Técnicas pioneiras de monitoramento do desmatamento estão ameaçadas no Brasil


Por conta de técnicas diversas de recuperação de plantas e do monitoramento, quase um milhão de hectares da Mata Atlântica foram regenerados. (Agência Brasil)

Por Juca Guimarães

A preservação do meio ambiente no Brasil segue em duas frentes: uma combatendo o desmatamento e a outra é no incentivo do reflorestamento por meio de plantas nativas. Nos dois casos é fundamental o trabalho de monitoramento do uso e ocupação do solo.

Os protocolos e equipamentos de monitoramento do Brasil sobre meio ambiente estão entre os mais avançados do mundo e, em diversos casos, pioneiros por conta das necessidades específicas do país.

“Sem as informações de monitoramento ou com essas informações menos transparentes, a gente perde muito em termos de capacidade de planejamento, capacidade de governo e a capacidade de combater a ilegalidade”, disse Beto Mesquita, diretor do Instituto BVRio e membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que reúne mais de 200 entidades de defesa do meio ambiente.

Nos últimos 15 anos, o Brasil tem se destacado no desenvolvimento de técnicas de recuperação de florestas usando metodologias diversas. Um exemplo disso é o monitoramento de quase um milhão de hectares da Mata Atlântica em processo de regeneração. Além disso, os dados gerados por meio de diversos modelos de monitoramento adotados no Brasil é que permitiu o desenvolvimento de programas como o PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal), nos anos 2000.

“Ele resultou na redução drástica do desmatamento da Amazônia até 2014. E obviamente, quando o país estabelece suas metas de restauração florestal e reflorestamento no acordo de Paris ou aprova um política nacional de recuperação de vegetação nativa, ele se baseia nos dados de monitoramento para propor políticas públicas”, disse Beto Mesquita.

Todo esse importante trabalho de monitoramento está sendo ameaçado. Um dos institutos de referência do governo, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que monitora a Amazônia, revelou aumento de 88% no desmatamento da região em junho deste ano comparado ao mesmo mês de 2018. Após a divulgação dos números a instituição foi atacado por Jair Bolsonaro (PSL), que afirmou que os dados são “sensacionalistas” e exonerou o diretor da instituição.

O controle da dinâmica do uso do solo no Brasil e a transparência dos dados sobre o tema são importantes para fortalecer a imagem do país no cenário internacional.

“O Brasil tem um histórico de produção em escala que consegue ter uma posição de respeito ambiental. A gente vinha construindo pouco a pouco essa reputação. Agora tem o risco dessa reputação ser descaracterizada de uma hora para outra por conta da fragilização das políticas e, principalmente, da implementação das políticas e ações de controle, comando e fiscalização por parte dos governos”, disse Mesquita.

O ambientalista analisa que o impacto negativos na economia pode ser grande. “Os produtos brasileiros oriundos principalmente da cadeia do agronegócio e da cadeia florestal começam a ser colocados em xeque lá fora. O país tem uma série de compromissos e acordos que são condicionantes. Os mercados internacionais, como Europa, EUA e a China, que são importantes compradores, têm estabelecido regras baseadas em sustentabilidade e legislação ambiental”, comentou.

A falta de dados sobre meio ambiente e uso da cobertura de solo interessa politicamente a dois grupos no Brasil, de acordo com o climatologista Carlos Nobre, membro da Academia Brasileira de Ciências e membro estrangeiro da US National Academy of Sciences.

“O setor que está mais politicamente representado, há muitos anos, é o chamado ruralismo atrasado, desconectado do fato de que a maior lucratividade vem do aumento da produtividade, do uso de ciência e tecnologia. É muito ligado a um movimento histórico, crônico, no Brasil, que é o da expansão da área de agricultura. É a posse da terra como um valor cultural”, disse Nobre.

O segundo grupo contra o monitoramento, na análise de Nobre, é formado por quem não tem a posse legal das terras, faz o desmatamento e a extração de madeira ilegal.

“Virou um negócio. Rouba-se a terra, vende-se aquilo e depois de muito tempo o proprietário, que comprou uma área que não poderia ser vendida, através de 200 mecanismos, procura legalizá-la, ir para o cartório para legalizar”, disse Nobre que também é membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.

Brasil de Fato, 11-08-2019.