Por Nádia Pontes
O rompimento da barragem em Brumadinho tornou o Paraopeba um rio tóxico por mais de 300 km. Nova análise mostra que em alguns pontos, de tão degradado, nem bactérias sobrevivem. Danos podem chegar ao São Francisco.
Um pouco mais de 200 quilômetros depois de brotar de suas nascentes, o Paraopeba se transformou num rio tóxico. Ferro, cobre, manganês e cromo são encontrados na água numa concentração muito maior do que a lei permite – e do que a saúde humana tolera.
A conclusão vem após uma série de análises de laboratório feitas a pedido da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG que organizou uma expedição com pesquisadores pela área afetada com rejeitos da barragem da Vale em Brumadinho, tragédia ocorrida há um mês.
De tão preocupantes, alguns resultados surpreenderam a equipe. “Nos primeiros trechos onde fizemos coleta de água, o rio estava tão morto, tão degradado, que nem bactérias sobreviveram. Isso não aconteceu nem no rio Doce”, afirma Malu Ribeiro, especialista em Recursos Hídricos da fundação.
Em 2015, o rio Doce recebeu uma grande carga dos 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos que vazaram da barragem de Fundão, em Mariana, da mineradora Samarco, Vale e BHP Billiton. Três anos e dois meses depois, foi a vez de o rio Paraopeba ser impactado por uma catástrofe semelhante, ao receber parte dos 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Ambas as bacias hidrográficas nascem no estado de Minas Gerais e abastecem populações em grandes cidades.
Segundo Ribeiro, os metais pesquisados foram encontrados ao longo de toda a extensão do Paraopeba impactada pelos rejeitos da Vale – cerca de 305 quilômetros, de Brumadinho a Felixlândia.
Dos 22 pontos de coleta da água, todos apresentaram índice de qualidade ruim (10) e péssimo (12). A análise, que segue a legislação vigente no pais, investigou 16 parâmetros, que incluem temperatura da água, oxigênio dissolvido e presença de coliformes, peixes e larvas, para citar alguns exemplo.
“O rio Paraopeba perdeu a condição de ser fonte de abastecimento de água. Os rejeitos da mineração tonaram suas águas impróprias e indisponíveis para usos em uma extensão de 305 quilômetros”, afirma o relatório.
Segundo as companhias de abastecimento que retiravam água do rio para consumo humano, as captações estão suspensas.
Para os pesquisadores, os metais ferro, cobre, manganês e cromo identificados no Paraopeba têm, sem dúvida, origem na mina de rejeitos que rompeu. Metais tóxicos foram localizados, como chumbo e mercúrio, mas a sua fonte não foi confirmada.
Estudos científicos comprovam que, para ter uma vida saudável, o ser humano precisa de doses pequenas de alguns metais como cobre, ferro, manganês e zinco – os chamados micronutrientes.
Por outro lado, a ingestão direta desses metais dissolvidos na água ou acumulados nos peixes, por exemplo, provoca distúrbios no metabolismo.
Como estão em níveis muito elevados no Paraopeba depois do rompimento da barragem, esses elementos causam problemas para os ecossistemas, para os animais e seres humanos.
Em alguns trechos, a concentração de cobre ultrapassa em 400 vezes o nível seguro fixado pela lei. Ingerido em grandes quantidades, o metal pode danificar rins, inibir a produção de urina e causar anemia. O cromo, por sua vez, pode causar mutações e até morte.
“A diferença entre o remédio e o veneno é a dosagem”, pontua Marta Marcondes, professora da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), numa referência a Paracelso, médico do século 16.
No laboratório da universidade, Marcondes conduziu diversos testes com o material coletado de Brumadinho a Felixlândia. “O manganês, por exemplo, é um elemento que está na natureza, precisamos dele no corpo. Mas, se ingerido em grande quantidade, ele vai se alojar em tecidos que vão ocasionar algum tipo de lesão”, comenta.
Além dos metais e da qualidade da água, Marcondes investigou a presença de bactérias. Segundo a pesquisadora, a avalanche de rejeitos, ao varrer zonas que continham fossas e criações de animais, arrastou para o rio organismos que podem também provocar danos à saúde humana.
“Isso é um efeito preocupante. As pessoas do entorno, que já estão debilitadas, podem sofrer um processo infeccioso causado por essas bactérias”, comenta Marcondes. “Segundo nossas análises, pelos menos oito espécies encontradas são resistentes a antibióticos”, comenta sobre os resultados preliminares.
De posse dessas informações, produzidas de forma independente pela SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro espera que os dados sejam usados na tomada de decisões sobre a recuperação da bacia hidrográfica do Paraopeba.
“A gente espera também que a legislação ambiental brasileira não seja fragilizada. A fragilização das leis pode potencializar situações como essa a que estamos assistindo em Minas Gerais”, afirma.
Para Marta Marcondes, os resultados deveriam funcionar como um alerta. “Não se pode manter a população afetada na ignorância”, alerta. Com base na experiência em análises de dinâmica de rios ao longo dos últimos 15 anos, ela faz uma previsão. “Os rejeitos que escorrem pelo Paraopeba, mais cedo ou mais tarde, chegarão ao São Francisco”. Com mais de 2800 quilômetros de extensão e 18 milhões de moradores no entorno de sua bacia, o rio é um dos mais importantes do país.
Deutsche Welle, 27-02-2019.