A ‘sopa de plástico’ e o tamanho das embalagens


Inundação na praça de São Marcos: as fortes chuvas causaram enchentes de pelo menos 1.87 metros (Manuel Silvestri/Reuters)

Tania Maria dos Santos Scarabelli*

Quanta água! Quanta diferença entre espelhos d’água! Imagens correm pelo mundo. Nos últimos dias, Veneza, na Itália, cidade turística com seus românticos canais e gondolas inundada foi surpreendida pela maior inundação marítima dos últimos 50 anos. Fato que parece distante da nossa realidade, porém nem tanto, quando chama a atenção o que vemos e observamos o espelho d’água dessa inundação. Ou melhor não vemos! Nada boiando.

E o que este fato tem a ver com o nosso Brasil ou Belo Horizonte? Pois bem, o dito popular brasileiro de “o que os olhos não veem o coração não sente” parece afetar sim outros sentidos das pessoas quando chove em Belo Horizonte e em muitas cidades brasileiras que ainda não entenderam sobre os impactos das embalagens plásticas no cotidiano humano.

Em virtude do relevo montanhoso e ocupação urbana, impermeabilizada e higienizada ao longo dos anos para a maior e melhor mobilidade urbana, basta alguns minutos de chuva e logo surgem enxurradas de notícias sobre alagamentos, inundações e enchentes em vários locais da cidade. E com ela a “sopa de plástico” flutuante na lâmina d’água nas áreas mais baixas da cidade, onde deveria ter apenas água pluvial limpa. Deixando evidente a falta de preocupação e educação da população com sua própria casa – a sua cidade.

Resíduos plásticos de diversos tamanhos, mas principalmente os pequenos, por todos os lados. Eles não nasceram na rua. Alguém foi responsável por estarem lá. Quem? Todos. A ação humana é responsável por todo ciclo do plástico, da produção à reutilização. Da extração petrolífera ao destino adequado pelo consumidor final. Criado no início do século passado para inovar a indústria de embalagens e facilitar o cotidiano humano, criou junto problemas ambientais de magnitude global, principalmente em países subdesenvolvidos, notórios em seus aterros sanitários e visivelmente boiando em suas inundações urbanas.

Realmente quanta diferença entre os espelhos d’água, que está justamente na ausência das embalagens boiando aos olhos.

Observemos: quando vamos ao supermercado para as nossas compras habituais deparamo-nos com milhares de produtos acondicionados em suas embalagens organizados nas prateleiras, em sua maioria plásticas, que tem como destino o meio ambiente. No Brasil e não diferente em Belo horizonte, diariamente estima-se que são jogadas no meio ambiente milhares de toneladas de resíduos plásticos que poderiam voltar para a cadeia produtiva. Embora haja legislação especifica dada pela Lei 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), dados precisos inexistem por falta da efetividade e multisetorialidade entre as demais políticas públicas voltadas à pesquisas quantitativas da produção e destinação dos resíduos sólidos. Desde 2010, sequer os lixões foram eliminados. Eles não haveriam se houvesse a aplicação cotidiana da política dos 5Rs por todos os cidadãos:  repensar, reutilizar, reciclar, reduzir e recusar.

Vanúzia Gonçalves Amaral, pesquisadora da UFMG, sobre os impactos ambientais causados pelo plástico no aterro sanitário de Belo Horizonte, afirma que a partir do final da década de 70, em virtude do lobby das indústrias alimentícias, higiene e limpeza, e das embalagens “PETs”, não houve a preocupação com a gestão desses resíduos plásticos. Assim, as “inundações do nosso consumo” se avolumaram vertiginosamente.

Vários estudiosos de diferentes áreas cientificas e partes no mundo, dentre eles Pedro Roberto Jacobi, coordenador do Grupo de Estudos de Meio Ambiente e Sociedade do Instituto de Estudos Avançados da USP, afirmam que desde o início da industrialização do plástico e sua inserção no cotidiano da vida moderna, ele afetou diretamente a saúde do planeta e seus seres vivos.

A partir do fim da década de 90, com a abertura do mercado nacional para as importações chinesas, produtos plásticos de baixa qualidade e grande volume consumista, constatou-se o surgimento de doenças ambientais até então quase inexistentes no território brasileiro. Aquelas físicas e mentais causadas pela exposição aos resíduos sólidos, principalmente plásticos, afetando vidas humanas e animais, fauna e flora marinhos e terrestres. Sem poder esquecer das atuais que podem levar à morte, ocasionadas por vetores como o mosquito Aedes Aegypti que transmite o vírus da dengue, zika, chikungunya e febre amarela. Outra não menos grave, a leptospirose é uma doença infecciosa bacteriana transmitida pela urina de roedores, em virtude das inundações urbanas; dentre outras psicossomáticas, surgidas das consequências da “sopa plástica”, como mortes por afogamentos. Todos são autores e vítimas da mesma tragédia anunciada.

