Cientistas detectam imenso branqueamento de corais no sudeste brasileiro


Mussismilia hispida, conhecida como coral-cérebro. (Thomás Banha/ ECO)

Os corais são como árvores e os recifes que formam como florestas tropicais nos mares. As estruturas de carbonato de cálcio que produzem criam uma grande variedade de habitats para inúmeros outras espécies de animais, entre as quais uma enorme quantidade de peixes. Nada menos que 25% da biodiversidade marinha estão associadas aos recifes. Por isso, é muito preocupante um fenômeno que vem ocorrendo cada vez com mais frequência nessas estruturas em todos os oceanos: o branqueamento de corais. Entre as principais causa disso está o aquecimento global, que eleva a temperatura dos oceanos.

No Brasil, pesquisadores das universidades de São Paulo (USP), Estadual Paulista (Unesp) e Federal da Paraíba (UFPB) detectaram, em fevereiro deste ano, o mais intenso evento de branqueamento de corais já registrado no Atlântico Sul. Ele foi observado na região de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo. O mesmo fenômeno, mas com menor gravidade, também foi percebido nas águas do entorno do arquipélago de Alcatrazes, localizado a 35 quilômetros de São Sebastião, na mesma região.

O mais preocupante é que a espécie atingida, a Mussismilia hispida, conhecida como coral-cérebro, endêmica do Brasil, é uma das mais resistentes que se conhece. Mesmo assim, 80% das colônias da região estudada branquearam e 2% morreram. “Pode parecer pouco, mas, para aquele local, não é”, diz o oceanógrafo Miguel Mies, do Laboratório de Ecologia e Evolução de Mar Profundo (LAMP), do Instituto Oceanográfico da USP (IO), um dos coordenadores do estudo, “No ano que vem deve ser maior, especialmente se as colônias tiverem dificuldades na recuperação.”

Segundo Mies, o branqueamento dos corais ocorreu por causa do aquecimento anormal das águas do Atlântico, no sudeste brasileiro. “A temperatura média normal delas é em torno de 27ºC”, explica. “Mas durante cerca de um mês no início deste ano, entre meados de janeiros e meados de fevereiro, ela ficou acima da média, chegando em alguns dias a 31-32ºC. É esta longa exposição dos corais a temperaturas acima da média que leva ao branqueamento deles.”

Em Alcatrazes, o problema foi menor. Apenas cerca de 30% das colônias branquearam, a maioria na faixa dos seis metros de profundidade. “Até o momento temos duas hipóteses principais para esses resultados”, diz bióloga Katia Capel, do Centro de Biologia Marinha da USP (CEBIMar-USP), que estudou o fenômeno no arquipélago. “A primeira, é a presença de termoclina (variação brusca de temperatura em uma determinada profundidade), mais constante em Alcatrazes, que atuou como um ‘amortecedor’ da temperatura, protegendo os corais do branqueamento. “A segunda é que, devido aos esforços para sua preservação, este arquipélago possui um ambiente mais ecologicamente equilibrado, o que, naturalmente, deve aumentar a sua resistência e resiliência a mudanças de clima que estamos presenciando.”

Embora o fenômeno seja denominado “branqueamento”, este termo, na verdade, não define com precisão o que ocorre com os corais. A primeira vista, a palavra dá a entender que eles ficam brancos ou adquirem essa cor. O que acontece de fato, no entanto, é que, nesse caso, os corais ficam com seus esqueletos expostos, que são brancos naturalmente e recobertos por uma camada de tecido translúcido. A cor deles é dada por microalgas fotossintetizantes, chamadas zooxantelas.

Katia explica que grande parte dos corais de água rasa vivem em associação simbiótica com essas microalgas. Por meio da fotossíntese, elas produzem grande parte da energia necessária aos seus hospedeiros “Esta associação auxilia na nutrição deles, pois as zooxantelas endosimbiontes, em troca de ‘abrigo’ e subprodutos do metabolismo do coral, podem chegar a suprir grande parte das carências energéticas do animal”, diz.

Marcelo Soares, da Universidade Federal do Ceará (UFC), que estuda o fenômeno na costa do Nordeste, explica que as zooxantelas fornecem alimento para o coral, funcionando como pequenas fábricas de produção de comida, que usam a luz do sol, carbono e nutrientes. “Essas microalgas também fornecem a coloração dos corais”, acrescenta. “Quando elas saem do coral, eles perdem uma fonte importante de nutrição e também sua cor.”

Diversas situações de estresse podem fazer com que essa relação simbiótica seja quebrada, sendo o branqueamento o resultado mais visível da expulsão das microalgas. Entre elas, está o aumento da temperatura da água. “Quando as zooxantelas são expostas ao estresse térmico, elas produzem espécies reativas de oxigênio, que são nocivas aos corais”, explica Mies. “Por conta disso, eles as expulsam de seus tecidos, deixando seu esqueleto branco exposto. Como essa relação simbiótica é essencial para os animais, muitas vezes o branqueamento leva à morte.”

De acordo com Katia, apesar de ser uma resposta específica para cada espécie de coral e seus respectivos simbiontes, devido a pouca capacidade deles em suprir suas carências energéticas sem o auxílio das microalgas por períodos prolongados, dependendo do tempo em que a anomalia térmica permanece, os corais morrem por inanição ou doenças relacionadas a ela. Mas, se o período for curto, eles conseguem se recuperar.

O problema é que essas anomalias estão cada vez mais frequentes e durando mais tempo, aumentando o número de casos de branqueamento em massa. “No Brasil existe pouca documentação, mas dezenas de eventos já foram documentados”, conta Mies. “No mundo, são incontáveis. No mínimo muitas centenas. O mais grave é que estamos vivenciando eventos globais, nos quais a maioria dos recifes do mundo inteiro branqueia ao mesmo tempo. O primeiro foi em 1998, o segundo em 2009, o terceiro em 2014 e estamos entrando no quarto.”

Para Soares, o branqueamento é um problema grave, que responde por parte dos danos ambientais dos recifes. “Em todo o mundo, passando pela Austrália (grande barreira de corais), Caribe, África e Brasil, os recifes tem a cada ano experimentado temperaturas altas nos mares”, explica. “Isto cria um estresse após outro, o que dificulta que as colônias possam se recuperar. Em 15 a 20 anos, se o controle das emissões de carbono não for feito, perderemos cerca de 80% deles. Fora o aquecimento global, temos pesca excessiva, plásticos, poluição e o turismo descontrolado que também os estão degradando.”

Mies, por sua vez, alerta para os prejuízos que advêm da morte dos corais. “O desaparecimento deles significa perda de habitats e, consequentemente, de biodiversidade”, alerta. “Além do disso, recifes são economicamente importantes, pois produzem alimento para países costeiros, particularmente para aqueles de porte pequeno, que não possuem gado. Eles também são atrações turísticas, muito relevantes para o PIB de muitas nações dependente dessa atividade; fonte de compostos para indústria farmacêutica; e importantes para a aquariofilia. Perdê-los significa prejudicar esses países e atividades econômicas, além, é claro, da biodiversidade do planeta.”

ECO