“A sobriedade é conveniente”. Entrevista com Grammenos Mastrojeni


Foi aberta oficialmente na última quinta-feira em Vicenza a décima quarta edição do Festival Bíblico, dedicado este ano ao tema do “futuro”. Na primeira noite estiveram no palco a jornalista Conchita De Gregorio e o padre Luciano Manicardi, prior da Comunidade de Base. Em Verona, na sexta-feira, os convidados serão o diplomata Grammenos MastrojeniGrégoire Ahongbonon e Timothy Verdon. Na sede de Vittorio Veneto, no sábado, será investigada a contemporaneidade através das linguagens da arquitetura civil com Tito SartoriCarla Palu e Giacomo Dall’Ava(em Conegliano) – e da comida (em Vittorio Veneto).

mudança climática não mostra sinais de parar. E certamente não pode ser parada com muros. “Podemos até nos iludir que estamos levantando algum tipo de barreira contra os migrantes que chegam da África – ressalta Grammenos Mastrojeni – mas isso não nos torna mais bem-vistos para os países da Europa setentrional. Quando chegar a hora, serão eles que irão erguer muros contra nós. A menos que se comece a pensar de maneira diferente, é claro.”

A entrevista é de Alessandro Zaccuri, publicada por Avvenire, 03-05-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.

Diplomata e professor universitário, há pelo menos um quarto de século, Mastrojenianalisa a relação entre crise ambiental, instabilidade política e fragilidade econômica. Publicou muitos livros sobre o assunto (o mais recente é Effetto serra, effetto guerra, ‘Efeito estufa, efeito guerra’, escrito em parceria com o climatologista Antonello Pasini e publicado no ano passado pela Chiarelettere), com particular destaque para as oportunidades oferecidas por uma nova visão de desenvolvimento compartilhado. “Para um futuro de ecologia integral” é o título da palestra que o estudioso realizará na sexta-feira em Verona, como parte do Festival Bíblico, que este ano coloca em tema o futuro, com seus vários aspectos.

“O ponto fundamental – explica Mastrojeni – é que por muito tempo consideramos a proteção ambiental como um limite para o desenvolvimento econômico. Mas é um erro, do qual depende uma longa série de escolhas equivocadas”.

Eis a entrevista.

Por quê?

Porque a verdade é o contrário. A proteção do ambiente e o desenvolvimento caminham juntos e interagem de forma positiva. O ser humano não representa uma entidade desprovida de ligações com o ambiente natural em que vive e atua. Percebemos isso quando voltamos a considerar aquelas linhas de conduta, já presentes nos Evangelhos, que foram assumidas pelos cristãos como um exercício de superação de si mesmos. Não são apenas preceitos morais, mas verdadeiras regras de maximização do bem-estar.

Você está dizendo que a sobriedade é conveniente?

É um princípio muito simples: o acúmulo de bens materiais determina um desequilíbrio em detrimento do meio ambiente, enquanto uma perspectiva de realização integral da pessoa humana leva a assumir uma atitude de proteção para o próprio meio ambiente.

O que nos impede de ir nessa direção?

O sistema de medição do desempenho econômico, em primeiro lugar. A insistência sobre o rendimento em nível individual e no PIB em nível coletivo só acentua a desigualdade, introduzindo graves elementos de instabilidade. O quadro muda completamente quando integramos no cálculo os fatores levados em consideração pelos indicadores econômicos mais avançados: a paz social, o tempo para a família, o cuidado com a saúde. Nesse caso, a busca pela sustentabilidade empurra a todos, indivíduos e nações, no ponto mais alto da linha de produtividade marginal.

O seu é um presságio?

Com forte base científica: dentro de um processo de co-evolução, é perfeitamente normal que as condições mais favoráveis sejam aquelas que protegem o sistema como um todo.

Quais são as implicações geopolíticas desse princípio?

Na atual fase, os problemas ambientais interessam principalmente às sociedades mais frágeis, com as consequências bem conhecidas em termos de conflitos e migrações forçadas. O que acaba sendo afetado, no entanto, é a própria esperança de poder conservar um ambiente funcional e produtivo para todos. A tentação, agora, é acreditar que os desequilíbrios climáticos sejam um problema que diz respeito quase que exclusivamente às nações mais pobres e como tal deve ser gerenciado e contido. Não é assim. Se queremos evitar que os desastres atinjam limites insustentáveis em termos globais, precisamos assumir uma conduta mais responsável, que influa de forma favorável principalmente nas áreas mais desfavorecidas do planeta. Em jogo não está apenas a solidão a que seriam abandonados os países em desenvolvimento, mas a possibilidade de ter um futuro razoável para toda a humanidade.

A partir da Europa?

Do ponto de vista estritamente geográfico, a Europa é uma ficção, uma vez que há uma substancial solução de continuidade em relação à Ásia. A peculiaridade europeia é, no máximo, de natureza climática, porque são as condições ambientais que estabelecem uma comunidade de interesses. A revolução agrícola começou a partir de um território que, até este momento, esteve sujeito ao anticiclone dos Açores. Mas hoje a situação está mudando, na Europa é cada vez mais perceptível a influência do anticiclone subtropical africano e disso só pode nascer um diferente equilíbrio geopolítico. Nosso destino está cada vez mais ligado àquele dos povos do Saara.

Itália, neste caso, é chamada a exercer uma função de ponte, de modo a permitir à Europa de elaborar uma economia realmente extrovertida, capaz de se projetar para a outra margem do Mediterrâneo. A instabilidade da África, no ponto em que estamos, é um obstáculo para o desenvolvimento de toda a economia.

Então, temos que olhar mais para o sul?

Não é assim tão simples. O maior risco de desestabilização, de fato, não vem do mar, mas das montanhas. O derretimento das geleiras do Himalaia não configura só um dano do ponto de vista paisagístico, mas traz desordem em um sistema extraordinariamente complexo. Uma alteração mundial das montanhas resultaria em um êxodo de mais de 900 milhões de pessoas, exatamente o dobro daquelas que seriam forçadas a migrar como resultado de uma elevação drástica das águas marinhas.

Existe alguma coisa que possamos fazer?

Sim, parar de pensar que a solução tem que vir da política. Não é uma questão de tratados internacionais mais ou menos exigentes ou eficazes. Na construção da resposta faltam principalmente as pessoas comuns, que ainda não estão convencidas do quanto os comportamentos do dia-a-dia desempenham um papel decisivo no destino do planeta.

 

Instituto Humanitas Unisinos