Código Florestal: MP 867 que perdoa crimes ambientais perde validade, mas Bolsonaro promete novo texto


MP reduziria a obrigação de proprietários rurais recuperaram áreas ambientais desmatadas, permitindo a eles acesso a créditos públicos rurais. (Agência de Notícias do Acre)

Sem ser votada pelo Senado, a Medida Provisória 867, de 2018, caducou nessa  segunda-feira, 3. Na semana passada, os senadores fecharam acordo para não analisá-la, mesmo tendo sido aprovada pelos deputados. A MP foi editada no fim do ano passado pelo então presidente Michel Temer.

O governo analisa agora se envia outra medida provisória sobre o tema ao Congresso ou se edita um projeto de lei com urgência. Em ambos os casos, a tendência é apresentar texto semelhante ao que foi aprovado pela Câmara na análise da MP que perdeu a vigência.

Os deputados aprovaram a prorrogação, até 31 de dezembro de 2020 do prazo de adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). Esse programa regulamenta a adequação de áreas de proteção permanente (APP) e de reserva legal de propriedades rurais à legislação em vigor. Inicialmente, a MP previa prorrogar a adequação apenas para o fim deste ano.

Os deputados, porém, incluíram com apoio dos ruralistas, um “jabuti” que possibilitaria a anistia do desmatamento de uma área equivalente a duas vezes o Estado de Sergipe, cerca de cinco milhões de hectares quadrados. Assim, ela reduziria a obrigação de proprietários rurais recuperaram áreas ambientais desmatadas, permitindo a eles acesso a créditos públicos rurais.

Senadores contrários

Na última semana, vários senadores se declararam contrários à aprovação da MP 867/2018. “O projeto foi totalmente transformado, foi desvirtuado na Comissão Mista. Além disso, inclui mudanças no Código Florestal que vão trazer um retrocesso para o nosso país. Até nas importações. É um projeto muito ruim para os nossos produtos. Mais que isso: é um desmonte do Código Florestal”, afirmou a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP).

Na mesma linha foi o senador Flávio Arns (Rede-PR). “É muito melhor que a medida provisória caduque, deixe de existir, se vier com todas essas mudanças para cá, do que nós aprovarmos alguma coisa que vai colidir, confrontar com tudo aquilo que tanta gente boa já vem desenvolvendo pelo Brasil”, disse.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) foi enfático ao apelar contra a votação da MP. “Isso é uma afronta! Isso é um escárnio com a população brasileira, isso é um escárnio com a população mundial, porque não é só o impacto no meio ambiente, isso vai impactar na economia. Nenhum país desenvolvido vai querer celebrar contrato com o Brasil se ele não provar a origem lícita, ambientalmente sustentável.  (…) Presidente, nós temos que proteger os produtores da ganância. Isso só vai beneficiar 4% deles. É como se nós autorizássemos fazer uma omelete e uma canja com a própria galinha dos ovos de ouro. Nós não podemos permitir isso, senhor presidente!”, disse Contarato, dirigindo-se a Davi Alcolumbre.

Código Florestal: especialistas repudiam anistia a desmatadores

Os sete anos de vigência do novo Código Florestal foram tema de audiência pública interativa promovida pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado  na última semana (29). Os debatedores fizeram um balanço dos avanços desde a sanção da Lei 12.651, de 2012, e criticaram a MP 867/2018, que prorroga o prazo máximo para proprietários rurais aderirem ao programa governamental de regularização ambiental.

A secretária-executiva do Observatório do Código Florestal, Roberta del Giudice, informou que o chamado Cadastro Ambiental Rural (CAR), criado pelo novo código, já está implementado em todos os estados do país e no Distrito Federal há cinco anos. Já o Programa de Regularização Ambiental (PRA) foi implementado até o momento em 17 estados e no Distrito Federal.

