Questão ambiental nunca foi levada a sério, muito menos no governo atual, diz pesquisador


Busca pelo ouro aumenta desmatamento na Amazônia e Bolsonaro já sinalizou vontade de criar uma ‘nova Serra Pelada’. Foto (Arquivo Agência Brasil)

Por Rômulo Ávila 
Repórter Dom Total

Ex-presidente da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), o professor do mestrado e doutorado em Direito Ambiental da Dom Helder Escola de Direito, José Cláudio Junqueira, vê retrocessos em alguns pontos da política ambiental adotada na gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Em entrevista ao DomTotal (leia abaixo), Junqueira destaca a importância do agronegócio para o país, mas avalia que é preciso uma política de compatibilização, especialmente na questão do uso de pesticidas. “Não podemos ficar em nenhum dos extremos”, pondera.

Junqueira avalia que a questão ambiental nunca foi tratada como deveria no Brasil e reconhece que a situação piorou na gestão Bolsonaro. “Temos um Congresso Nacional, uma política nacional de meio ambiente aprovada e temos uma Constituição. Um novo governo, eleito democraticamente, não significa que ele é superior a uma legislação que existe no país. Ele pode querer mudar os rumos da administração do Executivo, mas, em momento algum, lhe é dado o direito de desrespeitar a legislação vigente no país”, disse.

A política ambiental adotada na era Bolsonaro tem recebido criticas de especialistas do Brasil e de outros países. Reportagens sobre possível liberação de garimpo em áreas de reservas indígenas, liberação de agrotóxicos proibidos em outros países e aumento do desmatamento da Amazônia ganharam destaque na imprensa internacional recentemente.

Dados do Deter, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados nesta semana, apontam que o desmatamento na Amazônia Legal, que inclui nove estados, tiveram aumento de 278% em julho, em comparação ao mesmo mês de 2018.

Divulgação/Greenpeace/Marizilda Cruppe
Divulgação/Greenpeace/Marizilda Cruppe

Leia a entrevista:

O desmatamento na Amazônia está mesmo aumentando?

Os dados oficiais mostram, já há alguns anos, que o desmatamento da Amazônia vem aumentando. É evidente que essa questão de dados deixa margem para interpretação, mas não é isso que é o mais importante. Essa polêmica não leva a nada. O importante é que a Amazônia vem sendo desmatada e esse desmatamento vem aumentando. Sem entrar no mérito se aquele dado está um pouco impreciso ou se a interpretação dele não é a mais precisa, o fato que não se nega é que o desmatamento vem aumentando e é preciso tomar decisões para que isso seja estancado.

“Um novo governo, eleito democraticamente, não significa que ele é superior a uma legislação que existe no país”, afirma. Foto (William Dias/ALMG)

Um problema sério que nós temos na área ambiental, tanto no nível federal como no nível dos estados, é a fiscalização precária. Precisamos avançar em procedimentos fiscalizatórios para inibir. Sabemos que nenhum sistema funciona com alto grau de impunidade. É preciso rever todo um sistema e de sanções para que se desestimule as agressões ao meio ambiente.

O que o senhor acha da contestação de dados sobre o desmatamento na gestão atual?

A questão ambiental nunca foi levada a sério como deveria ser levada em nenhum dos governos, muito menos no atual. Acho que foi, inicialmente, uma falta de educação do governo, do próprio presidente. Tem certas questões que ele não pode tratar em público como a gente conversa em boteco. O Inpe é um órgão super respeitado, com cientistas renomados. Se ele (Bolsonaro) tem alguma dúvida, o que poderia ser natural para uma pessoa que desconhece o problema, o que seria o correto? Deveria chamar o ministro de Ciência e Tecnologia e dizer para ele conversar com o presidente do Inpe e prestar esclarecimentos. Isso seria uma postura de respeito. Ele pode até discordar (dos dados), mas deveria chamar no gabinete dele e não ir na mídia e tratar de uma forma desrespeitosa, como o ex-presidente do Inpe não merecia.

O governo dá muitos tropeços com essas declarações inadequadas para um presidente da República. Falo até por experiência própria. Fui presidente do órgão ambiental aqui do estado e, muitas vezes, o governo teve divergências. Mas foi a público discutir isso. Essa forma de governar, com declarações desrespeitosas, não contribui em nada. Só atrapalha mais o entendimento sobre a questão ambiental.

Ao contrário do que alega o governo, o senhor acha possíveis aliar preservação ambiental e crescimento econômico?

Está muito ruim a postura do governo de colocar meio ambiente contra desenvolvimento econômico. É uma postura completamente equivocada. A gente vem trabalhando há muito tempo para mostrar que o desenvolvimento só vai ocorrer em se considerando a variável ambiental.

A postura do governo deixa uma imagem muito negativa não só no cenário nacional, mas também no internacional. O presidente foi eleito democraticamente e tem todo direito de discutir as diretrizes, mas isso deve ser feito de forma adequada e ordenada. Se ele tem divergência com o Inpe, com o Ibama e com ICMBio, isso deve ser tratado, primeiramente, dentro do gabinete, para ouvir a outra parte, entender os esclarecimentos e tomar a decisão.

Como o senhor avalia a política de liberação de agrotóxicos?

Temos que ter uma política de compatibilização. Não podemos ficar em nenhum dos extremos. Temos que pensar como fazer o desenvolvimento do país preservando o meio ambiente, até porque isso é importante para a manutenção desse ambiente, não para o esgotamento dos recursos naturais.

Foi um retrocesso tirar a representação do Ministério do Meio Ambiente da discussão. Estão sendo liberados muitos agrotóxicos no país que não são aceitos na Europa nem nos Estados Unidos ou no Canadá. Precisávamos ter uma discussão considerando a variável ambiental. Ninguém quer proibir o uso de agrotóxicos. O que se quer é o uso correto, saber se são agrotóxicos que já temos o conhecimento científico de que, mesmo usados de forma ponderada, trazem ou não danos irreversíveis à saúde. Se for esse o caso, não devem ser permitidos.

Devemos ter uma avaliação mais científica, mais aprofundada, como se estava tendo antes. Mesmo assim, muitas coisas, no meu ponto de vista, não estavam adequadas. Agora, ao retirar a avaliação ambiental na questão dos agrotóxicos, isso deixa o meio ambiente e a saúde  da população mais expostos a riscos.

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Redação Dom Total