UTI ambiental: o perigo das ações contra o novo Código Florestal


UTI ambiental: o perigo das ações contra o novo Código Florestal, artigo de Osvaldo Ferreira Valente

[EcoDebate] Até o surgimento do novo Código Florestal, vivíamos presos numa teia de leis, resoluções, portarias e todas aquelas burocracias adoradas pelas instituições públicas brasileiras. Parecia que, com a nova lei, estávamos entrando em uma nova etapa de tranquilidade, duradoura o suficiente para conhecermos a verdadeira situação do doente há muito internado. O diagnóstico viria com o Cadastro Ambiental Rural (CAR), possibilitando uma radiografia do estado do paciente e permitindo, assim, as prescrições de tratamento por meio dos Planos de Recuperação Ambiental (PRAs).

O novo Código Florestal tem defeitos? Claro que tem. Agrada a todo mundo? Claro que não, pois foi fruto de debates democráticos e a democracia é construída por consensos. Só as tiranias possibilitam o domínio de opiniões unilaterais. Mas a nova lei criou um movimento animador, pois tão logo o CAR começou a funcionar, ele foi bem aceito pelos produtores rurais, com adesão significativa no primeiro ano de aplicação. Os produtores viram a oportunidade de sair das cordas do ringue em que se encontravam, podendo buscar uma nova posição de segurança jurídica. As associações e os sindicatos do segmento se mobilizaram para prestar ajuda no preenchimento dos formulários e tudo indica que até maio de 2016, prazo final, a adesão deve ser maciça. Mas é fundamental que as instituições públicas responsáveis pela aplicação do Código se preparem para acompanhar as adequações ambientais necessárias e detectadas no preenchimento do CAR. Se a logística do sistema for bem planejada e executada, poderemos passar a ter um ganho expressivo para o meio ambiente nos próximos anos. Não pode é chegar em 2016 e não haver estrutura montada para dar continuidade ao processo.

Este período de céu de brigadeiro começa, entretanto, a ser ameaçado por pessoas e instituições que só enxergam pontos negativos do novo Código e tentam, por várias frentes, tumultuar o processo. Ações do Ministério Público e da Justiça, por exemplo, arguindo inconstitucionalidades (sempre embasadas em interpretações de pessoas ou de grupos), nesta fase de implantação do Código, com justificativas de estarem zelando pelo meio ambiente, podem, ao contrário, prestar um desserviço à causa ambiental. Esta preocupação está bem exposta no excelente artigo do Prof. José de Castro Silva, publicado recentemente aqui neste Portal (em 02/07/2015) http://www.ecodebate.com.br/2015/07/02/o-ministerio-publico-e-as-questoes-ambientais-artigo-de-jose-de-castro-silva/ .

Poderemos voltar à insegurança jurídica que preocupava o produtor rural e recomeçarmos o processo de judicialização de um assunto que o novo Código está começando a entregar aos profissionais com formação tecnológica nos vários aspectos da conservação ambiental. Temos de fazer todo o esforço possível para estimular o entusiasmo demonstrado pelo produtor rural, principalmente daqueles detentores de pequenas propriedades (até quatro módulos fiscais), que formam um importante grupo fornecedor de alimentos para a nossa população. É possível que tudo isso tenha origem naquela ideia, ainda prevalente no meio urbano, de que o meio rural é todo dominado por latifúndios. Agem com base nesse conceito e acabam por não atingirem os grandes proprietários, mas fulminando os pequenos.

Os inconformados poderiam ensarilhar suas armas por um certo tempo, deixando que o novo Código seja aplicado. Depois, aí sim, uma nova avaliação corrigiria as falhas comprovadas. O exercício da democracia envolve sacrifícios como o de abdicar de conceitos e desejos individuais em benefício de todos. E as especificidades dos ecossistemas não dão a ninguém o direito de se julgar guardião dos princípios e conceitos a eles aplicados. E a presunção do conhecimento, neste caso, pode ser mais prejudicial do que a ignorância.

Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro florestal, especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas, professor titular, aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e autor de dois livros sobre o assunto: “Conservação de nascentes – Produção de água em pequenas bacias hidrográficas”e “Das chuvas às torneiras – A água nossa de cada dia”; colaborador e articulista do EcoDebate .( valente.osvaldo@gmail.com)

in EcoDebate, 20/07/2015