atores locais que utilizam as praias afetadas”, alerta o coordenador.

Agência Estado/Dom Total