Política Estadual de Resíduos Sólidos e superação dos gargalos ambientais no RS.


Entrevista especial com Antônio Silvio Hendges

 

“O Plano Estadual de Resíduos Sólidos do RS, assim como os planos municipais, são instrumentos previstos na Política Nacional de Resíduos Sólidos e, portanto, embora apresentem especificidades e características regionais, devem manter os instrumentos, diretrizes, objetivos e metas de responsabilidade compartilhada entre os fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes e consumidores”, diz o biólogo.

Foto: transponteslocacoes.com.br

A eficiência da Política Estadual de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Sul – PERS/RS, prevista para ser implementada até o final deste ano, “vai depender da capacidade de organização de bons planos municipais de resíduos sólidos, que considerem seriamente esta alternativa de gestão”, dizAntônio Silvio Hendges à IHU On-Line, em entrevista concedida por e-mail. O Plano Estadual de Resíduos Sólidos do RS está sendo elaborado desde o dia 10 de junho, por meio de dez audiências públicas regionais, que contam com a participação de diversos setores da sociedade e serão encerradas no dia 30 deste mês. De acordo com Hendges, “todos os setores econômicos, municípios, organizações e cidadãos podem apresentar contribuições, demandas e sugestões para a redação final” do documento, que segue os princípios estabelecidos na Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS, em vigência no país desde 2010.

Hendges explica que atualmente, apesar de apenas oito dos 497 municípios gaúchos possuírem lixões, o custo dos resíduos recolhidos e encaminhados para aterros sanitários ou controlados ainda é bastante elevado, “pois são necessários recursos públicos para pagar a disposição final nestes locais, variando entre R$ 70 e R$ 130,00 por tonelada disposta. Se existissem programas de coleta seletiva e compostagem, somente os rejeitos — em torno de 15% — seriam encaminhados para aterros”, pontua.

Em contrapartida ao percentual de lixo orgânico recolhido e destinado corretamente, “não há um processo sistemático e organizado de coleta seletiva no RS”. Segundo Antônio Silvio Hendges, “somente uma pequena parte dos resíduos é reciclada: aqueles que possuem maior valor comercial como matérias-primas, como o PET, latas de alumínio, materiais ferrosos e alguns tipos de plásticos, como polietileno de alta densidade – PEAD e polietileno de baixa densidade – PEBD. Existem algumas associações e municípios mais organizados, principalmente na Região Metropolitana, mas grande parte da coleta seletiva é realizada informalmente pelos catadores que vendem aos atravessadores, os quais repassam às indústrias”. Para ele, com a implantação da PERS/RS, os resíduos sólidos devem ser “transformados em bens de capital, matérias-primas para a indústria e reintroduzidos nas cadeias produtivas”.

Após as audiências públicas, será redigido o texto final da PERS/RS, o qual será encaminhado pelo governo do estado à aprovação da Assembleia Legislativa como lei estadual.

Foto: arcadenoe.eco.br

Antônio Silvio Hendges é graduado em Biologia pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVISanta Catarina, e especialista em Auditorias Ambientais pela Universidade Candido MendesRJ. É articulista do Portal EcoDebate, professor e consultor em educação ambiental, gestão sustentável de resíduos sólidos e auditorias ambientais.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como está ocorrendo o processo de negociação para a elaboração do Plano Estadual de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Sul, que já vem sendo discutido desde 2013? Quais são as instituições que participam desse processo e como elas se posicionam diante da proposta?

Antônio Silvio Hendges – O Plano Estadual de Resíduos Sólidos do RS – PERS/RS, iniciado no final de 2013, está sendo elaborado com a participação da sociedade por meio da realização de dez Audiências Públicas Regionais em que todos os setores econômicos, municípios, organizações e cidadãos podem apresentar contribuições, demandas e sugestões para sua redação final. As Audiências Públicasiniciaram-se em 10 de junho e irão até 30 de julho, nos municípios de Frederico WestphalenSanta RosaPorto AlegreRio GrandePasso FundoCaxias do SulOsórioSão BorjaSantana do Livramento e Santa Maria. Evidentemente, estas contribuições devem respeitar os princípios estabelecidos na Política Nacional de Resíduos Sólidos — Lei 12.305/2010 e Decreto 7.404/2010 — que estabelecem as diretrizes gerais da gestão dos resíduos sólidos no Brasil.

