No Rio, feira reafirma necessidade da Reforma Agrária


              

Durante dois dias, assentados e assentadas da reforma agrária expuseram os produtos de seu trabalho no Largo da Carioca, centro do Rio. Objetivo foi dialogar com a população e mostrar a importância de uma reforma agrária popular no contexto atual. Foi apenas a quarta edição da feira, mas os números dão o tom de um evento que já se consolidou no Rio de Janeiro: 30 toneladas de alimentos, sendo 11t industrializados e 19t frescos, 110 agricultores e agricultoras,  duas cooperativas do RJ, seis cooperativas de outros estados, e uma estimativa de 50 mil visitantes em dois dias.

Esses foram os números da IV Feira Estadual da Reforma Agrária Cícero Guedes, realizada nos dias 9 e 10 de dezembro, no Largo da Carioca, centro do Rio de Janeiro. Mas para Andrea Matheus, umas das coordenadoras da feira, isso não foi o mais importante: “A feira cumpriu seu objetivo fundamental, de seguir pautando a reforma agrária e a necessidade de se olhar para os assentamentos. Mostramos para os cariocas que as áreas de reforma agrária do nosso estado são capazes de produzir alimentos diversificados e saudáveis. Para além da questão financeira, das vendas, o importante é a oportunidade de dialogar com a população sobre o sentido da luta pela terra”, afirma.

Produtos industrializados foram novidade

A novidade deste ano foi a vinda dos alimentos industrializados – arroz, feijão, laticínios, sucos – de seis cooperativas ligadas ao MST no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. “Assim podemos mostrar que a capacidade do MST vai além da produção in natura, e ao mesmo tempo apontamos que o nosso estado precisa de investimentos para a construção de agroindústrias. Se não olharem para os nossos assentamentos, vai sempre precisar vir de fora.”, explica ela.

              

Andrea conta que o movimento já aprovou a construção de uma agroindústria para beneficiamento da cana na região Norte, e já tem pronto o projeto para outra na Baixada Fluminense, dedicada à cadeia da mandioca. “É necessário avançar na construção de agroindústrias no nosso estado”, complementou. Para participar do evento, agricultores dos cerca de 30 de assentamentos do MST em todo o estado vieram para a capital com sua produção. A eles, se juntaram camponeses do Movimento dos Pequenos Agricultores e da Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro. Andrea explicou a importância deste momento para os camponeses: “A feira tem um aspecto interessante, que é o de colocar os assentados em contato com o povo da cidade grande. Por um lado, sentem as exigências e curiosidades dos consumidores; por outro, têm a oportunidade de dialogar e de contar da realidade do campo. Tem gente que anda dizendo que a reforma agrária não é mais necessária. Mas isso não se sustenta, porque a realidade do campo e da cidade mostra isso. No Rio de Janeiro, a necessidade da reforma agrária é muito clara, e a feira reafirma isso.”
 

Contra Reforma Agrária

A avaliação do MST, tanto a nível nacional quanto no Rio de Janeiro, é de que a situação da reforma agrária é péssima. “Temos poucas perspectivas de saírem novos assentamentos, e temos muita gente acampada produzindo como se fosse assentada. Mas sem a posse da terra, a pessoa fica sem perspectiva de vida.”, disse a coordenadora. Para Marcelo Durão, da coordenação nacional do MST, o momento é de “contra reforma agrária, pois estamos com dificuldades de conquistar novas áreas, e perdendo outras já conquistadas.” No Rio de Janeiro, o último assentamento em áreas do movimento foi concedido em 2007.”

Este ano, a feira recebeu o nome do militante Cícero Guedes. Ele coordenava o acampamento Luis Maranhão, em Campos, e foi assassinado em janeiro deste ano. “A feira mantém viva a memória do Cícero. Ele sempre pautou isso com as famílias, sempre falava da importância das feiras. O trabalho dele foi essencial pra chegarmos a uma feira desse tamanho hoje.”, conta Andrea. Cícero gostava de mobilizar as famílias antes das feiras, ajudando na preparação da produção. Para ele, além da reforma agrária e do direito à alimentação saudável, a questão da agroecologia era fundamental. “Homenagear o Cícero hoje é reafirmar a feira como instrumento para pautarmos os direitos humanos, alimentação saudável, reforma agrária, e sobretudo a vida. Ele sempre falava da importância de doar os alimentos, para que mais pessoas tenham acesso aos frutos da reforma agrária.”, lembra Andrea. Segundo ela, quando o MST iniciou seu trabalho no Rio de Janeiro, em Campos, no ano de 1997, as feiras eram só de doação de alimentos. “O importante era dialogar com a população. Depois é que começaram a vender, pois a produção precisava dar sustento às famílias.”

Elisângela Carvalho, do Setor do Educação, também lembrou a importância de Cícero para feira: “Ele está presente nesta feira, não vamos deixar que sua memória se apague. Cícero nos ensinou a todos os dias nos indignarmos com as injustiças, com o uso de agrotóxicos envenenando nosso povo. Ele, que tanto alegrava esta feira com seus gritos de ordem, sempre nos dizia que o mais importante aqui não era vender os produtos, mas  dialogar com a população, e dizer que o capital nos mata todos os dias e que é possível fazer uma mudança.”

A feira foi encerrada por uma mística celebrada pelo Pe. Geraldo, da Comissão Pastoral da Terra de Nova Iguaçu. A todo momento, ele reforçou que “a terra não é coisa, a terra é mãe”. E evocou os regimes da Bolívia e Equador, que incluíram em suas constituições o conceito do Bem-Viver. O padre declarou apoio à reforma constitucional no Brasil: “Essa que está aí já foi estragada por muita gente.”

Geraldo finalizou a mística lembrando o legado dos militantes do MST assassinados na luta pela terra: “Nós, com Cícero e Regina, e todos que semearam a terra com seu sangue, temos o dever de seguir sua luta.” E entoou: “Põe a semente na terra / não será em vão / não te preocupe a colheita / plantas para o irmão.”

A feira acontece sempre em torno do dia 10 de dezembro, em que se comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Marina dos Santos, do MST, explica que a luta pela reforma agrária é em si uma luta por direitos humanos: “Queremos repartir a terra para que todos tenham direito ao trabalho, direto a produzir e consumir alimentos saudáveis. Isso está na nossa constituição como direito humano.”
 

Ainda por conta da data, familiares de Cícero Guedes receberam no dia 9 o Prêmio João Canuto para defensores dos direitos humanos, concedido pelo Movimento Humanos Direitos (MHuD).

Fonte: http://www.mst.org.br/

Laísa Mangelli