Por Lorena Bastianetto*
A plurisoberania da Pan-Amazônia implica considerações relevantes para o Direito Internacional. Apesar da coexistência de ordenamentos jurídicos diversos nos países que compreendem a Floresta Amazônica ser apta a enfraquecer o Direito Internacional Ambiental pela argumentação de primazia de decisões estatais em suas respectivas circunscrições, a ineficiência das jurisdições nacionais no empreendimento de políticas ambientais estabelecidas nas próprias constituições desses países gera uma situação paradoxal que revela as rupturas dos próprios programas governamentais. Nessa conjuntura, um problema simples desponta: o Direito Internacional possui atribuição normativa para corrigir as falhas dos próprios ordenamentos estatais? Mesmo sob uma perspectiva de vontade dos Estados na arena internacional, isto é, sob um viés de soberania das decisões internas, a resposta seria afirmativa, ou seja, por decisão dos próprios países, as normas internacionais possuem a função não só de balizar as políticas ambientais internas, mas também a de reconstituí-las pelos mecanismos sancionatórios próprios do Direito Internacional.
Apesar da pauta atual nas mídias local e internacional focar-se nos incêndios na Floresta Amazônica brasileira – a qual abrange, aproximadamente, 60% do nosso território –, a agenda amazônica no Brasil, além da preservação e conservação da diversidade biológica, envolve múltiplos objetivos como utilização sustentável dos recursos naturais, repartição equitativa dos benefícios advindos dessa utilização, controle do quadro climático do planeta e, principalmente, participação da mulher, das comunidades locais e populações indígenas na produção legislativa interna.
Em relação a esse último objetivo, o Brasil possui uma estrutura de órgãos de competência consultiva e normativa, integrantes do Executivo, os quais permitem a participação de representantes da sociedade civil – populações indígenas, comunidades tradicionais e agricultores tradicionais – nas decisões que regulamentam as políticas ambientais brasileiras. Essa regulamentação produzida por estes conselhos tem por fim a criação de um espaço de tomada de decisão a partir de conhecimentos compartilhados que, coordenados em prol do planejamento estatal ambiental, seriam hábeis a conciliar e sopesar interesses distintos de setores sociais heterogêneos. Essa abertura da função regulatória para o consensualismo alicerça-se na subsidiariedade, um princípio cujas origens remontam à Igreja Católica, e que valoriza as organizações sociais menores em detrimentos das maiores, ou seja, confere maior autonomia de decisão a organizações mais coesas e mais próximas dos dilemas ambientais vividos na Floresta Amazônica.
Portanto, o próprio Direito Internacional reconhece a importância das decisões locais em detrimento da interferência da sociedade internacional, já que esta seria uma organização mais fragmentada, difusa e com vínculos de menor densidade com as adversidades e impasses ambientais. Contudo, o esvaziamento das atribuições dos conselhos, associado à pouca integração das informações produzidas por estes órgãos em âmbitos municipal, estadual e nacional, bem como às dificuldades de as representatividades com menor participação nesses órgãos influenciarem, efetivamente, as decisões normativas, levam-nos a um círculo vicioso de burocratização dos próprios mecanismos estatais de participação social em prol de uma concentração das políticas econômico-ambientais em um ambiente hermético pretensamente aberto. E essa problematização efetivamente sentida no dia a dia de todos aqueles que vivem na floresta torna-se também um problema teórico e jurídico.
Quais seriam as melhores formas de correção das falhas regulatórias brasileiras: pelo recurso ao Direito Internacional ou ao próprio Direito interno? Se a desconcentração da decisão promovida pela norma interna desvirtua-se em prol da concentração e se o consensualismo é distorcido pela falta de controle do processo de tomada de decisão, lançar mão do próprio Direito interno para promover correções de efetividade regulatória parece-nos redundante. A partir desse momento, o Direito Internacional, legitimado pelas próprias decisões internas brasileiras, entra em cena não como uma superpotência transnacional, mas, pelo simples fato de representar um compromisso – uma decisão soberana de Estado – perante a comunidade internacional.
*Professora da Escola Superior Dom Helder Câmara; Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável/ESDHC; Doutoranda em Direito Processual/ PUC/MG.