 

"A incineração indiscriminada de resíduos não traz benefícios ambientais, sociais e econômicos lineares à sociedade, mas concentra os lucros para poucas empresas tecnologicamente especializadas"

Quanto à participação e apoio, a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul – FAMURS está incentivando a participação dos municípios. A Associação Gaúcha da Avicultura – ASGAV, o Sindicato da Indústria de Produtos Avícolas do RS – SIPARG, a Federação do Comércio de Bens e Serviços do RS – Fecomércio e o seu Conselho de Sustentabilidade e o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR também participaram de reuniões para conhecer a metodologia e contribuir com oPERS/RS. Além dessas entidades de nível estadual, muitas organizações regionais também estão se mobilizando para conhecer e propor soluções, como, por exemplo, o Sindicato Rural de Soledade e Região, que através de sua assessoria em sustentabilidade elaborou documento sobre os resíduos da agropecuária e encaminhou essas sugestões aos responsáveis e também às Audiências Públicas, principalmente no Norte do RS.

 

IHU On-Line – Quais são as principais propostas em relação à reciclagem dos resíduos sólidos?

Antônio Silvio Hendges – Quanto à reciclagem, sem dúvida o principal instrumento é a coleta seletiva, que pode ser implantada de diversas maneiras, mas a Política Nacional de Resíduos Sólidos, anteriormente citada, incentiva a organização dos catadores de materiais recicláveis em associações e/ou cooperativas para sua execução, inclusive oDecreto 7.405/2010 institui o Programa Pró-Catador para a inclusão social e econômica destes e estabelece possibilidades de incentivos e apoios para estes trabalhadores.

Quanto aos resíduos orgânicos, a compostagem e o estabelecimento de políticas públicas de manutenção e recuperação da fertilidade dos solos, assim como o incentivo ao estabelecimento de empresas especializadas na produção e comercialização de adubos orgânicos, são fundamentais para uma gestão dos resíduos sólidos em que somente os rejeitos — aproximadamente 15% do volume total — sejam direcionados aos aterros sanitários.

IHU On-Line – Como tem se dado a coleta seletiva no estado? Qual a perspectiva após a implantação do Plano Estadual de Resíduos Sólidos?

Antônio Silvio Hendges – Não há um processo sistemático e organizado de coleta seletiva no RS. Somente uma pequena parte dos resíduos é reciclada: aqueles que possuem maior valor comercial como matérias-primas, como oPET, latas de alumínio, materiais ferrosos e alguns tipos de plásticos, como polietileno de alta densidade – PEAD e polietileno de baixa densidade – PEBD. Existem algumas associações e municípios mais organizados, principalmente na Região Metropolitana, mas grande parte da coleta seletiva é realizada informalmente pelos catadores que vendem aos atravessadores, os quais repassam às indústrias. Outro gargalo da coleta seletiva é a ausência de programas públicos de educação ambiental direcionados aos cidadãos para que separem os resíduos orgânicos e inorgânicos, sendo que estes últimos também deveriam fazer parte da coleta seletiva e serem encaminhados para compostagem. Com o PERS/RS, é possível que nos próximos anos se tenha uma melhora, mas vai depender da capacidade de organização de bons planos municipais de resíduos sólidos, que considerem seriamente esta alternativa de gestão.

"Um dos problemas quanto aos resíduos é a parcela que deixa de ser recolhida e com isso acaba criando pequenos lixões clandestinos, seja por falta de políticas públicas, seja por irresponsabilidade dos cidadãos"

IHU On-Line – Qual é a situação dos lixões no Rio Grande do Sul? Quais as propostas em relação a eles, no sentido de cumprir as metas da Política Nacional de Resíduos Sólidos?

