Ambientalistas comemoram fim da perfuração de poços de petróleo no Ártico pela Shell
Navio quebra-gelo da Shell se deloca para o Alasca em julho deste ano e é alvo de manifestação de ambientalistas em Portland (Foto: Don Ryan/AP)
Ambientalistas do mundo inteiro estão comemorando o fato de que hoje (28) a Shell decidiu parar com as atividades para achar petróleo no Ártico. Na verdade, a companhia, que vinha perfurando um poço a 80 milhas ao largo da costa noroeste do Alasca, fez uma declaração dizendo que parou com as perfurações por ter encontrado quantidades insuficientes de petróleo e gás, pelo menos não o bastante para justificar o investimento de US$ 7 bilhões que já deixou no empreendimento. Ou seja: zero de preocupação ambiental.
Para a diretora executiva do Greenpeace Estados Unidos, Annie Leonard, porém, foi uma vitória da sociedade civil que se organizou desde 2012, quando o governo norte-americano deu a licença de operação para a companhia:
“Milhões de pessoas ao redor do mundo têm feito campanhas contra a perfuração no Ártico. Hoje, elas fizeram história”, disse a ativista (leia aqui, em inglês) .
A campanha continua, avisa Annie Leonard. A luta, a partir de agora, vai ser para transformar o Ártico numa espécie de santuário de águas protegidas. Além disso, as campanhas terão como foco tanto líderes mundiais quanto os cidadãos comuns, para que passem a considerar seriamente uma mudança em busca de energias renováveis em vez de prosseguir a marcha dos combustíveis fósseis. Como se sabe, cientistas afirmam que o risco que se corre ao não baixar emissões de carbono é que o aquecimento da Terra fique acima dos 2 graus até o fim do século.
Segundo o jornal britânico “The Guardian” (leia aqui, em inglês) , no entanto, os acionistas da gigante do petróleo não estão na mesma sintonia dos ambientalistas. Numa atitude que ilustra bem o descompasso entre a busca irrestrita pelo desenvolvimento econômico e a necessidade de se preservar os bens naturais que ainda nos restam, o mercado está mais preocupado é com a esperada baixa de US$ 4,1 bilhões nas ações da companhia como resultado da decisão anunciada hoje pelo grupo anglo-holandês.
Na reportagem há apenas a menção de um possível desconforto do comando da empresa com os protestos de organizações ambientalistas preocupadas com a ameaça ao meio ambiente que a produção petrolífera poderia causar. No livro “This Changes Everything” (Ed. Simon & Schuster), a autora Naomi Klein relata uma das mais contundentes ações judiciais promovidas por indígenas do Alaska que têm suas vidas intrinsecamente ligadas ao Mar Chukchi, onde seriam perfurados os poços de petróleo.
“O prefeito de Port Hope explicou, durante a ação judicial, que seu povo depende dos animais que migram através do Mar Chukchi por milhares de anos. Ele disse: ‘Este é nosso jardim, nossa identidade, nossa vizinhança. Sem eles não seríamos quem somos hoje. Por isso somos contra qualquer atividade que ponha em perigo nosso estilo de vida e dos animais de quem dependemos”, escreve Klein.
No comunicado que a Shell divulgou hoje, assinado pelo diretor Marvin Odum, porém, há menção de que o projeto não está totalmente descartado, já que a decepção da empresa foi com os primeiros testes feitos desde o início. A atividade ficará, diz a nota, para um “futuro previsível”, já que a Shell continua a ver um importante potencial de exploração de petróleo e gás na região.
Uma das grandes preocupações dos ambientalistas é com relação ao risco de vazamento que um empreendimento desse porte traz. De acordo com uma investigação feita pela agência de notícias EnergyWire em 2012 havia mais do que seis mil vazamentos, além de outros acidentes, nos locais de perfuração de petróleo e gás somente nos Estados Unidos. A pesquisa, relatada por Naomi Klein em seu livro, mostrou ainda que há uma média de mais de 16 vazamentos por dia e que este número vem aumentando muito desde 2010. Nos 12 estados norte-americanos onde foi feito o estudo comparativo, havia cerca de 17% de vazamentos sem conserto.