Imagens recorrentes retratam a omissão cultural brasileira e belo horizontina diante das consequências do consumo desenfreado de embalagens miúdas que obstruem vias pluviais. Pode-se inferir que os problemas socioambientais do plástico têm tamanho, literalmente. Estudos esclarecem que quanto maiores as embalagens plásticas, menores as possibilidades de obstruírem as vias pluviais, são mais visíveis para coleta e não são transportados pelas correntes pluviais e fluviais facilmente, aumentam possibilidades de reutilização ou retorno para reenvase de conteúdos, menores os riscos de acidentes com humanos ou com animais terrestres ou marinhos. Assim, possibilitando a política cotidiana dos 5Rs: repensar, reutilizar, reciclar, reduzir e recusar.

As embalagens plásticas de produtos de uso industriais, hospitalares, condominiais, dentre outras, já são envasadas em tamanhos bem maiores dos habituais, e dificilmente são encontradas boiando nas “sopas plásticas” das inundações urbanas ou nas correntes marítimas.

Já as embalagens de produtos domésticos de diminutos tamanhos, gerando em progressão geométrica o seu acúmulo no meio ambiente. Como solução para os produtos domésticos cotidianos como alimentares, de limpeza e higiene, dentre outros, quando possível, deveriam ser comercializados em embalagens volumosas, como já são comercializadas em vários outros países desenvolvidos. Por exemplo, os sabões em pó em embalagens de 20 kgs, detergentes, amaciantes ou óleos vegetais em embalagens de 50 litros.

A responsabilidade também é coletiva para a saúde ambiental urbana e de todo meio ambiente como direito humano transindividual e transgeracional. Não bastam somente as políticas públicas verticais e/ou horizontais, mas sim políticas atitudinais cotidianas de todos os cidadãos corresponsáveis ambientalmente por todos os espaços públicos.

No Brasil sobra legislação e falta eficiência e eficácia das mesmas e responsabilidade coletiva como o meio ambiente, a legislação brasileira ambiental já inovou e continua inovando para a maior e melhor sustentabilidade socioambiental.

Desde a Política Nacional do Meio ambiente, Lei 6939/81, em seu Art 2º, que traz como objetivo “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida”, nos diversos ambientes e dá providências da regulamentação e execução das demais políticas públicas decorrentes. Dela decorre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12305/2010, que dispõe sobre os seus princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes sobre a gestão integrada e o gerenciamento compartilhados dos resíduos sólidos em todos país, das ações do poder público e de toda sociedade para eliminar os lixões e as “sopas de plásticas”, ou em cidades permeadas por rios, como é o caso da cidade de Manaus, em que diariamente são retiradas cerca de 50 toneladas de resíduos sólidos dos seus rios.

Nos últimos anos, emergem iniciativas legais sobre a proibição de embalagens e objetos plásticos de pequenos tamanhos vêm sendo aplicadas em várias cidades brasileiras. A proibição dos canudos e sacolas plásticos iniciada pelo Rio de Janeiro e ampliada para outras como Belo Horizonte. Atualmente, objetivando reduzir e eliminar a exposição das embalagens plásticas no meio ambiente, tramitam no legislativo federal alguns Projetos de Leis que aprofundam a PNRS, como por exemplo o PL 4868/2019, estabelece que edificações públicas tenham recipientes para separação dos resíduos sólidos recicláveis em municípios em que exista coletiva seletiva de resíduos; e o PL 6044/2019, dispõe sobre a capacitação dos consumidores para o acondicionamento dos resíduos sólidos no sistema de coleta seletiva.; dentre outros afins.

Projetos como esses não seriam necessários se as Políticas Públicas conversassem entre si e convergissem para o principal objetivo principal: a sustentabilidade do público e coletivo. Se a Política Nacional de Educação e sua Base Nacional Comum Curricular nas escolas fosse colocada em prática cotidianamente na educação ambiental transversal, os resultados seriam outros. A mudança atitudinal coletiva da cadeia de produção ao consumo das embalagens plásticas iniciadas nas escolas e nos lares pelas famílias.

As políticas públicas ambientais voltadas para o consumo são fundamentais para o desenvolvimento humano sustentável em qualquer cultura. A sustentabilidade da permanência e existência das pessoas nas cidades dependem da responsabilidade de todos para garantia das futuras gerações.  Já quem tudo que consumimos estão dentro das embalagens. Então, Repensarmos o consumo delas é crucial, tendo em vista que toda atividade humana gera consequências desastrosas ao seu meio ambiente – a nossa casa.

Por fim, repensemos: embalagens de grandes NÃO entupiriam bueiros, NÃO seriam engolidas por baleias ou outros animais e poderiam ser reutilizadas ou recicladas eliminando as “sopas de plásticos” visíveis em muitas inundações urbanas.

*Tania Scarabelli – Graduanda em Direito e membro do Grupo de Pesquisa do Mestrado – Políticas Públicas-ESDHC. Pós-Graduada em: Estomaterapia, Saúde da Familia, Sáude Pública-UFJF. Graduada e Licenciada em Enfermagem–UFJF.