Antônio Silvio Hendges – São poucos os lixões no RS, mas eles ainda existem: segundo uma informação da FEPAM de outubro/2013, oito municípios ainda tinham lixões em um universo de 497 municípios. Uma pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios, realizada em 351 prefeituras gaúchas, apontou que 95% dos resíduos recolhidos são encaminhados para aterros sanitários ou aterros controlados e isso tem um custo elevado, pois são necessários recursos públicos para pagar a disposição final nestes locais, variando entre R$ 70 e R$ 130,00 por tonelada disposta. Se existissem programas de coleta seletiva e compostagem, somente os rejeitos — em torno de 15% — seriam encaminhados para aterros. Os lixões, respeitando-se a Política Nacional de Resíduos Sólidos, devem ser erradicados e recuperadas as áreas degradadas, inclusive o prazo estabelecido pela Lei 12.305/2010 encerra-se em 02 de agosto deste ano. Um dos problemas quanto aos resíduos é a parcela que deixa de ser recolhida e com isso acaba criando pequenos lixões clandestinos, seja por falta de políticas públicas, seja por irresponsabilidade dos cidadãos. Em ambos os casos são necessárias ações cidadãs que pressionem pela solução.

IHU On-Line – As audiências públicas para discutir o Plano Estadual de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Sul têm discutido a possibilidade de incineração dos resíduos? Quais as posições sobre esse assunto?

Antônio Silvio Hendges – A Política Nacional de Resíduos Sólidos não incentiva incineração de resíduos que possam ser transformados em matérias-primas ou compostados. Somente os rejeitos podem ter esse destino, inclusive para a geração de energia. Claro que existem exceções, como, por exemplo, os resíduos do arroz e possivelmente alguns no setor da agropecuária que, por apresentarem grandes volumes e excelente poder calorífico, podem ser utilizados para a geração de energia — inclusive já existe em São Borja uma usina deste tipo em funcionamento. Quanto aos resíduos recicláveis, não devem ser incinerados, mas transformados em bens de capital, matérias-primas para a indústria e reintroduzidos nas cadeias produtivas, assim como a compostagem dos orgânicos. Em minha opinião, a incineração indiscriminada de resíduos não traz benefícios ambientais, sociais e econômicos lineares à sociedade, mas concentra os lucros para poucas empresas tecnologicamente especializadas. O aproveitamento da energia eólica e solar é muito mais eficaz que a incineração de resíduos para a geração de energia.

IHU On-Line – Em quanto tempo deve ficar pronto o Plano Estadual de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Sul e quando ele deve ser implementado?

Antônio Silvio Hendges – Após as Audiências Públicas será realizada a redação final e encaminhado pelo governo doRS para aprovação da Assembleia Legislativa como lei estadual que, posteriormente, deverá ser regulamentada através de um decreto do Executivo.

Portanto, vai depender de algumas questões técnicas e políticas, mas acredito que até o final do ano legislativo de 2014 estará aprovada, ao menos, a parte relacionada à lei geral da Política Estadual de Resíduos Sólidos. Quanto à implementação, deve iniciar imediatamente após a aprovação e regulamentação da lei, inclusive com a elaboração dos planos municipais e regionais e a formação de consórcios municipais para adequação da gestão dos resíduos no RS.

IHU On-Line – Quais das metas da Política Nacional de Resíduos Sólidos estão sendo consideradas no Plano Estadual de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Sul?

Antônio Silvio Hendges – O Plano Estadual de Resíduos Sólidos do RS, assim como os planos municipais, são instrumentos previstos na Política Nacional de Resíduos Sólidos e, portanto, embora apresentem especificidades e características regionais, devem manter os instrumentos, diretrizes, objetivos e metas de responsabilidade compartilhada entre os fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes e consumidores, logística reversa de produtos desgastados e/ou obsoletos, redução, reutilização, coleta seletiva e reciclagem, valorização dos trabalhadores com materiais recicláveis/reutilizáveis, erradicação dos lixões, educação ambiental e instrumentos econômicos de apoio e incentivos ao gerenciamento e gestão adequada dos resíduos no Estado do Rio Grande do Sul.