“É evidente que as empresas estão fazendo um trabalho ineficaz na hora de limpar a sujeira que fazem. Numa investigação feita pelo jornal “The New York Times” sobre vazamentos de dutos de líquidos perigosos (a maioria relacionada ao petróleo), em 2005 e 2006 os operadores reportaram mais de 60% de recuperação desses líquidos. Já no período compreendido entre 2007 e 2010, a recuperação diminuiu bastante, para menos de um terço disso”, escreve Klein.
Num mundo, ainda hipotético, em que a preocupação com as mudanças climáticas seja real, lembra a ativista, esta série de desastres e o baixo investimento para limpar o enorme impacto dos vazamentos ao meio ambiente exigiria das autoridades uma punição adequada. Mas nada aconteceu, o que permitiu que outros empreendimentos ainda mais perigosos continuem a ser feitos. Parte disso por culpa de corrupção tanto do setor privado ligado à indústria petrolífera quanto público norte-americano. Lá, como cá…
A sorte dos indígenas do Alaska que ficarão, pelo menos por enquanto, livres do perigo iminente de ver sua vizinhança coberta de óleo ou líquidos venenosos, não é a mesma de tantos outros povos. Recentementepubliquei aqui, por exemplo, a luta de indígenas equatorianos para conseguirem receber da transnacional Chevron a multa que a justiça de seu país aplicou por ter causado danos ambientais tremendos com sua produção petrolífera.
Se, internacionalmente, os ativistas ambientais hoje estão em dia de glória, aqui no Brasil também há um clima, senão de comemoração, pelo menos de observações positivas comedidas por conta do anúncio feito ontem pela presidente Dilma Roussef na Cúpula para a Adoção da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 da ONU. O Brasil anunciou finalmente seu INDC (expressão usada pelas Nações Unidas para as metas de cada país em reduzir emissões): 37% até 2025 e 43% até 2030.
O que acho importante refletir sobre este anúncio é que ele precisa ser lido exatamente como é, ou seja, uma carta de intenções que não vai depender apenas de ações governamentais, mas de todo o setor privado, da bancada ruralista do Congresso e, no fim, também dos cidadãos comuns, para dar resultado.
Para quem ainda está distante deste assunto, a preocupação com um aquecimento ainda maior do planeta é com as milhares de pessoas que não terão água potável para beber ou que moram em áreas cada vez mais sujeitas a eventos extremos, tipo tempestades e furacões. Pequenos agricultores também vão ter que procurar outra forma de ganhar a vida.
No clima de crise política e econômica em que estamos, o anúncio da presidente certamente amanhã terá caído no esquecimento. E só voltará a ser lembrado no fim do ano, quando a Conferência do Clima convocada pela ONU (COP-21) deverá alardear ainda mais as intenções de todos os países no caminho de uma economia de baixo carbono.
E aqui é importante fazer a ligação entre o desejo de se alcançar essa economia e o anúncio que a Shell acaba de fazer. Para baixar emissões de carbono é preciso, além de outras medidas, reduzir a dependência do mundo do petróleo, fenômeno que ficou cada vez mais intenso a partir dos anos 50. Numa visão apenas econômica, significa dizer que a indústria de petróleo terá que se preocupar em baixar sua produção e aproveitar sua expertise para encontrar outras fontes de energia. No micro, significa que aquele carro SUV que está na garagem de muitos cidadãos vai ter que… ficar na garagem. Para isso, as cidades precisarão se reestruturar e oferecer condições de mobilidade urbana com transporte público eficiente. É uma mudança real que vai exigir muito de todos nós.
Mas ainda há os que preferem entender que todo esse alerta não passa de invenções dos cientistas. Exigir dessas pessoas céticas uma postura diferente será tarefa hercúlea. O bom é pensar que existe uma juventude hoje, bem distante do sonho de consumo que caracterizou as gerações pós-guerra, pronta para imprimir um novo estilo de vida que, no fim e ao cabo, vai ser muito melhor para todos.
Fonte: G1