IMPACTOS AMBIENTAIS TAMBÉM SÃO SOCIAIS?


IMPACTOS AMBIENTAIS TAMBÉM SÃO SOCIAIS?


Com colaboração do Ministério Público Federal, abordamos a posição do governo de retirar componente social do processo de licenciamento ambiental, acelerando obras de infraestrutura

Reportagem: Alan Azevedo 
Ilustração: Juliana Russo

O final do ano passado foi um período de juntar os cacos dos programas hidrelétricos planejados pelo governo. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), em setembro de 2014 quase 80% das usinas hidrelétricas em construção no país não cumpriram com o cronograma inicial. Os investidores arrancam os cabelos, as empreiteiras atropelam os processos para recuperar o tempo perdido, e o poder público só assiste. Em uníssono, os três culpam o licenciamento ambiental.

Já nesse ano, no mês de maio, foi nomeada a nova presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), resposável por formular os Estudos de Impacto Ambiental referente a esses grandes empreendimentos que deixam para trás um enorme passivo ambiental e social. Em sua primeira entrevista no cargo, Marilene Ramos afirmou: “de fato, temos de fazer uma requalificação do licenciamento, retirando certos excessos e complementando lacunas que, muitas vezes, recaem numa agenda muito mais voltada a temas de desenvolvimento social do que ambiental”.

Trata-se de um discurso alinhado ao da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que, no 1º Encontro do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, em 2013, afirmou que ao menos 80% das decisões relacionadas ao licenciamento estão ligadas a questões sociais e apenas 20% abordam problemas ecológicos.

Mas a questão é: será mesmo que os impactos sociais são dissociáveis dos ambientais ou essa é apenas mais uma desculpa do poder público para retomar as obras energéticas, deixando de lado as diversas populações afetadas e os passivos socioambientais?

No Debate Verde desta edição, a resposta fica a cargo do procurador regional da república em Brasília João Akira Omoto, há mais de 15 anos no Ministério Público Federal (MPF) e há 11 anos no Grupo de Trabalho Grandes Empreendimentos do MPF. Ele garante que biodiversidade e sociodiversidade são indivisíveis.

Licenciamento ambiental: défice democrático e procedimental

O desenvolvimento é um complexo processo de mudança social, com potencial para provocar não apenas impactos sobre o meio ambiente físico e biótico, mas também deslocamentos físicos e graves alterações de modos de vida – processo econômico, político, social, cultural e ambiental –, exigindo, portanto, que biodiversidade e sociodiversidade sejam vistas como elementos indivisíveis e interdependentes.

Neste sentido, a International Association for Impact Assessment (IAIA) preconiza que “a boa prática considera que os impactos sociais, econômicos e biofísicos estão inextrincavelmente interligados. A mudança em qualquer destes domínios implica mudanças nos outros. A AIA deve, assim, conseguir compreender os mecanismos pelos quais as alterações num domínio desencadeiam impactos noutros domínios, bem como as consequências que se propagam no interior de cada domínio ou nele se repercutem de forma iterativa.” [1]

 

 

“A natureza das intervenções sobre o meio ambiente exige processos democráticos/participativos fortes, que devem buscar promover a inclusão dos grupos mais vulneráveis
João Akira Omoto

Ênfase deve ser dada ainda ao princípio democrático. A natureza das intervenções sobre o meio ambiente exige processos democráticos/participativos fortes, que devem buscar promover a inclusão dos grupos mais vulneráveis, fator essencial para a realização de Justiça Ambiental.

No Brasil, as grandes obras vêm historicamente deixando um passivo socioambiental enorme, por desconsiderarem essas premissas. A falta de participação nos processos decisórios leva a questionamentos quanto à legitimidade das escolhas realizadas, pelo enforcement das medidas de intervenção, seja para autorizar o uso de recursos ambientais, seja para compensá-los (questiona-se a suficiência ou adequação das medidas). O défice democrático e de informação é sentido em todas as fases do processo (planejamento, implantação e operação). As decisões adotadas são frequentemente dissociadas do conteúdo técnico dos procedimentos e carentes de motivação.

Paralelamente a isso, são frequentes os ataques ao licenciamento ambiental, com o claro objetivo de fragilizá-lo, imputando-lhe muitos dos dissabores decorrentes da incompetência técnica e política da intervenção estatal na economia. Ora o licenciamento é muito lento, ora muito complexo, ora precisa ser fracionado para que as avaliações de impacto sobre o meio socioeconômico sejam remetidas para outras instâncias.

Parece-nos que os problemas do licenciamento ambiental são de outra natureza e não dizem respeito à velocidade da marcha procedimental, mas à sua qualidade e à decisão política de investimento na sua eficácia. O que se verifica não são essencialmente falhas normativas, mas défice democrático e deficiências na condução dos procedimentos, o que tornam injustificáveis muitas das decisões tomadas. O exercício do poder político e a expansão do poder econômico já não se satisfazem com o sacrifício dos há muito sacrificados, agora querem que seja feito tudo muito rápido.

Há limites para o crescimento econômico e esses limites, por óbvio, não são de natureza econômica, são sim de natureza democrática e jurídica. Há uma ordem democrática e jurídica que precisa ser respeitada. A fragilização dos procedimentos implica em retrocesso socioambiental incompatível com o sistema jurídico, a ordem democrática e a garantia dos direitos humanos fundamentais.

[1] IAIA – International Association of Impact Assessment – AVALIAÇÃO DE IMPACTOS SOCIAIS Princípios Internacionais. 2003, disponível em iaia.org. Consulta em 14.07.2015.

* João Akira Omoto é formado em direito pela Universidade Estadual de Londrina, mestre em Direitos das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e em Proteção Internacional dos Direitos Humanos pela Universidad Alcalá de Henares (Espanha), João Akira Omoto trabalha há mais de 15 anos no Ministério Público Federal, com passagem pela Promotoria de Justiça e pela Procuradoria da República no Paraná. É também coordenador do GT Grandes Empreendimentos do MPF desde 2004 e atua como Procurador Regional da República em Brasília (DF).

Fonte: Revista Greenpeace