Amazônia será prioridade


Foto: AFP PHOTO / JODY AMIET

Ao deixar esse comando para assumir um cargo burocrático na diretoria de ciência e tecnologia, negando que o ato fosse uma punição não declarada por suas críticas ao governo Lula, o general referendou a aplicação da doutrina de segurança nacional como fonte da ação regional do governo federal:

“A Amazônia brasileira é Brasil, é nossa, e não tem ninguém que deva ficar dando palpite na Amazônia. Nenhum país no mundo tem a moral para dar palpite em termos de conservação ambiental, preservação, não sei o quê”.

As forças armadas poderiam continuar a agir simultaneamente como guardiãs da integridade nacional na vasta fronteira e agências de desenvolvimento regional, como fizeram, principalmente entre as décadas de 1960 e 1970.

Por isso, o general criticava a ênfase na manutenção e ampliação de áreas indígenas nas faixas de fronteira amazônicas, que se estendem por nove mil quilômetros com quatro países do continente (VenezuelaColômbiaPeru e Bolívia), quando a prioridade deveriam ser os pelotões de selva. Não como ele os comandou, com graves carências, “submetidos a um enorme sacrifício”, mas qualificado – em efetivo, armamento, tecnologia e condições de vida – para bem desempenhar a sua missão.

“A nossa grande arma na Amazônia é dispor do melhor combatente de selva do mundo. Cerca de 60% [dos militares que servem na região] são de origem indígena. Eles conhecem profundamente a selva e aproveitam a selva como ninguém”, declarou à imprensa.

Embora considerasse “caótica” e “lamentável” a política federal para a Amazônia no seu período de comandante, ressaltou que o planejamento federal previa a instalação de unidades militares em todas as áreas indígenas, embora discordasse da forma de execução dessa diretriz:

“É uma coisa boa, logicamente, mas eu sempre disse que não é o efetivo que está atuando que vai resolver o problema. Temos que lutar, na Amazônia, por qualidade, por capacidade de projeção de poder, capacidade de atuação com material moderno, o reequipamento das nossas organizações militares na Amazônia. Não me comove profundamente aumentar o efetivo. Inclusive tenho pleiteado que se termine o que já existe. Tenho brigadas na Amazônia que ainda não foram completadas. Tenho instalações de pelotões na Amazônia que ainda não têm luz durante 24 horas e nem água potável saindo nas torneiras”, reclamou.

Suas críticas à ação estatal em relação aos índios se acentuaram quando ele se opôs à demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, dos índios Yanomami, em Roraima, a mais extensa da região, como território contínuo. Mas se calou quando o Supremo Tribunal Federal, por 10 a 1, manteve o ato. “Decisão se cumpre”.

Talvez porque, em outro ponto da sua teoria geopolítica sobre a maior fronteira de recursos naturais do planeta, sua posição coincidisse com a de todos os presidentes que ocuparam o Palácio do Planalto, mesmo depois da redemocratização: de que as organizações não-governamentais estrangeiras deveriam ser fiscalizadas e controladas, como forma de impedir a biopirataria, a influência internacional sobre os índios e a venda de terras na floresta amazônica.

O ministro da Justiça de LulaTarso Genro, declarara que grande parte das 100 mil ONGs que atuariam na Amazônia não cumpriam suas finalidades estatutárias: “Muitas delas escondem interesses relacionados à biopirataria e à tentativa de influência na cultura indígena, para apropriação velada de determinadas regiões, que podem ameaçar, sim, a soberania nacional”.

O projeto de uma nova lei de estrangeiros foi concebida para que estrangeiros, ONGs e instituições similares internacionais, mesmo com vínculos religiosos, precisassem de autorização expressa do Ministério da Defesa, além da licença do Ministério da Justiça, para atuar na Amazônia Legal. Sem esse procedimento, o visitante estrangeiro teria seu visto ou residência cancelados e seria retirado do país. Nesse ponto, esquerda e direita têm partilhado a teoria sobre a permanente cobiça internacional da Amazônia, um perigo constantemente a rondar a grande floresta.

Agora, ao que sugerem os fatos recentes, o general Heleno terá a oportunidade de voltar a comandar a Amazônia a partir do ministério da Defesa e não mais de um posto subordinado, aplicando as suas ideias. Ele acompanhou o presidente eleito na visita que ele fez durante a campanha eleitoral a Marabá, no sul do Pará, a principal cidade do vale do AraguaiaTocantins, que ocupa a 11.ª posição no ranking do Atlas da Violência.

Foi nessa região que o Partido Comunista do Brasil instalou um movimento guerrilheiro, entre 1969 e 1972. Para combatê-lo, o Exército transferiu mais de dois mil militares e criou a 23.ª Brigada de Infantaria.

Apesar de as unidades militares locais terem duplicado em relação à época da guerrilha, na reunião com os integrantes da unidade o general Heleno garantiu que o passado está superado e não tem conexão com o presente. O aumento do efetivo foi em função da relevante participação do 23º BIS na missão das Nações Unidas no Haiti, comandada por ele entre 2004 e 2005. Admitiu, porém, que essa presença destacada do Exército se justifica por se tratar de “uma região enorme no coração da Amazônia Oriental, de grandes problemas internos, de desmatamento, de conflitos sociais e atuação de movimentos de reforma agrária. Politicamente, é importante manter uma tropa”.

Apesar dessa forte presença, os índices de criminalidade têm aumentado nesses municípios. Atividades como mineração, garimpagem, pecuária, extração madeireira e agricultura, tendo como principal eixo a província mineral de Carajás, a maior do mundo, atraem numerosos contingentes de imigrantes. A estrutura de serviços do poder público não acompanha essa progressão. A violência cresce ainda mais com esse vácuo institucional, que, provavelmente, o general Augusto Heleno queira preencher.

IHU