Roberta explicou que a inscrição no CAR é o primeiro passo para que o proprietário rural promova a regularização ambiental de sua propriedade. Em seguida, o proprietário tem a opção de aderir ao PRA, que proporciona a regularização de passivos ambientais e infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em áreas de preservação permanente (APP), de reserva legal (RL) e de uso restrito.

Atualmente, disse Roberta, o país já tem mais de 514 milhões de hectares cadastrados no CAR, totalizando mais de 5,6 milhões de imóveis. Ela criticou a MP 867 por entender que prorrogar o prazo para inscrição no CAR vai premiar aqueles proprietários que não cumprem o Código Florestal.

Conforme afirmou a secretária-executiva do Observatório, apenas 4% dos imóveis rurais não cumprem as regras do código (pouco mais de 147 mil imóveis), enquanto o restante já começou a adotar medidas para se adequar. Ela disse ainda que o desmatamento de florestas nativas é a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa (51% das emissões) no país. Roberta afirmou ainda que as alterações promovidas pela MP 867 garantem novas anistias que podem chegar a mais de 6 milhões de hectares dispensados de recuperação.

Por sua vez, o coordenador técnico do Observatório do Clima e coordenador-geral do MapBiomas, Tasso Azevedo, informou que o Brasil ainda tem 63,3% de seu território coberto por florestas, enquanto 29,4% estão em uso pela agropecuária. Ele acrescentou que menos de 50% do país é coberto por vegetação nativa preservada.

Tasso afirmou também que o Brasil possui atualmente 259 milhões de hectares de áreas protegidas (terras indígenas, unidades de conservação e áreas de proteção ambiental). Para agropecuária, são 245 milhões de hectares. “O principal motor do desmatamento é o pasto para a pecuária”, disse Tasso, ao informar houve desmatamento de 40 milhões de hectares no país entre 1985 e 2017, sendo 90% dessa área destinada a pastagens.

Votação na Câmara

O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Raoni Rajão também criticou a MP 867, que recebeu várias emendas e estava sendo votada naquele momento pelo plenário da Câmara dos Deputados. Para ele, não é necessário prorrogar o prazo de inscrição ao CAR, o que só beneficiaria médios e grandes proprietários que não respeitam a legislação.

A audiência pública interativa foi conduzida pelo presidente da CMA, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES). Ele também se posicionou contrário à MP da regularização ambiental por entender que as mudanças vão beneficiar apenas 4% de proprietários rurais, desconsiderando 96% que já estão adaptados à legislação. O senador criticou também o fato de que a MP 867 vai chegar ao Senado com pouco tempo para análise, pois a medida tem de ser votada até segunda-feira (6) para não perder validade.

Também crítico à MP, o senador Confúcio Moura (MDB-RO) afirmou que o desmatamento causa danos ambientais e comerciais ao país. Ele disse que a MP 867 não trata de tema urgente e relevante, como manda a Constituição, e lembrou que o novo Código Florestal foi debatido por muitos anos no Congresso antes de ser aprovado, em 2011, e sancionado, em 2012.

Recuperação reduzida

A MP 867/2018 prorrogou até 31 de dezembro de 2019 o prazo para adesão ao Programa de Regularização Ambiental. O prazo teria terminado em 31 de dezembro de 2018.

O texto que os deputados federais estavam votando nesta quarta-feira, de autoria do deputado Sergio Souza (MDB-PR), permite aos proprietários que desmataram recalcular o total a ser recuperado com base em percentuais anteriores ao atual Código Florestal e somente sobre o que existia de vegetação nativa na época.

Assim, em vez de recomporem, segundo o PRA, reserva legal menor que 80% do imóvel na Amazônia, 35% no Cerrado e 20% nos demais biomas, os proprietários poderão usar os percentuais de 20% para o cerrado e de 50% para a Amazônia. Parlamentares contrários à mudança a interpretam como uma diminuição da obrigação que o agricultor tem de recuperar a reserva legal desmatada.

Agência Estado, Reuters e DomTotal