Amazônia: a ideologia da internacionalização nunca morre


A esperança é que nossos governantes não encarem todas as sugestões de internalização da região amazônica apenas como retóricas sem fundamento. (AFP)

Por Beatriz Souza Costa*

O escritor Gilberto Paim, em 2009, escreveu o livro intitulado: “Amazônia Ameaçada: Da Amazônia de Pombal à soberania sob ameaça”.  O livro inicia contando a preocupação do mundo à respeito da Amazônia, vejam: “[…] É constante uma nova onda no terreno das comunicações: pessoas da América do Norte e da Europa telefonam a amigos brasileiros para clamar contra a devastação da Amazônia. Principalmente quando fotos de satélite são exibidas na televisão, mostrando queimadas devastadoras e clareiras amplas abertas na mata virgem, logo, essa onda de apelos se intensifica” [1]. Parece que estamos ouvindo essas notícias de jornais de 2019, ou mesmo um deja vu. Informa também Paim sobre a conspiração internacional com o objetivo de internacionalizar a Amazônia.

Mas esse tipo de intenção, proveniente de outros países, tem acontecido com certa frequência. Não podemos esquecer que várias autoridades internacionais já explanaram, em seus discursos, a intenção de internacionalização de nosso patrimônio nacional.

Vamos iniciar lá pelos anos 80, no qual a Primeira Ministra Margaret Thatcher da Inglaterra, precisamente em 1983, quando o Brasil estava vivendo um de seus momentos econômicos mais constrangedores, fez um pronunciamento no qual sugeriu: “…se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus territórios e suas fábricas”, deixando bem claro seus intentos.

Também nos idos de 1989, Albert Al Gore Jr., há época senador dos Estados Unidos, igualmente entendia que: “Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, mas de todos nós”. Portanto, compreendemos de onde veio a veia ecológica de Al Gore anos depois, com o documentário: “Uma verdade inconveniente” de 2006, que o fez ganhar o Prêmio Nobel da Paz em 2007. Mas essa forma de pensamento não parou por aí.

No mesmo ano de 1989, o francês François Mitterand explicita: “O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia”. A França sempre apresentou esse desejo, e isso vem de longa data.

A Inglaterra em 1992 insiste, mais uma vez, agora por meio de John Major, Primeiro Ministro Britânico, em que declarou: “As nações desenvolvidas devem estender o domínio da lei ao que é comum de todos no mundo. As campanhas ecológicas internacionais sobre a região Amazônica estão deixando a fase propagandista para dar início a uma fase operativa que pode, definitivamente, ensejar intervenções militares diretas sobre a região…” Ou seja, definitivamente o Brasil não tem sossego, está sempre sob o olhar interesseiro de nossos “amigos”.

Mikhail Gorbachev, o último líder da União Soviética, deixa claro suas intenções, em 1992, quando explanou: “O Brasil deve delegar parte de seus direitos sobre a Amazônia aos organismos internacionais competentes”. É realmente impressionante a vontade de tantos países em “proteger” a região Amazônica.

Os discursos vão se tornando cada vez mais agressivos com o passar dos anos. Henry Kissinger, Secretário de Estado dos Estados Unidos, em 1994, expõe: “os países industrializados não poderão viver da maneira como existiram até hoje se não tiverem a sua disposição os recursos naturais não renováveis do planeta. Terão que montar um sistema de pressões e constrangimentos garantidores da consecução de seus intento”. É melhor nem pensar o que se entende por “sistemas de pressões e constrangimentos”…

Outra Secretária de Estado, dos Estados Unidos, Madeleine Albrigh, em 1996, defende que: “Atualmente, avançamos em uma ampla gama de políticas, negociações e tratados, em colaboração com programas das Nações Unidas, diplomacia bilateral e regional distribuição de ajuda humanitária aos países necessitados crescente participação da CIA em atividades de inteligência ambiental.” Agora, vemos que é política de Estado a preocupação com recursos naturais, não podemos pensar que os Estados Unidos estão pensando no bem dos países que têm em seus territórios recursos preciosos.

Os discursos vão estabelecendo conexões preocupantes quando o General Patrick Hugles, chefe do Órgão Central de Informações das Forças Armadas Americanas, em 1998 expôs: “Caso o Brasil resolva fazer um uso da Amazônia que ponha em risco o meio ambiente nos Estados Unidos, temos de estar prontos para interromper esse processo imediatamente”. O que os brasileiros podem compreender o que seja colocar os Estados Unidos em risco?

Mesmo vendo todos esses discursos inquietantes e ameaçadores, foi a expressão de Pascal Lamy, francês, Presidente da OMC (ONU em 2005), que mais causou indignação no Brasil. Lamy defendeu em uma conferência na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra que: “A Amazônia e outras florestas tropicais do planeta deveriam ser consideradas bens públicos mundiais e submetidas à gestão, ou seja, gestão da comunidade internacional”. Há época Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores, considerou as declarações do Sr. Lamy inaceitáveis porque: “revelam uma visão preconceituosa, que subestima a capacidade dos países em desenvolvimento de gerenciar, de forma soberana e sustentável, os seus recursos naturais”[2].

E como já não fosse suficiente todas as ameaças, o Presidente Francês Emmanuel Macron, em agosto de 2019, aproveitando as queimadas que ocorrem na Amazônia anualmente, atacou: “A nossa casa está queimando”, e não satisfeito chegou a cogitar a conveniência de conferir um status internacional à região amazônica na reunião do G7, os chefes mais ricos do mundo, composto pela França, Alemanha, Estados Unidos, Itália, Reino Unido, Japão e Canadá. Não é de conhecimento de todos os brasileiros que Macron está tentando melhorar sua imagem, desgastada, com seu povo por sua política ambiental no país, mas não se pode descartar as intenções, ao longo de todos os anos sobre a Amazônia Brasileira. A esperança é que nossos governantes não encarem todas essas sugestões de internalização da região amazônica apenas como retóricas sem fundamento. Precisamos de mais alguma pista no que há por vir? Vale a pena ouvir o jornalista Andrés Oppenheimer, profundo conhecedor da geopolítica latina americana, quando acredita que o futuro da América Latina será sua divisão em pequenos países. Esperamos que esteja errado…

 

[1] PAIM, Gilberto. Amazônia Ameaçada: Da Amazônia de Pombal à soberania sob ameaça. Brasília: Senado Federal, 2009, p. 18-19.

[2] Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www.camara.leg.br/internet/sitaqweb/TextoHTML.asp?etapa=5&nuSessao=014.3.52.O&nuQuarto=90&nuOrador=1&nuInsercao=55&dtHorarioQuarto=11:58&sgFaseSessao=BC&Data=03/03/2005&txApelido=PERPÉTUA%20ALMEIDA,%20PCDOB-AC&txFaseSessao=Breves%20Comunicações&txTipoSessao=Extraordinária%20-%20CD&dtHoraQuarto=11:58&txEtapa=. Acesso em: 26 set. 2019.

*Pós Doutora em Direito pela Universidade de Castilla-La Mancha. Doutora em Direito Constitucional. Pró-reitora de Pesquisa na Dom Helder Escola de Direito. Professora do PPGD em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da ESDHC.