Por Aldem Bourscheit
Uma área do tamanho da Argentina já está registrada no sistema federal para cadastro da situação ambiental de imóveis rurais, um estratégico dispositivo do chamado Novo Código Florestal já regulamentado. Isso mostra que o Cadastro Ambiental Rural (CAR) ultrapassou o “ponto de não retorno”, já é um instrumento de gestão pública com potencial para conter o desmatamento ilegal e para injetar mais sustentabilidade em planos e estratégias de desenvolvimento. Claro, há aspectos normativos e técnicos a serem vencidos, por exemplo, no tangente à validação dos dados inseridos na base eletrônica de informações.
Driblando essa realidade, ainda pairam ameaças ao necessário estabelecimento de uma lei com impacto direto na conservação da natureza, no equilíbrio climático, na manutenção das fontes de água e, também, na qualidade da produção no campo. Quase 30 propostas tramitam no Congresso Nacional sugerindo alterações ao Novo Código Florestal, muitas demandando a consolidação da ocupação de margens de rios, encostas e outras áreas que não deveriam estar ocupadas em zonas urbanas, outras pretendendo adiar sem critérios o prazo para que todos os imóveis rurais atendam ao CAR.
Nesse sentido, posições públicas se dividem. Enquanto certas entidades ligadas ao agronegócio pregam o 5 de maio deste ano como limite imutável para o cadastro de imóveis, pois sua base de apoio não encontra dificuldades para atender à legislação, outras afirmam serem necessários pelo menos mais 2 anos para o cadastramento. Nesse imbróglio, uma imensa massa de pequenas propriedades ainda não obteve o apoio definido em lei para se cadastrar.
Tal impacto tem que ser pesado, especialmente sobre a Agricultura Familiar, pois quem não se cadastrar até a data limite pode perder “vantagens” trazidas pela nova legislação florestal, como a da redução das áreas de vegetação a serem recuperadas nos imóveis rurais, e, a partir de maio de 2017, não ter mais acesso a créditos e financiamentos bancários.
A sanha por adiamentos sem critérios técnicos é tamanha que, passados poucos dias, conhecido representante da Bancada Ruralista tentou enxertar artigo com esse fim na votação de uma medida provisória sobre a rolagem de dívidas ligadas à compra de caminhões e carretas. Um projeto que joga o prazo do CAR para 2018 aguarda votação na Comissão de Meio Ambiente do Senado e, quando chegar à Câmara dos Deputados, uma esmagadora maioria ruralista poderá dar “novos rumos” ao dispositivo. E isso será apenas um aperitivo: mais mudanças pró-ruralistas podem vir a serem inseridas no Novo Código Florestal.
Entorpecido pela crise política, o Governo precisa encontrar tempo e meios para coordenar um caminho legislativo menos arriscado para o futuro do Novo Código Florestal, mais ainda para sintonizar os discursos entre as pastas da Agricultura e do Meio Ambiente. Declarações contraditórias das duas ministras, uma delas oriunda do seio do agronegócio, quanto ao prazo final para o CAR, têm semeado dúvidas entre os produtores rurais, mais uma vez especialmente entre os pequenos.
A implantação efetiva do Novo Código Florestal é inadiável, mas ela depende mais do que nunca de um esforço coordenado em nível nacional, seja para a consolidação do CAR e das ações de restauração florestal, para a definição de incentivos econômicos à aplicação da lei e especialmente à manutenção de excedentes legais de vegetação nativa. Daí virão melhores rumos para o uso da terra e de outros recursos naturais.
Fonte: (o)eco