Incêndios na Amazônia aumentam pressão sobre setor do couro


Cabeças de gado pastam perto de queimada por incêndio na floresta amazônica. (AFP/Arquivos)

A crise na Amazônia e as ameaças do mundo da moda de boicotar produtores de couro aumentam a pressão sobre o amplo setor de peles no Brasil, enquanto as vendas começam a diminuir.

No fim de agosto, enquanto os incêndios se espalhavam na Amazônia, várias marcas de moda ameaçaram boicotar o couro nacional. A gigante H&M anunciou a suspensão de suas compras em resposta aos incêndios e sua possível ligação com a pecuária.

Segundo o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), a empresa americana VF Corporation (VFC), dona de marcas como Timberland, Vans, The North Face e Kipling, também anunciou que suspenderá temporariamente as compras no país.

O Brasil, onde a produção de couro se expandiu com um programa de imigração lançado no século XIX para atrair colonos alemães, é atualmente o terceiro maior exportador mundial, atrás de Itália e EUA.

Rastreabilidade difícil de comprovar

Os vetos recentes “são volumes insignificantes, sem qualquer impacto na exportação”, garante José Fernando Bello, presidente do CICB.

Bello afirma que o país “tem todas as certificações” e “todos os selos de garantia que mostram a origem do couro que é exportado bem como as práticas sustentáveis da indústria”. Segundo ele, nos últimos 20 anos houve um salto no processo de rastreabilidade da pele e na certificação sanitária e ambiental.

Atualmente, “todo” o couro recebido pelos curtumes – os estabelecimentos onde as peles são tratadas – “vem com documentos oficiais que certificam a origem do animal”, diz.

Contudo, a afirmação não é compartilhada por outro representante do setor de couro no Brasil, Rafael Andrade, porta-voz da Certificação de Sustentabilidade do Couro Brasileiro (CSCB).

“As certificações existem” e os “curtumes estão certificados”, mas “é impossível ter uma rastreabilidade do gado, saber onde nasceu, para onde foi levado e onde foi abatido”, disse em um fórum dedicado à produção de couro ambientalmente responsável.

“Há tantos intermediários, provedores, o Brasil é grande (…). Dá para imaginar o tamanho do problema que temos”, disse.

Os incêndios na Amazônia brasileira foram causados em parte pelo processo de limpar a terra para a criação de gado.

Mas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os principais estados do couro sem curtimento foram Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo, seguidos pelo Paraná e Rondônia. Desses estados, apenas o norte de Mato Grosso e Rondônia estão na Amazônia.

O CICB também argumenta que, de janeiro a junho de 2019, as exportações de couro vieram principalmente do Rio Grande do Sul, São Paulo e Goiás, fora da floresta tropical.

Exportações e baixa qualidade

Após alcançar 488.240 toneladas em 2014, as exportações de couro caíram a 444.640 toneladas em 2018 (-8,9%), segundo o Ministério da Economia.

Durante o mesmo período, o valor total de couro exportado caiu à metade, a a US$ 1,44 bilhão, contra US$ 2,94 bilhões em 2014.

Um dos motivos para isso é a qualidade das peles. “Apesar da posição de destaque no cenário mundial, o Brasil tem enfrentado problema com a qualidade das peles decorrente da falta de sinergia entre os compartimentos da cadeia produtiva”, o que leva à “ocorrência de defeitos nas peles”, alertou um relatório da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

O couro nacional é de “baixa qualidade” devido à “falta de manejo das marcas provocadas pelos arames e ectoparasitas, o transporte em caminhões até os frigoríficos, o corte e os problemas de conservação das peles”, explicou Manuel Antonio Chagas Jacinto, um dos pesquisadores da Embrapa que realizou o relatório.

AFP